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Artigo / Mercado

05 Março 2025

Os desafios do mercado de animação no Brasil rumo ao Oscar

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Hoje a Fernanda Torres me fez conversar sobre cinema com o motorista do carro de aplicativo pela primeira vez, o que foi um alívio, visto o costume de ficar em silêncio para não discutir política, até por medo de agressões verbais, ou para não ouvir absurdos higienistas que tanto já escutei sobre moradores de rua. Mas o motorista Rafael estava empolgado em falar de cinema, acreditava que o “Brasil” ia ganhar o Oscar, falou do novo filme da Fernanda Montenegro que vai estrear, “Vitória”, e daí ficou muito empolgado quando viu que eu ia para a O2 Filmes, quis saber da minha profissão de roteirista, falou dos últimos filmes que viu, quis saber o que faz um roteirista, enfim, o papo fluiu de um jeito novo, graças ao Oscar e à minha amada Fernanda Torres. Eu fiquei maravilhado, ele estava muito empolgado em falar de cinema, tinha ido com a família ver “O Auto da Compadecida”, falou da saudade do Paulo Gustavo, foram trinta minutos falando de filmes, o que me fez pensar que essas indicações de “Ainda Estou Aqui” fizeram até o cotidiano ficar mais leve, o que também é uma vitória.

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É um sonho estar no Oscar. E devo confessar que peguei esse sonho emprestado do meu irmão artístico que admiro demais Tiago Minamisawa: foi dele que ouvi esse devaneio de chegar lá e, desde então, internamente, venho traçando estratégias para conquistar esse desafio. Gosto de desafios. E não vou mentir, achei – imaturo que era – que nosso primeiro curta-metragem “Guida” alcançaria esse feito graças, sobretudo, ao traço único da Rosana Urbes. E a gente chegou perto, vencemos dois prêmios no Festival de Annecy, que é considerado o Oscar da animação na França. Depois veio o “Sangro” e batemos na trave em alguns festivais qualificatórios. Tudo sempre “perto”.

Desde então decidi ser mais estratégico para meus próximos projetos de animação, que são o curta “Tubaroa” e o longa “A Benzedeira”, entendi que precisaria me juntar com profissionais experientes, além de, claro, ter boas histórias. Assim recomecei. No curta-metragem, que assino roteiro, me juntei ao Tiago na direção, convidei para a trilha sonora o Ruben Feffer e o Gustavo Kurlat, compositores fantásticos que já tiveram indicações ao Oscar com “O menino e o Mundo”, trouxe também o Guilherme Petreca, um artista de storyboard com uma carreira admirável na literatura e nos quadrinhos, e o elenco já conta com Kelner Macêdo, ator maravilhoso com quem trabalhei em meu primeiro longa-metragem de ficção, “A metade de nós”, que viverá o Pescador, e como a protagonista Tubaroa tive a honra de Marisa Orth aceitar o convite (te amo, Marisa). Finalizei a pré-produção e estou em busca de financiamento para iniciar a produção da animação. E daí é seguir para festivais, pois curta-metragem tem carreira em festivais: quanto mais um filme é aceito em festival e vence, mais ele é aceito em outros e assim por diante. E o cinema de animação brasileiro é muito respeitado no mundo todo, visto as homenagens e premiações que nosso cinema já recebeu em Annecy, ou os profissionais brasileiros que vão trabalhar em filmes da Disney, além das carreiras autorais de curtas que conquistam muitos prêmios internacionais. Mas é uma pena que o Brasil ainda não saiba que o nosso cinema de animação é um dos melhores do mundo.

É batido falar que faltam políticas públicas que invistam em nosso cinema, mas faltam. Falta também formação, principalmente formação em cinema de animação: falta apresentar a profissão de animador, de roteirista, como uma possibilidade para o jovem, para que a criança cresça sabendo que pode ser animador, que o desenho que ela assiste, veja só, que ela pode também, no futuro, produzir aquilo. Mas faltam muito mais coisas. Falta uma cadeia de distribuição, falta cinema passando o filme de animação, nossa, a lista é grande, mas sinto falta de que a gente divulgue nosso cinema e mostre que nossa animação é tão incrível quanto ela é (não canso de insistir nisso).

É preciso que os financiadores entendam que animação é um trabalho, mas antes disso é uma arte, e é uma arte cara. Animação, a palavra, vem de anima, que é alma, acho importante não perder isso, cada desenho feito é um pedacinho de alma que o ou a artista deixa ali. Passando essa parte mais filosófica, sensível, é difícil conciliar o valor que o trabalho de animação custa com o valor que se recebe para produzir um filme no Brasil, que sempre é inferior (e isso se reflete no cinema brasileiro como um todo). Porém não custa sonhar que a gente é capaz de mudar isso.

Tanto sonho que vou lançar agora dia 13 de março um livro em cordel de “A Benzedeira” como um financiamento coletivo para pagar o início da pré-produção do meu primeiro longa de animação com o mesmo nome, que é uma homenagem à minha benzedeira Dona Jovelina e também a João Guimarães Rosa. Foi esse caminho que encontrei para não ficar sem produzir, visto a falta de incentivos em nosso país. Contudo, alguns caminhos para expandir nossa produção seriam fáceis de indicar, como ampliar financiamento direto para desenvolvimento de animação, criar novos editais específicos para animação, investir em parcerias para divulgar filmes em festivais internacionais e facilitar a presença de produtores para atrair coproduções, além de simplificar processos para acesso a incentivos fiscais e investimentos para produtores independentes, visto que o cinema autoral de animação é a joia do Brasil.

Nós temos verdadeiros tesouros em forma de artistas na nossa animação. Mas precisamos fazer um trabalho de conscientização para que a gente, enquanto país, entenda que animação é arte segundo a segundo, é cinema que gera muito emprego e renda, e que é um cinema que premia e leva a cultura do Brasil mundo afora. Todo mundo ganha nessa, eu te garanto. Viva – e conheça – a animação brasileira!

Bruno H Castro
Bruno H Castro

é diretor e roteirista; conhecido pelo longa “A metade de nós” e os curtas de animação "Tubaroa" e “Guida”, lançará no dia 13 de março o livro “A Benzedeira”, uma obra em cordel de realismo fantástico inspirada em João Guimarães Rosa.

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