05 Julho 2023
A Última Praga de Mojica
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A presença do cinema de horror no cinema brasileiro ainda parece ser um pouco tímida. Embora o gênero seja um dos mais populares e rentáveis em todo o mundo e tenha grupos de fãs dedicados e apaixonados, os títulos nacionais muitas vezes enfrentam desafios para atingir um público mais amplo e alcançar resultados expressivos nas bilheterias.
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É natural questionar por que o cinema brasileiro evitou o gênero de horror, dado o seu apelo e popularidade no país. No entanto, ao examinarmos os filmes brasileiros, encontramos diversos títulos claramente ligados ao horror, mas que não foram identificados como tal e tampouco foram reunidos e analisados sob essa perspectiva. Esses títulos remetem a experiências estéticas e industriais diversas, desde o cinema dos estúdios paulistas, chanchadas e cinema erótico até produções independentes. Pude comprovar esta multiplicidade de concepções sobre o horror quando realizei no CCBB-SP a mostra Horror no Cinema Brasileiro. Naquele momento, tive a oportunidade de assistir a diversos filmes de diretores que flertaram com o gênero, como Walter Hugo Khouri, Carlos Hugo Christensen, Jean Garrett, John Doo, Ody Fraga, entre outros.
Após muito anos desenvolvendo e realizando projetos de promoção da cinematografia nacional, percebi que se quisermos encontrar um caminho possível para que o horror brasileiro obtenha maior destaque, devemos assumir que se trata de um gênero em transformação, em que há também lugar para o suspense, a fantasia, a ficção científica e até para a comédia, a sátira e o deboche. Aprendi essas lições de ninguém menos do que o maior mestre do horror brasileiro: José Mojica Marins. E durante este aprendizado, acabamos encontrando e recuperando uma de suas obras mais notáveis, A Praga.
Ainda que tenha se afirmado como precursor do cinema de horror no Brasil, Mojica também ousou trabalhar no registro de outros gêneros cinematográficos, como o melodrama, o faroeste, a pornochanchada e o sexo explícito. Essas facetas pouco exploradas de sua filmografia foram sendo gradativamente reveladas para mim enquanto pesquisava em seu imenso acervo pessoal para uma retrospectiva completa de sua obra, realizada em 2007 na Cinemateca Brasileira e no CCBB-SP. Durante essa pesquisa, foram encontrados rolos de filme super-8 com o material bruto de A Praga, filmado originalmente em 1980 para o programa “Além, Muito Além do Além”, da TV Bandeirantes. Até então tido como desaparecido, o programa contava com o personagem Zé do Caixão, maior criação de Mojica, apresentando a história de um casal cuja vida era infernizada por uma bruxa.
Desde o momento em que assisti ao material bruto, fiquei perturbado com o drama vivido pelo jovem casal Marina e Juvenal. Mojica propôs que eu concluísse e lançasse o filme. Porém, para que isso ocorresse, ainda seria necessário filmar algumas cenas que não haviam sido rodadas nos anos 1980, montar o filme, dublar os diálogos, criar a trilha sonora e finalizar som e imagem. Todo este processo foi supervisionado pelo diretor e contou com sua aprovação.
A proposta me motivara bastante e parecia ser um desafio – além de uma grande honra. A montagem inicial do filme, foi uma experiência fascinante, pois não tínhamos conhecimento dos diálogos dos atores, já que não havia anotações ou lista de falas disponíveis. Realizamos o primeiro corte sem qualquer referência sonora, o que contribuiu significativamente para a estruturação e linguagem do filme. Contamos com a ajuda de uma pessoa com deficiência auditiva para fazer a leitura labial das cenas e transcrever os diálogos.
Dezesseis anos após essa redescoberta, A Praga foi digitalizado em alta resolução, e passou por um novo processo de montagem e finalização de imagem e som. Todas as etapas da recuperação do filme de Mojica foram registradas pela equipe da Heco Produções e transformadas em um curta inédito A Última Praga de Mojica, com direção minha e de toda equipe da Heco Produções: Cédric Fanti, Matheus Sundfeld e Pedro Junqueira. O curta-metragem é exibido sempre na mesma sessão de A Praga. Todo o cuidado que tivemos com a recuperação do filme foi importante para não deixar que ele se perdesse através da história. Ele entra em cartaz neste mês e, futuramente, nas plataformas de streaming, com a certeza de que fizemos de tudo para manter a autenticidade, oferecer ao público algo muito próximo do que tínhamos encontrado, com a veracidade de um autêntico filme de Mojica.
O cinema de horror brasileiro pode não ter tido uma presença tão marcante como em outras cinematografias, mas ao examinarmos a filmografia nacional, percebemos que ele está mais presente do que se imagina. Este cinema é multifacetado e permeia diversas produções, muitas vezes associadas a outros gêneros. Nessa jornada de redescoberta, pude aprender isso na prática e foi uma experiência muito recompensadora. Com iniciativas como essa, podemos manter viva a rica herança do cinema de horror no Brasil. Esta é uma missão crucial para preservarmos nossa cultura e abrir caminho para novas abordagens nesse fascinante gênero cinematográfico.
Eugenio Puppo
Eugenio Puppo é fundador da Heco Produções, produtora sediada em São Paulo desde 1994. Como Diretor, Produtor e Montador realizou os filmes Ozualdo Candeias e o Cinema (2013), Sem Pena (2014), O Bom Cinema (2021) e Confissões de um Cinema em Formação (2023). Também dirigiu e montou as séries História da Alimentação no Brasil (2017), Ocupações (2019) e República dos Juízes (2022). Desde 2001 realizou mais de vinte retrospectivas, que contaram com restauro de filmes e edição de livros e catálogos como: Jean-Luc Godard (CCBB e SESC, 2015). Idealizador, Diretor Geral e Curador da Mostra de Cinema de Gostoso que atualmente se encontra em sua 10ª edição.
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