30 Agosto 2023
O Grande prêmio de Cinema Brasileiro em tempos de reconstrução
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Neste mês de agosto tivemos a edição 2023 do Grande Prêmio de Cinema Brasileiro. A cerimônia – que é realizada anualmente pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais – aconteceu na Cidade das Artes Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro. A reflexão imediata que esse evento nos traz é: como estamos e para onde vamos.
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A melhor das notícias é que seguimos. O Grande Prêmio de Cinema Brasileiro entregou para longa-metragens, curtas e séries brasileiras 29 estatuetas banhadas em ouro de um cavaleiro em homenagem ao ator brasileiro Grande Otelo segurando uma espada sobre um pedestal. Apesar do longo inverno dos últimos quatro anos, que conjugou escassez de recursos públicos e todas as restrições impostas pela pandemia, seguimos produzindo audiovisual. Tivemos sucesso em manter acesa a chama da fogueira onde, desde os primeiros tempos, a humanidade se reunia para contar e ouvir histórias. Essa notícia precisa ser celebrada: !o cinema brasileiro enverga mas não quebra”.
Somos a indústria que em 2019, de acordo com o estudo encomendado pela Motion Picture Association (MPA) a Oxford Economics, gerou mais de 126.000 empregos. Estamos prontos para gerar ainda mais. O que não faltam são histórias para serem contadas no Brasil. É inegável a nossa diversidade de clima, de cenários, de tipos e de culturas; nos cabe agora destinar recursos para que essa pluralidade cultural se materialize nas telas.
Hoje há um debate sobre diversidade nas equipes, mas apenas trazer vozes diferentes não basta. É preciso sobretudo promover a equidade na distribuição de recursos. Não se trata somente de raças, gêneros, orientações sexuais. É urgente valorizar essas pessoas e a remuneração justa é parte indissociável dessa valorização. Estes trabalhadores precisam ser remunerados em igualdade de condições com seus pares profissionais, para que tenham tranquilidade para desempenhar bem os seus papéis. Esse é o único caminho para quebrar o ciclo de perpetuação de práticas predatórias que se apropria de saberes ao invés de valorizá-los.
Dito isso, precisamos celebrar “Marte Um”, de Gabriel Martins. O filme recebeu oito troféus Grande Otelo: Melhor Longa Metragem Ficção, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Direção de Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Som. Produzido pela Filmes de Plástico, em coprodução com o Canal Brasil, “Marte Um” estreou no Festival de Sundance e foi o escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o país na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar. É o segundo longa do cineasta mineiro Gabriel Martins e é centrado no cotidiano de uma família periférica, nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais.
“Marte Um” é potente de tantas formas que seria impossível aqui dar conta de todas elas, mas vamos nos dedicar a algumas nas próximas linhas. O fato do filme ser originário do primeiro edital para negros do audiovisual no Brasil não pode ser esquecido. Fomento e criação andam juntos, e o cinema independente é o solo mais fértil para contar histórias onde podemos sonhar as mudanças que queremos ver no mundo. O filme de Gabriel Martins é uma prova concreta disso.
Em “Marte Um” corpos negros experienciam vivências ainda pouco exploradas no audiovisual brasileiro. Essa família da periferia de Contagem, em Minas Gerais, com toda complexidade que a vida em família pode apresentar, transita por lugares, cotidianos, afetos e profissões de forma tão natural, que imprimem na tela toda poesia da experiência humana que se conecta com o telespectador. E por último e não menos importante, o filme traz consigo toda uma trajetória de homens e mulheres, que lutaram para que pessoas negras pudessem contar sua própria história como Zózimo Bulbul, Adélia Sampaio, Antônio Pitanga, Léa Garcia e tantos outros.
Passada a tempestade, o cinema nacional está em um momento de reconstrução. Nunca é fácil recomeçar, o trabalho vai ser árduo. Estamos em plena luta para assegurar os espaços de exibição. O PL 3696/2023 restabelece as cotas que já existem desde os anos 1930 nas salas de cinema e desde 2011 na TV paga. As do cinema estão interrompidas há 2 anos e as da TV paga expiram em 11 de Setembro. Atores e roteiristas também estão em campanha pelo pagamento de direitos autorais pela reprodução de obras antigas em plataformas de streaming e na internet. Os desafios são enormes. Essa geração tem a missão de fortalecer e profissionalizar ainda mais a indústria audiovisual brasileira sem deixar nenhum talento pelo caminho. E quando novas histórias começarem a chegar, passaremos o bastão para a nova geração com a certeza de que a missão de manter a chama acesa foi cumprida.
Flávia Vieira
A roteirista e jornalista Flávia Vieira nasceu em Niterói (RJ) e é formada em letras e em jornalismo. Entrou como estagiária na GloboNews em 2009, experimentando a adrenalina do jornalismo diário até 2019. Desde então, começou a se dedicar ao roteiro de curtas e podcasts, como “Parlare” e “Se Não Me Falha a Memória”. Flávia recebeu em 2022 uma Bolsa Paradiso para desenvolver o projeto de série de ficção “Filho Pródigo" na 20ª edição do Curso de Desenvolvimento de Projetos Audiovisuais Ibero-americanos, residência espanhola do Programa Ibermedia. Este roteiro também foi semifinalista do Festival Frapa 2022. Teve o roteiro da biografia de Maria Felipa premiado no festival Cabíria. E, por fim, ela ainda trabalha na checagem de dados do podcast “O Veneno Mora ao Lado”.
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