08 Março 2019
Onde estão os metros de um longa-metragem?
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Uma das melhores oportunidades que se pode dar a um estagiário numa empresa é deixá-lo fazer de tudo um pouco. Essa foi a sorte que tive quando comecei na indústria de cinema em uma distribuidora. Tive muita gente boa me ensinando sobre o mercado e já nos primeiros dias aprendi que cada cópia 35 mm revelada tinha seu começo, meio e fim, da mesma forma que a história que ela trazia tatuada em sua película.
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Ver um filme antes do lançamento, corrigir legendas no laboratório ou trabalhar numa pré-estreia eram as partes que eu contava para os amigos de faculdade. O que eu não falava era sobre subir em caminhões para colocar rolos e mais rolos de filmes que seguiriam para serem destruídos. Carreguei alguns “Titanics” e seus pesados 10 rolos nesses caminhões parados no armazém da Rua Aurora no centro de São Paulo. Foi dessa maneira que me dei conta da quantidade de rolos fotográficos produzidos e depois inutilizados. Quilómetros e mais quilómetros de fotogramas empilhados uns sobre os outros. Alguns anos depois, no Chile, acompanhei o processo de destruição feito com um machado. Era com um golpe sumário que o funcionário “carrasco” inutilizava o primeiro rolo de cada cópia. Talvez fosse esse o prefácio da revolução que viria logo depois: as cópias digitais.
DCI, DCP, VPF e KDM se tornaram rapidamente siglas do dia-a-dia do mercado e mudaram a maneira como se faz a distribuição e exibição de um filme. Com a introdução das cópias digitais, a quantidade de cópias 35mm foi diminuindo para agora ser apenas parte da história cinematográfica e, de certa maneira, o sebastianismo da nossa indústria. O Rei que um dia retornará. Afinal, ainda falamos longa-metragem para algo que agora está dentro de um equipamento de poucos centímetros, seja em um hard drive ou em um servidor em algum lugar do mundo. Chamamos de filme algo que são códigos binários. Vocabulário de um tempo antes da revolução. Assim como foi com ‘cair a ficha’ ou ‘virar o disco’.
Essa foi a primeira revolução que acompanhei de perto. Quantas outras revoluções não foram acompanhadas por profissionais com maior “metragem”? São mais de 120 anos em que o cinema se reinventa. Cinema mudo, filme falado. Som mono, com multicanais ou imersivo. Filme preto e branco, colorido ou HDR. 2D, 3D, 4D e Immersive Motion. Salas de cinemas enormes, multiplexes ou PLF. Poltronas com cupholder, recliners e dine-in, entre outros. Quantas dessas mudanças não foram questionadas e agora se mostram como a evolução natural da indústria? É simples “prever” o passado, mas a certeza que temos é que estamos mais próximos da revolução seguinte. Logo ali adiante. E seja ela qual for, o cinema já mostrou ao longo de sua história que sabe se adaptar. Essa é a essência de uma indústria que muda constantemente a cada semana, a cada programação ou lançamento.
O cinema de hoje não é o mesmo de 5 anos atrás. Ou este igual ao de uma década. O cinema como centro de entretenimento é, provavelmente, a próxima etapa dessa evolução e há diversas inovações no mercado e novas maneiras de proporcionar boas horas de diversão, seja com novos formatos, novas experiências, produtos, modelos de negócios ou outras inovações. O importante é, como sabemos, não ficar parado, afinal, ‘kinema’ significa movimento.
Ricardo Bollier
Profissional com mais de 15 anos de experiência na indústria do entretenimento, tendo passado por empresas globais como Fox Film, Warner Bros, Dolby e D-BOX. Atua nos mercados da América Latina e Estados Unidos, juntando conteúdo, experiências e tecnologia.
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