05 Outubro 2022
A obtenção de alvará judicial para filmagens com crianças e adolescentes
Compartilhe:
Artigo escrito por: Gabriela Biscotto e Fernanda Coelho, associadas ao escritório CQS/FV Advogados**
Publicidade fechar X
Em geral, as produções audiovisuais que contem com crianças e adolescentes atuando em seu elenco precisam passar pelo processo de obtenção de alvarás judiciais para a realização de gravações e até mesmo de ensaios nos quais os menores participem[1]. A necessidade de expedição de alvará está prevista no artigo 149, inciso II, alínea “a” do Estatuto da Criança e do Adolescente (conhecido como ECA) e determina que a autoridade judiciária autorizará crianças a participarem de “espetáculos públicos e seus ensaios”.
Assim, o alvará tem como objetivo zelar para que a participação do menor em produções audiovisuais não atingirá sua segurança, bem-estar e/ou integridade, avaliando não só as informações dos envolvidos na gravação, como também as características da obra e dos locais de gravação. Ainda, passará pela análise judicial o atendimento da criança ou do adolescente aos seus compromissos escolares, que estarão sempre em primeiro plano em relação às gravações.
Portanto, os produtores audiovisuais são responsáveis por realizar, perante o Poder Judiciário, o pedido de alvará para o elenco infantil de suas produções. Cada pedido abarca o(s) menor(es) que participará(ão) das gravações e vai variar de acordo com a localidade em que a produção (e, portanto, a participação das crianças) ocorrerá, vez que os pedidos seguem procedimentos específicos em cada Estado do Brasil.
Nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, esses procedimentos estão previstos em Portarias das Varas da Infância e Juventude de cada comarca. Na cidade de São Paulo, cada região da cidade possui uma competência territorial na organização administrativa da jurisdição em que as cenas serão gravadas, de modo que, se uma mesma criança gravar cenas em três locações distintas, a depender dessas locações, será necessário entrar com três pedidos de alvará distintos, nas competências responsáveis por cada região.
No caso dos Estados mencionados acima, as Portarias, além do procedimento, determinam quais documentos devem ser juntados ao pedido de alvará[2]. Em geral, mesmo em outras localidades, as exigências do Poder Judiciário se repetem, de modo que é necessário comprovar: (i) documentos referentes ao imóvel ou à locação em que as gravações ocorrerão, inclusive para demonstrar que a criança estará segura naquele ambiente e que o ambiente seja adequado para ela; (ii) identificação completa da criança ou do adolescente e da produtora; (iii) comprovação de que os pais ou responsáveis estão de acordo com a participação artística a ser realizada; (iv) qual a natureza da atividade que será realizada; (v) qual a frequência da participação do menor naquele ambiente; além (vi) dos demais requisitos previstos no §1º do artigo 149 do ECA.
Outras informações também podem ser solicitadas pelo Ministério Público, as Varas e os Comissariados para comprovar que a participação da criança e do adolescente não atingirá seu bem-estar e integridade. Nesse sentido, no cenário pós pandêmico, tornou-se usual o pedido de apresentação de cópia do plano de saúde da criança e/ou atestado médico, indicando que ela não pertence ao grupo de risco para a Covid-19. Ainda, algumas Varas do Rio de Janeiro, por exemplo, passaram a solicitar a apresentação de comprovante de vacinação contra o Covid-19 para crianças dentro da faixa etária liberada pelo Ministério da Saúde. Apesar de não existir determinação expressa, em Portaria, a solicitação entraria na comprovação das condições de saúde do menor.
Vale ressaltar que as gravações podem ocorrer apenas após a obtenção do alvará, pois o descumprimento das disposições do ECA acarretam em infrações administrativas, com penalidade prevista no artigo 258 do ECA, que inclui multa de 3 a 20 salários de mínimos. Ainda, ao não solicitar a autorização da autoridade competente em relação às cenas que serão gravadas, a produtora pode expor o menor a uma situação que caracterize, por exemplo, um crime ou uma ofensa ao menor ou ao ECA, o que pode implicar em novas penalidades. Assim, é importante que a produtora se organize com relação ao plano de filmagens de seu elenco infantil, para que possa reunir todos os documentos necessários e entrar com o pedido de alvará em tempo hábil para o início das gravações.
[1] Toda produção audiovisual (sejam dramáticas, documentais ou de outra natureza), ainda que haja discussão sobre a necessidade de alvará judicial para tipos diferentes de produções, tem implicações relacionadas ao ECA, que visa proteger, além de outros, a imagem, a honra e o bem-estar do menor, garantindo que este não participará de cenas que ponham em risco sua vida, sua saúde, sua integridade e que lhes sejam adequadas.
[2] As Portarias são, muitas das vezes, genéricas, e podem repetir o conteúdo da Portaria de outra comarca.
*Gabriela Biscotto Associada
Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo. Fundadora e coordenadora do grupo de estudos e extensão “Nelson121 – Direito e Audiovisual”, vinculado à faculdade de Direito da USP. Atualmente, graduanda em Letras pela USP. Possui experiência em negociação e hoje atua na área de audiovisual e entretenimento.
*Fernanda Coelho Associada
Advogada desde 2021, atuante na área de Direito Autoral com foco em Entretenimento, Contencioso e Contratos.
Possui experiência em escritórios no setor de Propriedade Intelectual, tendo atuado nas áreas de Direito Autoral, Entretenimento e Music Business.
Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com intercâmbio na Sciences Po Strasbourg (França). Também é pós-graduanda em Direitos Intelectuais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
É fluente nas línguas portuguesa e inglesa, proficiente na língua francesa e iniciante nas línguas espanhola e alemã.
CQS/FV Advogados
Responsável por uma das maiores carteiras de ações judiciais de Direitos Autorais e Mídia & Entretenimento do Brasil, o CQS/FV é também conhecido pela assessoria jurídica de excelência nos mais variados campos da Economia Criativa.
Compartilhe: