20 Abril 2020
Pandemia. Impacto na segurança jurídica e nos negócios
Compartilhe:
O que se está enfrentando nesses dias nem o mais criativo dos filmes poderia imaginar ou o mais iluminado professor de Direito poderia ter simulado com seus alunos nos bancos das universidades. Quando os estudantes de Direito aprendiam sobre força maior e fato fortuito, bem raro que se consiga examinar a incidência desta exceção ao cumprimento de obrigações de forma multilateral. Normalmente a imagem que se tinha é de uma parte afetada não poder cumprir sua obrigação em relação à outra parte não afetada. Quando há uma afetação multilateral, como agora, para a prática jurídica e assistência às pessoas físicas e jurídicas, o desafio é gigante, pela ausência de respostas absolutamente certas.
Publicidade fechar X
O Governo Federal brasileiro vem editando Medidas Provisórias seguidamente, que devem ser votadas As Medidas Provisórias (MPVs) são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MPV precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária. O prazo inicial de vigência de uma MPV é de 60 dias e é prorrogado automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional. Se não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, entra em regime de urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Com surjam emendas às MPV pode ser que ao final os textos sejam mudados e aprovadas regras diferentes das já em vigência o que exige um poder enorme de readaptação continua das empresas.
O que essas medidas legais não vão dar conta são dos efeitos deletérios da parada da economia e da dificuldade de retorno à normalidade, se é que haverá uma normalidade igual ao que se vivia antes. Isso afeta diretamente a indústria do entretenimento, notadamente aquelas atividades que envolvem público presencial, como salas de cinemas, shows, teatro e musicais, onde o elemento retomada da confiança do espectador será uma rampa longa a se percorrer.
Desse modo, se durante esse caos o direito utilizado é o da força maior para se suspender cumprimento de obrigações contratuais, de outro lado, isso não será suficiente para retomada, uma vez que os negócios podem adquirir um perfil diferente. Portanto, já é tempo de se pensar também na utilização da teoria da imprevisão, decorrente de fato extraordinário e imprevisível que acarretaria uma onerosidade excessiva na futura performance dos contratos. Nesse primeiro momento, as empresas estão tentando suspender suas obrigações e os credores muitas vezes optando por repactuar as perdas atuais para o futuro, como um tipo de “financiamento”. Tira-se do presente e coloca-se para o futuro.
Contudo, o futuro já se conclui não será igual ao presente por algum tempo. E como os efeitos deletérios são multilaterais, o ideal é que os efeitos sejam suportados por ambos os lados das contratações, notadamente naqueles contratos de execução continuada, como locação dos imóveis dos cinemas, locação de espaços para eventos, licenças de exibição de filmes, mínimos garantidos, condomínios, pagamentos de direitos autorais ao ECAD, pagamento de share de receitas de shows, peças e musicais, fornecedores, publicidade, índices de reajustes de contratos, entre outros.
Não bastará nesse momento tentar jogar para a frente os valores pactuados nos contratos atuais, que tinham como base a situação econômica antes do COVID19. Será necessário utilizar-se das teorias da previsão e onerosidade excessiva do Código Civil para introduzir já a negociação de novas bases econômicas dos acordos vigentes e futuros, compartilhando as perdas e redimensionado os negócios aos seus novos tamanhos. Usando a exibição e distribuição como exemplos, no cinema, o paradigma vale para todos, inclusive produtores.
Um outro ponto crucial seria começar-se a discutir com o Congresso a mudança do paradigma da irredutibilidade de salários, que depende de acordo ou conveção coletiva, nos termos do art. 7º., Inciso VI da Constituição Federal. Na retomada, para se preservar empregos dependendo do tamanho que a economia do país tiver, sabe-se lá se com um PIB menor em 5 ou 6%, se não será necessária uma redução de salários mais longa ou até mesmo perene, se houver encolhimento do tamanho dos negócios. E, nesse viés, a imprevisão e onerosidade excessiva pode estar no custo da folha de pagamento, o que não tem uma regra direta como as relações de direitos civil.
Em conclusão, ainda que se esteja no meio do incêndio, é importante já começar a discutir a vida durante e após o rescaldo.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
Compartilhe: