13 Fevereiro 2020
Cinema, objeto de desejo das leis inúteis
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Não é de hoje que o cinema é objeto de atenção dos legisladores federais, estaduais e municipais. Há uma verdadeira obsessão histórica em interferir na atividade das salas de cinema, que é privada, de livre iniciativa, não é um serviço público e muito menos uma concessão de serviços públicos.
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O fato é que a Constituição reserva à Lei Federal a possibilidade de regular espetáculos e diversões públicas. Isso não significa que basta uma Lei Federal para restringir a liberdade de iniciativa e econômica das empresas. Recentemente foi editada a Lei que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, reforçando os princípios constitucionais da preservação da liberdade de empreender. Tais princípios são nela descritos como: a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; a boa-fé do particular perante o poder público; a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado. Inobstante, muitas Leis são criadas em todo o país visando interferir nessa liberdade criando embaraços para os exibidores.
Para combater tais interferências é importante uma vigilância constante e uma atuação eficiente. A atuação dos entes coletivos, tais como Sindicatos e Associações da classe tem sido o modo mais contundente de reação. A atuação coletiva traz melhores efeitos porque o resultado positivo da ação se estende à toda a classe de indivíduos representada pela entidade. Por isso, um Sindicato coeso e com associados participantes é essencial.
O Sindicato dos Exibidores do Estado de São Paulo, por exemplo, tem sido atendo a tais intervenções indevidas, combatendo tais Leis nos Tribunais.
Recentemente a entidade logrou sucesso em ver liminarmente suspensa a Lei do Município de São José do Rio Preto que dispõe sobre a gratuidade de acesso dos idosos às salas de cinema do município. Liminar semelhante foi deferida em favor do Sindicato contra a Lei que estabelece o acesso gratuito para idosos às salas de cinema no Município de Limeira.
No final de janeiro de 2020 o Tribunal de Justiça acolheu integralmente ação do Sindicado de São Paulo para declarar inconstitucional uma outra Lei do Município de Limeira, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de detectores de metal em todas as portas de acesso às salas de cinema, salas de teatro e espetáculos, boates e casas noturnas. O Tribunal entendeu que a Lei ofende o ordenamento constitucional porque não veicula regra atinente à segurança pública, mas sim medida de proteção e segurança física do consumidor dos estabelecimentos cinematográficos. Não caberia ao Município legislar sobre a matéria, a menos que fosse evidente o interesse local se verificasse citando precedente do Superior Tribunal de Justiça que decidiu no sentido de que a competência normativa municipal plena requer se trate de matéria reveladora da predominância do interesse local, o que, decerto, não consubstancia a hipótese em exame, em razão das características da uniformidade e da generalidade. A decisão concluiu que a princípio a questão apresenta caráter nacional e não pode ser tratada de forma diferente em cada um dos Municípios, mormente diante da ausência de qualquer especificidade local a justificar essa diferenciação.
Outro caso paradigmático ocorreu no Estado de Goiás, onde foi criado o Estatuto do Cinéfilo, que seria o Código de Defesa do Consumidor de Cinema, válido para aquele Estado. O tal Estatuto veio a criar várias obrigações para os exibidores, muitas delas já previstas no Código de Defesa do Consumidor, outras existentes nas normas técnicas de segurança e acessibilidade. O Estado de Goiás não exerceu competência suplementar para legislar sobre direitos do consumidor, mas, de fato, efetivou indevida competência substitutiva dos direitos já previstos nas Leis Federais (de meia-entrada, de proteção à pessoa com deficiência; às novas da atividade cinematográfica; aos regulamentos da ANCINE e ao Código de Defesa do Consumidor), sob a falsa premissa de estar tratando de direitos do consumidor. Além disso, invadiu competência reservada da União (Espetáculos e Diversões Públicas) e violou as liberdades de iniciativa e de empresa chegando até a regular a minutagem da exibição de trailers e número de óculos para filmes em 3-D. A sentença de primeira instância foi favorável ao exibidor admitindo o juízo que a questão dos espetáculos públicos se traduz em assunto eminentemente nacional, que atinge igualmente a todas as empresas exibidoras e todos os cidadãos, não havendo como permitir que se regule fragmentariamente, segundo conveniências regionais ou particulares de um determinado Município ou Estado pelo que não restaram dúvidas de que o Estatuto do Cinéfilo visa regulamentar nada mais do que espetáculos públicos, infringindo a esfera normativa de competência da União.
Seria possível listar vários casos parecidos mais antigos. Deve-se lembrar que o país têm vários Estados e milhares de Municípios, que tem como prática “importar” esses exemplos, razão pela qual a atitude da eterna vigilância é o preço da democracia.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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