10 Janeiro 2020
O que há por trás do sucesso de Frozen
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Logo após sua estreia, o segundo filme da série Frozen já alcançou a marca histórica de 1,3 bilhão de dólares em faturamento, sendo a animação de maior bilheteria de todos os tempos. Frozen 2 bateu, digamos que o próprio recorde, conquistado anteriormente em 2013 pela primeira história das irmãs Elsa e Anna. As cifras atingidas até agora colocam o longa animado da Disney na 14ª posição entre as maiores bilheterias de todos os tempos, capaz de bater Vingadores: Era de Ultron, de 2015.
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Fatores como a escolha estratégica do período de lançamento ajudam a explicar o sucesso da animação. No Brasil a estreia aconteceu em janeiro, período de intensa busca por atividades adequadas para as crianças que estão em férias escolares. Isso faz com que esse seja um período extremamente concorrido e mais rentável entre as distribuidoras para esse tipo de lançamento.
Não obstante, não podemos deixar de notar que o sucesso desta franquia está diretamente relacionado com um processo de readequação e reposicionamento da Disney, tanto na tentativa de equalizar os protagonismos, quanto de ressignificar os papéis sociais destas personagens.
Frozen (2013) foi um marco no desenvolvimento das animações baseadas em “contos de fadas” e nas histórias das princesas da Disney. A trama do filme tenta quebrar com a tradição da donzela em perigo à espera do príncipe encantado. Desde o lançamento de Branca de Neve, em 1937, até então o conjunto de valores transmitidos por essas obras reforçavam que o papel social da mulher estava restrito a felicidade conquistada pelo casamento. A contestação desses padrões é um dos pontos de virada da trama do primeiro filme, o questionamento do amor e casamento à primeira vista. A sutil inocência argumentativa do “E viveram felizes para sempre...” pouco a pouco naturalizou para algumas gerações certas amarras e impedimentos que não deveriam existir.
As filhas da geração que cresceram assistindo Ariel nos cinemas (1989), Bela (1991) e Jasmin (1992) precisam de outros arquétipos. Ainda que tardiamente ou lentamente podemos afirmar que as personagens femininas, criadas para o público infantil, estão deixando o estereótipo de donzelas que precisam de um príncipe encantado para um final feliz. Isso é bom e, mais importante, é o que atrai o público de uma geração que cada vez mais independe de uma figura masculina.
Algumas obras como Mulan (1998) e Valente (2016) tentaram se descolar desse argumento. A primeira apresentando a trajetória de uma garota que finge ser um homem para se tornar um guerreiro e resgatar a honra da família. Já a segunda, questiona a necessidade do casamento arranjado pela aliança entre reinados. Entretanto, ao final, por motivos distintos, ambas histórias acabam deixando indícios de que os roteiros dos dois filmes somam forças com a efervescência dos debates sobre o protagonismo feminino. Para a dupla de diretores, Jennifer Lee e Chris Buck, Elsa e Anna são jovens e “perfeitas a partir de suas imperfeições”. As irmãs de Frozen são destemidas, curiosas, aventureiras, independentes e a salvação, ou “o ato do amor verdadeiro”, não é o beijo de um príncipe, mas a conexão entre as duas.
A liberdade de ações e escolhas é a base de sustentação da narrativa. No primeiro filme, Elsa não possui um par romântico, fato que encorajou alguns fãs a criar a hashtag #GiveElsaaGirlfriend. Essa manifestação das fãs apresentou para o estúdio a possibilidade latente de uma princesa lésbica, mas o mais importante, evidenciou a lacuna existente em termos de representatividade que ainda existe entre o desejo da audiência e o que é realmente lançado no mercado.
Além disso, vale à pena destacar que o filme não traz um discurso de disputa entre mulheres, ao contrário, vemos o estabelecimento de uma rede de confiança e amparo. Não há rivalidade entre elas. A opção dos roteiristas de não criar uma antagonista, ou oponente feminina, uma vilã movida pela inveja da beleza ou da cobiça pelo trono, muitas vezes representada pela figura da bruxa, proporciona um ambiente de cura das relações de confiança e a apoio entre mulheres.
Precisamos refletir sobre a representatividade tanto nas telas, quanto atrás delas. Quais são os exemplos de mulheres audaciosas para essa geração?
É inegável que esse processo de revisão das histórias só é possível com uma reorganização das equipes de produção. Apesar do crescente número de lançamentos protagonizados por personagens femininas, o número de mulheres à frente da direção desses projetos ainda é irrisório.
Valente e Frozen (1 e 2) ainda contam com uma equipe mista, tanto na direção, quanto na roteirização dos filmes. No entanto, de todas as produções lançadas recentemente em versão live action, somente Mulan, a ser lançado em março de 2020, conta com a direção do filme assinada exclusivamente por uma mulher, a neozelandesa Niki Caro. Todas as outras obras – Cinderela (2015), A Bela e a Fera (2017) e Aladdin (2019) – foram dirigidas por diretores e que apesar de atualizadas narrativamente retomam certos padrões narrativos que não são mais pertinentes para os novos tempos.
A nova geração de meninas precisa dessa revisão do “espelho”, do papel ocupado pela mulher na sociedade e Frozen 2 parece dar continuidade a reflexão. Que características como rebeldia e audácia sejam positivas para acabar com o processo de silenciamento e invisibilização, proporcionando a existência de uma geração de mulheres livres e independes para ser e existir da maneira que lhes convir.
Hadija Chalupe
Hadija Chalupe é Doutora e Mestre pelo PPGCom (UFF), professora de cinema e audiovisual das cadeiras de produção e distribuição audiovisuais na UFF e na ESPM Rio. Entre agosto a dezembro de 2019 realizou sua pesquisa de pós-doutorado na Oxford Brookes University acerca da distribuição de filmes brasileiros no Reino Unido. É sócia fundadora da Caraduá Produções.
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