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Artigo / Tendências & Mercado

15 Novembro 2023

Programação de cinema: Acesso aos "públicos"

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O público voltou!  

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Mas, que público?   

O retorno do público brasileiro às salas sendo um hábito e não um movimento que se exauri mediante um grande lançamento é efetivo? Provocações sobre qual público falamos são necessárias, bem como a ciência de que o contexto social e econômico é tão importante quanto negligenciado. Incluir recortes de gênero, raça e classe nas análises do mercado para medidas que expandam as políticas públicas são convergentes e trazem à tona a realidade vivenciada e não realidades imaginadas. 

Para que o público tenha o cinema como um hábito e parte da rotina é necessário considerar públicos, no plural. Os espaços que frequentamos tem o seu recorte consolidado. Quem “voltou” para as salas de cinema é quem já estava lá antes da pandemia. Como frequentadora do circuito de salas da região central, acompanho as sessões regulares com uma audiência comedida e salas cheias quando se consegue mobilizar públicos inéditos, que não estariam ali se não fosse a programação de determinado festival ou pré-estreia.  

Fundamental: trazer pessoas que não estariam na sessão se não fosse a mediação dos festivais e mostras, potentes em conquistas novas audiências, além de fortalecer as que já possuem.  

No contato que tenho com a programação de salas públicas de cinema, evidencia-se a diferença de quando acompanhar as sessões é um hábito e não uma efeméride. Sim, a vontade de assistir ao blockbuster do momento é compartilhada nacionalmente e mobilizadora. Associado aos grandes sucessos midiáticos, a programação regular é desenhada com o objetivo de expandir as curadorias e oferecer acesso.  

Além da prática do trabalho diário, a minha experiência pessoal reflete o acesso ao cinema. Minha mãe trabalhou a vida toda com serviços gerais e empregada doméstica. Meu contato com o cinema era via televisão, nos anos 90, exceto uma sessão no cinema de rua com o filme dos Trapalhões, Uma escola atrapalhada (Del Rangel, 1990). Nos anos 2000, com mais autonomia, frequentava o cineclube da universidade particular da cidade, bem longe de onde morávamos. Mesmo gratuito, chegar até ele era uma dificuldade. Aos cinemas de shopping, somados o valor do ingresso + o transporte, meu esforço foi para assistir a Tiros em Columbine (Michael Moore, 2002); Má Educação (Pedro Almodóvar, 2004); O segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005).  

Em retrospecto, encontrei uma trajetória em diálogo a minha, com 20 anos de intervalo. Dei um ingresso para um jovem profissional do cinema (Matheus Xavier) assistir Assassinos da lua das flores (2023, Martin Scorsese), que no momento em que escrevo está na 4ª semana de exibição, ocupando 417 salas e na 5ª posição em bilheteria nacional. 

Estava com uma cortesia que não iria utilizar e perguntei se tudo bem pra ele chegar até o cinema. Sim, ele foi, no domingo, 12/11, aproveitando a gratuidade no transporte coletivo da capital paulistana em dia de ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Seu agradecimento veio num story,- sinal dos tempos -, compartilhando das dificuldades de acesso ao cinema e, ao mesmo tempo, a alegria de chegar até este espaço e a necessidade de pertencimento se ver nele.  

Márcia Scapaticio
Márcia Scapaticio

Jornalista e mestranda em Estudos Culturais pela USP, trabalha com cinema há 10 anos, atuando em crítica e curadoria, internacionalização do cinema brasileiro em mostras/festivais, editais, difusão audiovisual em streaming e programação.

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