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Artigo / Tendências & Mercado

20 Outubro 2023

Quando é que isso vai acabar?

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Acho que começou há alguns anos, quando, deitado, pronto para dormir, fechei os olhos e fui acometido por um pensamento aterrador: jamais saberei o final de Guerra nas Estrelas. Pode parecer bobagem, mas, naquela noite, demorei a pegar no sono e, nos dias seguintes, aquilo voltava à minha cabeça com certa frequência. O que vai acontecer com a Rey? Surgirão novos Jedis? Isso nunca vai ter fim? Eram algumas das perguntas que surgiam quando eu menos esperava. Cheguei a desejar nunca ter assistido ao primeiro filme, porque isso teria me poupado de muita coisa.

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O quadro piorou quando aquela sensação estranha começou a envolver outros universos. Quando percebi, estava pensando na Marvel, na DC, em Harry Potter, e até mesmo em como estariam as coisas com os sobreviventes de Game of Thrones ao mesmo tempo em que sentia necessidade de ler sobre seus antepassados em sites duvidosos e wikis alimentadas por fãs, para entender melhor algumas coisas de House of Dragons. Percebi que precisava de ajuda quando considerei ler as Crônicas de Fogo e Gelo.

Acompanhar algumas franquias do entretenimento, atualmente, exige quase uma segunda jornada de trabalho, ainda mais se você quiser se engajar em comunidades de fãs ou sustentar uma conversa mais longa com alguém em uma mesa de bar. O sentimento é de que nunca estamos fazendo o bastante.

O diagnóstico surgiu em uma conversa com a Renata Vomero, que estava escrevendo uma reportagem sobre uma possível saturação narrativa das grandes franquias, mas também tinha essa sensação difícil de definir: burnout do entretenimento.

Esse mal contemporâneo parece ser uma combinação de diversos fatores, como o número crescente de plataformas com presença global, uma quantidade incrível de novos conteúdos, a progressiva serialização do consumo e uma espécie de desdobramento do medo cada vez mais intenso de não conseguir acompanhar os acontecimentos e as novidades do mundo. Há quem chame isso de FOMO, o fear of missing out.

Dia desses, um amigo me perguntou o que eu estava achando de Ahsoka, nova série do universo Star Wars, e ficou surpreso quando eu disse que havia decidido não assistir (por enquanto). O motivo - sem querer dar spoiler, mas já dando - é que a história introduz dois novos elementos à saga de quase 50 anos: uma nova galáxia, diferente daquela distante, em que tudo aconteceu há muito, muito tempo, e a possibilidade de viagens no tempo. Ok, deu pra mim. Simplesmente não consigo lidar com isso agora.

Na adolescência, o multiverso me fez abandonar os quadrinhos dos X-Men e de outros heróis. Quando eu achava que estava entendendo alguma coisa, surgia uma outra realidade em que tudo podia ser diferente. Me senti enganado. No entanto, ao largar os quadrinhos, encontrei refúgio seguro em outros segmentos do entretenimento. Filmes, livros e até mesmo séries que me entregavam histórias lineares e, muitas vezes, finitas.

O ponto é que está cada vez mais difícil fugir. Para onde quer que a gente corra, há alguma história que só vai acabar no filme seguinte, na próxima série, no livro que vem aí ou no videogame em que tudo foi baseado. E ainda tem os quadrinhos. Está tão difícil de acreditar que as coisas acabam, que tem gente esperando as luzes do cinema acenderem para descobrir se tem cena pós-créditos em Retratos Fantasmas, do Kleber Mendonça Filho.

Entendo que as histórias são um reflexo da nossa realidade, cada vez mais caótica, fragmentada e dispersa em múltiplas plataformas. Também entendo que nós, como personagens com arcos muito mais curtos que a história da humanidade, não viveremos para ver algum tipo de final feliz (se tudo der certo, né?). Isso não muda, no entanto, o fato de que não sei se gosto de contemplar a minha própria finitude enquanto assisto a um filme de guerra espacial ou super-herói.

 

Pedro Curi
Pedro Curi

Coordenador dos cursos de graduação de Cinema e Audiovisual e Jornalismo da ESPM Rio. Especialista em temas relacionados a cultura dos fãs, convergência midiática, consumo audiovisual e televisão.

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