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Artigo / Tendências & Mercado

11 Outubro 2023

O tempo de cada um na programação de cinema

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Ao pensar os tempos da programação, vamos focar em: tempo entre os filmes e tempos do público 

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Compositor de destinos 

Tambor de todos os ritmos 

Tempo, tempo, tempo, tempo 

Entro num acordo contigo 

Tempo, tempo, tempo, tempo 

Oração ao tempo - Caetano Veloso, 1979 

 

A poesia do tempo cantada desde que tentamos nos organizar socialmente no planeta é infindável para música e letra, para filosofia e relacionamentos.  

Preciso de um tempo! Posso até dizer para uma pessoa do meu convívio e sair correndo, bloquear do WhatsApp. Mas da programação de cinema não existe saída, mas sim vários tempos a serem conciliados, expandidos, reduzidos ou ignorados. Se ignorado, a sala fica vazia. 

Ao pensar os tempos da programação, neste texto vamos focar em: tempo entre os filmes na grade horária e tempos do público, no qual se destaca a escolha: Vou deixar meu tempo neste filme de 143 minutos ou ficar mais um tempo neste feed? Ou assistir esta série nova no TikTok? 

Sobre a programação nas salas, podemos considerar um complexo com 6 salas, a possibilidade de variar o filme entre elas. Porém, mesmo tendo a disponibilidade de salas e de horários, do que vale incluir uma sessão diária às 13h30? Caso o cinema esteja próximo de um público nichado com vontade e bem comunicado para garantir a presença nessas sessões, sucesso. Desafio: como transformar a grade horária em hábito para um público mais jovem, nativo digital e com outros planos para o seu próprio tempo? 

Outro cenário é um complexo menor, com 1 ou 2 salas, normalmente localizado em centros culturais ou espaços independentes, vinculados a outras atividades: bares, baladas, teatros, onde 3 sessões diárias bem se acomodam com a média de 2 horas por sessão. Ao ultrapassar os 120 minutos, a programação é reduzida para acomodar 2 filmes. O que, numa programação regular provoca ruído no público, acostumado às 3 sessões diárias. Quando é uma sessão especial aos finais de semana, por exemplo, pacifica-se o ruído, mas não se deixa de existir o relógio, a logística e a operação de uma sala regular de cinema. 

Uma pergunta que ecoa: Se os hábitos mudaram e a relação com o tempo se reconfigura mais célere que o nosso dia de 24 horas, como equilibrar os lançamentos da semana, a grade horária dos cinemas, o tempo do público e o tempo dos filmes? Num mercado cada vez mais incerto e em busca de alternativas, vale pensar se a fórmula das sessões e a manutenção de exibições às 14h de uma terça-feira fazem sentido. Caso sim, quem estará nesta sessão? 

 

FILMES LONGOS OU NEM TANTO? 

Esses dias meu irmão me perguntou sobre Boyhood – da infância à juventude, que em 2024 completa 10 anos de lançamento. Bem mais de duas horas (165 minutos) de sessão, levou 12 nos para ser concluído e angariou um público de 162.883 no Brasil (Comscore) e fez fama indie com a direção de Ethan Hawke, pela produção de Richard Linklater, pela trilha sonora e todos os componentes de um filme cult premiado: Globo de Ouro, mas não o Oscar de Melhor Filme. 

No caminho dos independentes com tudo a ganhar, Lav Diaz tem o emblemático musical A Estação do Diabo, (2018) de 3 horas e 54 minutos. Sendo quem é, o tempo do filme do diretor filipino foi um atrativo cinéfilo - perdão a quem não gosta da palavra de origem francesa -, que assisti espremida no anexo 5 do Itaú Augusta (33 lugares) ao lado do meu amigo saudoso Henrique Valente. Essa foi uma experiência coletiva e nada dolorosa pelo tempo deixado, mas sim pelo tempo de troca em ter estado ali. 

Voltando ainda mais no tempo e no espaço, com um mercado incipiente e na era dos grandes estúdios, Laurence da Arábia (1962) é mais enxuto do que Estação e mais longo que Boyhood, em estilo clássico que pode atrair o público em sessões especiais para um tipo de cinema basilar, quando nem se imaginava o que seria possível fazer com uma ideia na cabeça e uma inteligência artificial na mão.  

Márcia Scapaticio
Márcia Scapaticio

Jornalista e mestranda em Estudos Culturais pela USP, trabalha com cinema há 10 anos, atuando em crítica e curadoria, internacionalização do cinema brasileiro em mostras/festivais, editais, difusão audiovisual em streaming e programação.

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