29 Abril 2022
O impacto da distribuição dos valores arrecadados a título de direitos autorais nos festivais de música no Brasil
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Depois de dois anos em que as apresentações ao vivo, que naturalmente pressupõem grandes aglomerações, foram suspensas por decorrência da pandemia de Covid-19, é chegada a hora do reencontro dos artistas com seus fãs nos shows. Aproveitando que acabamos de passar pelo Lollapalooza Brasil, discorreremos sobre os mecanismos de distribuição de valores de direitos autorais que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o ECAD, faz aos titulares de direitos neste tipo de evento .
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Isso se dá graças a ocorrência da execução pública das obras musicais em shows. A legislação referente ao tema estabelece que a execução pública se caracteriza pela utilização de obras musicais, composições ou fonogramas em locais de frequência coletiva. A mesma lei determinou que os titulares de direitos, como autores, editoras, intérpretes, músicos e produtores fonográficos pudessem, para o exercício e defesa de seus direitos, associar-se sem intuito de lucro.
Com este o ato de filiação, as associações se tornariam mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa de seus direitos autorais, assim como exercer a atividade de cobrança desses direitos. Assim, a arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e fonogramas deverá ser feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, o ECAD[1].
Os festivais ocupam um importante papel no volume de valores distribuídos aos autores e assumem o topo do ranking de eventos que o ECAD mais arrecadou valores . De todos os eventos, shows, turnês e festivais ocorridos no Brasil em 2019, o Lollapalooza Brasil e o Rock in Rio foram, respectivamente, o 3º e 1º eventos que mais contribuíram ao ECAD, tendo entre eles a turnê de despedida da dupla Sandy & Junior. Sozinho, festival carioca rendeu R$ 9,4 milhões[2] aos autores de obras musicais executadas no evento.
Diante do impacto que grandes festivais como estes ocupam no ranking geral de eventos que o ECAD mais arrecadou valores, passamos a descrever como é realizado o cálculo da quantia que festivais de música devem pagar ao ECAD, e como ela é dividida entre todos os autores, compositores e editoras musicais das obras musicais que foram executadas publicamente durante o evento.
A arrecadação de direitos autorais nos festivais de música, via de regra, ocorre da mesma forma que em shows comuns. De modo simplificado, a base de cálculo da arrecadação feita pelo ECAD com base no seu Regulamento de Arrecadação, sendo composta pela receita bruta do evento relacionada à execução pública musical, como os valores referentes a venda de ingressos, entradas, convites, abadás, camisetas, consumação obrigatória, entre outras verbas ou até mesmo de comercialização de anúncios ou espaços publicitários, patrocínios, apoios, incentivos caso não haja cobrança para entrada ao evento.
O Regulamento de Arrecadação do ECAD ainda estabelece qual será a porcentagem da receita bruta que deverá receber dos organizadores do evento pela execução pública das obras musicais, a depender da circunstância do uso. Em espetáculos musicais e shows, como festivais musicais, a porcentagem é de 15% da receita bruta em razão da elevada dependência que eventos como estes possuem da reprodução das músicas ao vivo pelos artistas.
Uma vez arrecadados os valores, resta ao ECAD distribuí-los aos autores, compositores e editoras das obras musicais. Aqui cabe a ressalva de que como se trata da reprodução ao vivo de uma música, não cabe a distribuição de valores referentes a direitos autorais àqueles que são titulares de direitos conexos ao de autor, os quais somente se beneficiam com a execução pública do fonograma – isto é, da gravação – que participaram.
Em se tratando de festivais musicais, o ECAD estabeleceu uma particularidade no modo de distribuição dos valores arrecadados. Segundo o seu Regulamento de Distribuição, a divisão é feita da seguinte forma: 80% dos valores arrecadados é destinado aos titulares das obras musicais executadas no palco principal, enquanto 15%, aos titulares de direito de músicas executadas no palco secundário, e os 5% restantes é distribuído entre titulares das músicas reproduzidas nos palcos restantes, se houver.
Ainda cabe outra divisão dentro deste rateio: 90% ficam para aqueles titulares que tiveram suas obras executadas publicamente durante o principal show de cada palco, enquanto os outros 10% são distribuídos entre as músicas executadas em todos os outros shows do respectivo palco.
Ou seja, a título de exemplo, o show principal do palco principal irá ser responsável por distribuir 72% (90% de 80%) de todo valor arrecadado pelo ECAD aos titulares das obras musicais que compuseram a setlist. Em outras palavras, estamos falando de 72% sobre 15% da receita bruta do evento. Para um artista que também é autor de composições que fazem parte de seu repertório, significa um grande incremento à sua participação para tocar no festival.
A conclusão natural que se tira disso é que caso o produtor do festival pague o que é devido ao ECAD, a escolha de palco e a importância do artista nele pode resultar em ganhos financeiros expressivos, a depender do porte do festival, que se somam ao cachê negociado na ocasião do artista ou dos membros da banda figurarem como autores da maioria das composições das músicas presentes na setlist. Com isso, a escolha de palco e horário do show de um artista poderia ser inclusive já pré-determinada através contrato firmado entre produtor e artista ao fechar sua ida ao festival musical visando futuramente receber também a verba referente a execução pública que será distribuída pelo ECAD aos autores das obras musicais tocadas durante o show.
[1] - Artigos. 97, 98 e 99 e incisos da Lei 9.610/98.
[2] - https://www3.ecad.org.br/em-pauta/Paginas/ecad-bate-recorde-distribuicao-rock-in-rio.aspx . Acessado em 17/03/2022.
Gustavo Campanili
Gustavo Campanili atua com Direito do Entretenimento no CQS/FV Advogados. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo.
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