Exibidor

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Artigo / Ancine

24 Maio 2019

Uma perspectiva para o mercado de salas de exibição

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O mercado de salas de exibição é extremamente relevante para a indústria audiovisual, integrando os segmentos da produção e da distribuição cinematográfica, além dos setores de bens e serviços nas áreas de infraestrutura e inovação tecnológica.

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Nos últimos anos, a despeito da crise econômica vivenciada no País, o parque exibidor brasileiro manteve-se em contínua expansão, com uma taxa anual de crescimento, desde 2009, de aproximadamente 6%. Isso mostra o potencial do mercado. Tanto que, no ano de 2018, em meio a tantos fechamentos de estabelecimentos nos demais segmentos da economia, houve o ápice da série histórica brasileira relativa ao número de salas.

O potencial de expansão e desenvolvimento pode ser validado de forma sumária, elegendo-se apenas três razões, dentre muitas outras possíveis. A uma, porque revela-se expressiva a quantidade de obras audiovisuais, nacionais e internacionais, produzidas para exibição inicial e/ou prioritária no segmento de salas de cinema. Por outro lado, os resultados financeiros da exploração comercial de obras cinematográficas são potencialmente expressivos, tornando o mercado de salas de exibição proeminente, tanto no que se refere aos planos e estratégias de comercialização das produções quanto no tocante aos anseios de auto sustentabilidade e desenvolvimento da indústria audiovisual. Finalmente, o mercado de salas de exibição articula e integra diferentes agentes relacionados com a economia do audiovisual, em especial, aqueles relacionados à inovação e infraestrutura. Não seria por outra razão que a exibição cinematográfica, além de estratégica para a indústria audiovisual, representa uma oportunidade de crescimento para a economia brasileira.

Uma vez evidente a relevância das salas de exibição, e mais, dada a importância estratégica da atividade audiovisual para o crescimento econômico do País, tanto na possibilidade de geração de emprego e renda quanto na expectativa de desenvolvimento socioeconômico, torna-se oportuna a consideração de políticas de desenvolvimento e regulação setorial mais coordenadas, que levem em conta uma maior articulação e integração dos agentes de mercado, que compreendam as características e dinâmicas do setor, mas que também reconheçam e abriguem a infraestrutura audiovisual.

De fato, experiências por todo o mundo têm demonstrado o potencial das ações direcionadas à indústria cinematográfica e, em especial, à infraestrutura e inovação. Não é por acaso que as políticas públicas bem-sucedidas são focadas, simultaneamente, no desenvolvimento e regulação, cada qual retirando o fundamento de validade do outro, legitimando-se reciprocamente.

Neste sentido, no momento em que políticas regulatórias para salas de cinema estão sendo discutidas, em especial a questão da obrigatoriedade de exibição comercial de obras brasileiras - a denominada Cota de Tela -, torna-se mais que oportuna, imperativa, uma reflexão sobre o desenvolvimento do parque de exibição nacional. Isto porque, uma política pública para o desenvolvimento do mercado de exibição é pressuposto lógico e necessário à manutenção, ou mesmo ampliação, da sua relevância para a indústria audiovisual brasileira.

Tão importante quanto a consideração de uma política regulatória adequada é também a implantação de um programa vocacionado ao desenvolvimento do mercado de salas de exibição. Vale dizer, quanto maior o parque de exibição cinematográfica, em termos de salas e complexos de exibição, maior a possibilidade de exibição de obras cinematográficas, da diversificação dos títulos exibidos e da permanência de exibição de um mesmo título.

No caso do Brasil, a questão da ampliação do parque de exibição não é meramente especulativa. Existe um potencial de crescimento do mercado. Neste ano de 2019, 92,3% dos

municípios não possuem cinemas e, dentre esses, em 71 com mais de 100 mil habitantes não há salas de exibição, representando uma população de 11,2 milhões de pessoas sem acesso a obras cinematográficas. Ao todo, 327 municípios de 50 mil habitantes não possuem salas de cinema para exibição comercial. Estas cidades concentram 28,3 milhões de habitantes. A título de comparação seria o equivalente à população do Chile e Portugal juntas (18 e 10,3 milhões de habitantes respectivamente), superando a população da Austrália (24 milhões de habitantes). Em termos regionais, o Nordeste concentra mais de 40% das localidades potenciais para a instalação de salas de cinema.

O mercado brasileiro conta presentemente com 3.356 salas, o que representa um número de 65.128 habitantes por sala de exibição. O índice brasileiro é inferior ao dos Estados Unidos, França, Austrália, Espanha, Alemanha, Portugal, México, Rússia, China, Japão, Argentina, Colômbia e Chile. Por exemplo, para alcançar o índice francês seriam necessárias 18,5 mil novas salas. Para igualar ao índice mexicano seria necessário a construção de 10 mil salas, ao passo que para equiparar o índice argentino seriam necessárias 1,3 mil inaugurações de novas salas. Considerando a população por município, 54,2% da população brasileira conta com salas de cinema, mostrando que o número de salas pode, a partir de uma política eficiente, inclusive dobrar de tamanho. O cenário, portanto, evidencia o potencial brasileiro para a expansão do parque exibidor e, consequentemente, a ampliação das possibilidades de exploração de obras audiovisuais brasileiras. Nota-se, que um maior escoamento e exibição de produções brasileiras se encontra diretamente relacionado ao crescimento do quantitativo de salas de exibição. De fato, na última década, a correlação entre o crescimento da bilheteria brasileira e a expansão do parque exibidor é de 98%.                    

O desenvolvimento do mercado de exibição, contudo, não se resume à sua ampliação, a saber, a construção de novas salas de cinema. As ações para ampliação, modernização e atualização tecnológica das salas e complexos existentes são igualmente importantes, posto que voltadas à inovação. Além disso, as atividades para a diversificação e a descentralização das salas também são essenciais, ampliando-se o número de cidades com salas de exibição e, por consequência, o número de consumidores de cinema.

O mercado de salas de exibição se encontra dentre os segmentos fomentados, regulados e fiscalizados pela Agência Nacional do Cinema - ANCINE. Logo, para além da política regulatória, muitas vezes limitada ao acompanhamento e à fiscalização da obrigatoriedade anual de exibição de obras brasileiras, a Agência deve atentar para as suas demais finalidades institucionais, especialmente no que tange ao desenvolvimento do mercado de salas de cinema, no sentido de estimular o seu crescimento, aumentar a sua competitividade e promover a sua sustentabilidade.

As ações para o desenvolvimento do mercado de exibição estão amplamente representadas pelas competências da ANCINE. Existe, inclusive, um mecanismo especificamente constituído para tal fim, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Infraestrutura do Cinema e do Audiovisual - PRÓ-INFRA. O programa em questão é apoiado por recursos do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA, a partir de empréstimos reembolsáveis, a saber, operações de crédito.

O PRÓ-INFRA é de suma importância para o desenvolvimento do mercado de exibição.

A combinação das políticas de desenvolvimento e regulação torna mais eficiente a atuação da ANCINE, especialmente porque articula o incentivo à produção com os investimentos na infraestrutura audiovisual, melhorando as interações da Agência com os agentes de mercado. O fortalecimento das interações entre os agentes de mercado e a remodelagem das articulações entre a ANCINE e o mercado audiovisual são uma solução possível para as hipotrofias burocráticas e institucionais da Agência.

Uma adequada política de investimentos para as salas de exibição, por meio de empréstimos reembolsáveis (operações de crédito), revela-se menos burocrática e interventiva, por isso mais eficiente. Além disso, as operações de crédito não repercutem na atual capacidade operacional da ANCINE, uma vez que o empréstimo é contratado e executado pelo agente financeiro credenciado. Assim, o PRÓ-INFRA não impacta negativamente nas demais políticas de incentivo setorial, nem mesmo ecoa nos atuais questionamentos dos órgãos de controle, relativos ao acompanhamento e à fiscalização de projetos audiovisuais pela ANCINE. Ao contrário, os impactos da expansão do parque exibidor são positivos, dada a maior possibilidade de exibição de filmes, de diversificação dos títulos de obras, de permanência de um mesmo título em exibição e, consequentemente, de resultado financeiro pela exploração comercial de obras cinematográficas brasileiras.

O financiamento por empréstimos reembolsáveis estimula a coordenação entre o PRÓ-INFRA e outras possíveis políticas de desenvolvimento regionais, favorecendo a diversificação e a descentralização do parque exibidor. Uma política modelada para a livre iniciativa, portanto menos burocrática e interventiva, além de coordenada e integrada, aumenta as possibilidades de expansão do mercado brasileiro de salas de exibição. Com isso, estimula-se a implantação de salas em cidades de menor porte, atualmente desprovidas ou pouco atendidas. Incentiva-se, inclusive, virtuosas parcerias entre o Poder Público local e a iniciativa privada, nas quais, por exemplo, a municipalidade cede um imóvel de propriedade pública em desuso e a empresa exibidora implanta a sala de cinema financiada pelo PRÓ-INFRA. Uma maior integração entre os agentes econômicos favorece a aquisição de bens e serviços necessários às salas de exibição e a elas correlacionados, desenvolvendo a economia local.  

Além disso, uma política modelada para a liberdade econômica reduz dificuldades de acesso pelos pequenos e médios exibidores, uma vez que ficariam dispensados de condicionantes meramente formais, desarrazoadas e desproporcionais, que ordinariamente implicam em morosidade administrativa, riscos desnecessários e aumento de custos operacionais.

Nota-se que, apesar dos entraves burocráticos e dos problemas de modelagem que dificultaram o acesso à linha de crédito para a exibição, 286 novas salas foram inauguradas em 44 cidades brasileiras, estimando-se que para cada R$ 1 investido houve o faturamento correspondente à R$ 2,68. Os resultados, portanto, validam a eficiência do programa e a sua sustentabilidade, ao tempo em que evidenciam a necessidade de retomada do PRÓ-INFRA, devidamente remodelado.

Para além das operações voltadas à implantação de novas salas, a política de desenvolvimento setorial também compreende o Prêmio Adicional de Renda - PAR, um mecanismo de incentivo a empresas exibidoras referenciado na comercialização de obras cinematográficas brasileiras.

O PAR é extremamente relevante ao desenvolvimento socioeconômico de cidades de pequeno e médio porte, apoiando e mantendo o exibidor local, proprietário de uma ou duas salas, no desempenho da atividade audiovisual. Nos últimos anos, o volume anual dos recursos aplicados no prêmio é de R$ 3 milhões, custeando a manutenção de mais de 100 salas por ano.

Os recursos do PAR são utilizados na modernização e atualização tecnológica das salas de cinema, apoiando a preservação de exibidores de pequeno porte, responsáveis pela descentralização do parque brasileiro e, consequentemente, pelo desenvolvimento local do mercado de exibição. O prêmio pode custear, inclusive, a promoção da acessibilidade para pessoas com deficiência visual e auditiva, revelando-se também um mecanismo de inclusão social.

Enquanto política de desenvolvimento local, o PAR deve atender aos pressupostos da estabilidade e previsibilidade. Isto porque, atrasos ou períodos de descontinuidade podem reduzir a eficiência e os resultados da política setorial, mas também impor prejuízos àqueles que criam legitima expectativa nessa relevante ação estatal.

O Prêmio Adicional de Renda tem uma correlação direta com a exibição de obras brasileiras. A premiação é calculada a partir do número de dias de exibição de obras nacionais e de títulos diferentes de produções brasileiras. Com isso, quanto mais dias de exibição e mais filmes brasileiros forem exibidos ao longo do ano, maior a premiação. Nestes termos, o prêmio revela-se, ainda, como um mecanismo de regulação por incentivo, mais eficiente e menos interventivo que o tradicional método de regulação por comando e controle, ou seja, a partir de instruções normativas e multas administrativas. 

Por fim, a política de desenvolvimento do mercado de exibição compreende o Regime Especial de Tributação para Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica - RECINE, uma medida tributária de estímulo à expansão e à modernização do parque exibidor brasileiro.

O RECINE, que atualmente se encontra pendente de prorrogação para os próximos anos, suspende a cobrança de tributos federais que incidem sobre a aquisição de equipamentos e materiais necessários à construção e à modernização de salas de cinema. A título de exemplo, a relevância do regime especial fica expressa nos números do ano de 2016, no qual verifica-se que 54% das salas abertas utilizaram o RECINE, apontando para a necessidade de continuidade e expansão dessa política.

Por tudo, o potencial de crescimento do mercado de salas é evidente, representando uma oportunidade para a economia brasileira. Uma política de desenvolvimento coordenada, que integre o mercado de exibição aos demais segmentos da indústria, articulando-os, amplia as possibilidades de resultados positivos para toda a cadeia de valor do audiovisual, contribuindo para a redução de distorções e desequilíbrios. Além disso, uma combinação sistêmica das políticas de regulação e desenvolvimento aumenta a eficiência de ambas, ampliando possibilidades regulatórias mais eficientes e reduzindo os riscos de insegurança jurídica e descontinuidade, principalmente em meio a uma indústria de transformações tecnológicas permanentes.

Espera-se que o setor audiovisual brasileiro alcance o seu pleno desenvolvimento. E, neste sentido, o mercado de salas de exibição é extremamente relevante, tanto em potencial de crescimento quanto em externalidades positivas para os demais segmentos da indústria.

 

Alex Braga
Alex Braga | alex.muniz@ancine.gov.br

Alex Braga Muniz graduou-se no curso de Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É membro da Advocacia-Geral da União (AGU) desde agosto de 2002. Foi Coordenador de Consultoria da Procuradoria Federal junto à ANCINE, de março de 2003 a dezembro de 2005. Em 2005 tornou-se Procurador-Chefe Substituto da Procuradoria Federal da ANCINE e, desde 2009, exerceu o cargo de Procurador-Chefe da Agência Nacional do Cinema. Atualmente é Diretor da ANCINE, com mandato até 2021

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