26 Março 2020
Como ficam os contratos em shoppings centers
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- A Onerosidade excessiva e a teoria da imprevisão
A regra geral aplicada aos contratos é o da sua obrigatoriedade, ou seja, uma vez firmado pelas partes, não poderá ser modificado, a não ser que haja concordância de todos os seus signatários quanto a mudança do que foi ajustado. Essa regra é absolutamente essencial para que as relações sociais e empresariais se desenvolvam com estabilidade e previsibilidade, caso contrário a insegurança traria como consequência o caos social e inviabilizaria a atividade empresarial.
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Essa regra, no entanto, comporta exceção que se dá justamente naqueles casos onde se verifica a ocorrência de algo inusitado, completamente surpreendente e que, por conta disso, faz com que o cumprimento do contrato acabe por não ser possível ou então gere a uma das partes um sacrifício desproporcional. Trata-se da denominada onerosidade excessiva.
Não se trata daquela situação previsível que pode vir a alterar o equilíbrio contratual, situação normal, especialmente no mundo dos negócios, onde o risco faz parte do ambiente empresarial. Trata-se de condição excepcional que não poderia ser antevista ao tempo em que o contrato foi firmado.
Nessas situações de anormalidade, que tragam como consequência a onerosidade excessiva a um dos contratantes, é que se admite seja pleiteado o reequilíbrio do ajuste contratual. Esse pleito deve, preferencialmente, ser encaminhado pelas partes numa negociação onde a boa fé e o bom senso devem prevalecer, trazendo para a relação contratual soluções que tragam de volta o equilíbrio que existia quando do surgimento da avença. Caso isso não seja possível, o prejudicado não tem outra opção senão buscar no Poder Judiciário a satisfação de seu direito, buscando por meio de uma ação revisional ou mesmo de um pedido de resolução (encerramento) contratual. Neste caso será um terceiro – o juiz – quem irá trazer uma solução para o impasse. Se o contrato estipular que eventual discussão deva ser decidida por meio de arbitragem, caberá então ao arbitro essa incumbência.
Diante do absoluto desequilíbrio advindo com a pandemia do Coronavirus enfrentado ao redor do mundo, fenômeno esse absolutamente imprevisível, que colheu o mundo todo de surpresa, resta evidente a necessidade da aplicação da teoria da imprevisão, fazendo com que as relações contratuais abaladas sejam reequilibradas, e na impossibilidade de seu reequilíbrio, sejam simplesmente desfeitas.
- A Locação predial urbana
A Lei do Inquilinato possibilita que, ordinariamente, tanto locador quanto locatário pleiteiem a revisão do valor do aluguel desde que ultrapassados ao menos 3 anos de contrato e sempre que se verifique que tal valor não condiz mais com aquele praticado pelo mercado. Não se trata aqui da aplicação da teoria da onerosidade excessiva. Ao contrário, como é previsível nesse período de tempo possam haver alterações nos valores locatícios é que o legislador previu essa possibilidade.
Ocorre que não existe na lei de locação a possibilidade de revisão diante de fatos inesperados e que tragam para uma das partes uma desproporção abrupta quanto a obrigação assumida contratualmente. Fácil perceber a possibilidade disso ocorrer quando se trata de locação de imóvel comercial. Naquela hipótese em que o empreendimento tiver que reduzir substancialmente sua atividade ou até mesmo fechar o estabelecimento por um período razoável de tempo, superior a 30 dias em decorrência da pandemia, não há dúvida que o pagamento de alugueres em período em que o imóvel, em decorrência de fato inesperado e alheio a vontade das partes, trará ao locatário uma onerosidade excessiva. Diante disso, razoável que locador e locatário encontrem uma medida adequada de redução do valor locatício, de forma a que essa onerosidade seja compartilhada entre ambos.
Caso esse consenso não seja possível, terá o locatário a sua disposição a via judicial, com o manejo de uma ação revisional fundada na teoria da imprevisão.
- Locação em Shopping Center
Caso análogo a locação urbana é a situação relacionada com a locação de lojas em shopping centers. Essa relação é disciplinada igualmente pela lei do inquilinato, que estipula que prevalece as condições livremente pactuadas entre as partes, indicando então uma maior liberdade para a contratação em relação aos outros tipos de locação de imóvel urbano.
Lojista e empreendedor, portanto, estão livres para contratar da forma que melhor atenda a seus interesses. Aqui, no entanto, a teoria da imprevisão deve prevalecer e, em se tratando de pandemia que faz com que o shopping passe a ter uma redução drástica em sua frequência ou até mesmo diante de seu fechamento compulsório, a necessidade de repactuação dos encargos contratuais torna-se absolutamente necessária e um direito do lojista.
Em primeiro lugar deve-se registrar que, se mantido aberto do shopping, mas com frequência reduzida em decorrência da recomendação geral para que as pessoas mantenham-se em suas casas e evitem a frequência em local público, as lojas podem sofrer restrições diferentes a depender do ramo da atividade desenvolvida. Por exemplo, as farmácias e supermercados provavelmente serão menos afetados que as lojas de malas, as lojas de câmbio, cinemas e os restaurantes ou lanchonetes. Para cada loja, portanto, caberá uma análise específica quanto ao impacto que a crise causou ao negócio para se dimensionar a possibilidade de redução dos valores contratualmente estipulados.
Por outro lado, em caso de fechamento do shopping, encontraremos uma situação equânime entre todos os lojistas que, diante disso, deverão ter um tratamento igualmente equânime.
Registre-se ainda que devemos separar os encargos contratuais entre aqueles que são relacionados com a ocupação propriamente dita com aqueles que tratam-se de custos variáveis imputados exclusivamente ao lojista. Os primeiros são o valor da locação, eventual taxa de condomínio, fundo de publicidade, etc. e os demais são as despesas com água, luz e demais facilidades que podem ser aquilatadas com precisão diante da utilização específica pelo lojista.
Os encargos contratuais relacionados com a ocupação deverão ser renegociados entre o empreendedor e o lojista, de forma a que esse ônus seja distribuído entre as partes na proporção de suas respectivas capacidades econômico-financeiras e exposição ao risco.
Quanto aos encargos contratuais relacionados com custos variáveis estes, obviamente, não poderão ser compartilhados, mas sim arcados exclusivamente pelo lojista.
Inicialmente o aconselhável é que empreendedor e lojista procurem encontrar uma fórmula adequada, de comum acordo, para se chegar a uma proporção justa de compartilhamento dos efeitos danosos trazidos pela pandemia. Caso esse ajuste não seja possível não haverá outra alternativa senão a busca do poder judiciário por aquele que se sinta prejudicado.
Marcelo M. Bertoldi e Gustavo Pires Ribeiro
são advogados e sócios do Marins Bertoldi Advogados. Ambos especialistas em Direito Contratual.
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