12 Março 2020
Coronavírus, atividades de entretenimento, cinemas e o Direito
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A Organização Mundial da Saúde declarou pandemia decorrente da disseminação do coronavírus, na versão COVID-19. Essa pandemia está causando impactos praticamente inéditos, exigindo dos países, dos governos, das empresas e da sociedade civil descobrir, no meio da crise resultante, como enfrentar essa trágica experiência.
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Na China, filmes deixaram de ser exibidos em cinema e alguns foram lançados diretamente para o streaming, sob protestos das salas de cinema e estúdios locais. A estreia de 007 — Sem Tempo para Morrer foi adiada para novembro de 2020. Outros filmes estão sendo cancelados ou adiados. Alguns países estão determinando a proibição de eventos coletivos, o que atinge diretamente a exibição de filmes em salas de cinema, eventos, congressos, competições esportivas, universidades, colégios e outros locais de frequência coletiva.
Essa situação pode se agravar por um lado, e, de outro, pode ter um tempo de duração ainda não imaginado, causando impactos relevantes nas atividades econômicas, minguando receitas e causando desequilíbrio financeiro nos agentes econômicos, diante de despesas fixas e recorrentes, como salários de colaboradores, alugueis, contas de insumos públicos essenciais, como luz, água, esgoto, condomínio, impostos entre outros. É bem provável que dificuldades surjam no cumprimento dessas obrigações.
No setor do entretenimento, as salas de cinema são as empresas que concentram as maiores despesas recorrentes, uma vez que atuam no ambiente físico, com grandes espaços locados e subordinados a altas taxas de remuneração dos locadores, na maioria dos casos Shoppings Centers, que incluem condomínios e outros encargos na conta mensal. Além disso, são os cinemas que concentram folhas de pagamento com centenas e às vezes milhares de funcionários.
Sob o aspecto jurídico é bem possível que as empresas tenham que se socorrer do instituto da “força maior” para poder rever ou descumprir suas obrigações. O Código Civil no art. 393 prevê que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. A lei não distingue caso fortuito da força maior para fins de sua incidência e há grande divergência doutrinária na caracterização de cada um dos eventos. Essa discussão, todavia, não é relevante porque o que importa é que há previsão legal para enfrentar situações como essa pandemia.
A primeira atenção a se adotar é verificar nos contratos que as empresas têm assinado, para se assegurar que não há uma cláusula afastando a proteção legal de poder alegar fato fortuito ou força maior. A única exceção à proteção legal seria a existência de cláusulas de renúncia. Mesmo assim, dependendo no negócio jurídico, diante do gigantismo dessa pandemia, seria possível suscitar alguma discussão.
Há ainda duas situações diferentes que, a nosso ver, estão duplamente protegidas pela lei. A primeira seria uma perda de receitas afetando a capacidade financeira das empresas, decorrente do fato de que as pessoas evitam utilizar os cinemas e pelo adiamento do lançamento dos grandes filmes programados para o primeiro semestre de 2020. Nessa hipótese, seria possível se admitir uma renegociação de contratos, com pedido de mitigação de valores anteriormente acordados. A segunda, seria uma ordem governamental determinando a suspensão das atividades, quando então não haveria nenhuma dúvida de que há um fato externo que impede a atividade econômica, que sustentaria pedido de suspensão de contratos e do cumprimento de obrigações.
Outra questão diz respeito aos direitos dos consumidores, em particular aqueles que já tinham pago adiantado pelos serviços. Entendemos que há diferenças entre o fato fortuito ou força maior interno, aquele ocorrido dentro da atividade do fornecedor- um problema com um cinema ou com um filme que os agentes econômicos não puderam evitar, de um fato externo, como uma pandemia, que é o caso. Assim, a pandemia seria uma excludente de responsabilidade do fornecedor, notadamente a sala de cinema que é quem tem a relação direta com o consumidor, o espectador. Existe, na questão consumerista, debate sobre as excludentes de responsabilidade, pois muitos defendem que a responsabilidade é objetiva e integra o risco do negócio do fornecedor. Todavia, ratificamos nosso entendimento de que uma pandemia não pode ser considerada como risco do negócio e autorizaria a sala de cinema alega-la em sua defesa em casos de reclamações de consumidores pela suspensão das sessões. Uma alternativa seria reagendar a admissão para uma nova sessão, sem garantia do mesmo filme ou assento.
A dúvida mais tormentosa diz respeito às relações de trabalho. Como tratar as obrigações de manutenção de empregos, salários e benefícios nas duas hipóteses. Queda de faturamento e fechamento compulsórios por ordem governamental. A CLT diz que o art. 501 diz que se entende como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. A suspensão do contrato de trabalho é a cessação temporária dos seus principais efeitos. De outra face, a interrupção do contrato de trabalho é a cessação temporária da prestação de serviços pelo empregado, mantendo-se, todavia vigentes as suas obrigações patronais. Nessa hipótese o empregador deverá pagar os salários normalmente e o período de interrupção será computado como tempo de serviço. Ainda que art. 2º da CLT diga que compete ao empregador, a assunção dos riscos da atividade econômica desenvolvida, nesse caso, o fato fortuito ou força maior é externo e não relacionada à atividade da empresa. Portanto, no caso dos funcionários se houver fechamento compulsório entendemos que há fundamentos para se discutir a suspensão do contrato de trabalho ou medidas paliativas de consenso. Sindicatos patronais e de empregados deveriam discutir como enfrentar essa situação.
Grandes desafios pela frente.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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