28 Abril 2022
A Megera Domada: o parece, mas não é da versão polonesa
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Já faz algum tempo que estamos na “era” das releituras, vários diretores e roteiristas lançando olhares para títulos bastante conhecidos do grande público. É o caso do lançamento A Megera Domada, agora em versão polonesa, de mais um olhar sobre tantas Catarinas, que estreou sem muito alarde no catálogo da Netflix, e que apesar de não ter feito muito barulho, o longa já caiu nas graças dos assinantes e já atingiu o Top 10, deixando outros títulos com ampla divulgação para trás.
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O longa é aquele estilo de filme levinho, sem muita pretensão, gênero que vem chamando a atenção e ganhando público com muita facilidade. Ao que parece não só a grande massa, vide o exemplo do vencedor de melhor filme no último Oscar – No Ritmo do Coração, um remake de 2014 que acabou levando o prêmio máximo para casa. Na verdade, talvez, para grande parte dos assíduos telespectadores da premiação foi um pouco difícil acreditar que esse filme “bobinho” tenha levado a estatueta já que havia tantas outras opções de bons filmes. O que nos faz refletir sobre os pré-requisitos que fazem uma história ganhar ou não esse prêmio, ou no caso de A Megera Domada, ter virado o queridinho do grande público do streaming.
Mas retornando à era dos remakes, não podemos deixar passar despercebido uma certa frequência sobre a obra A Megera Domada de William Shakespeare. Talvez os mais saudosistas da sétima arte, diriam que nenhum remake poderia ser comparado à versão estadunidense de 1967, de Franco Zeffirelli, com a linda e histórica Elizabeth Taylor que recebeu, na época, o prêmio David di Donatello - uma espécie de Oscar italiano - de melhor atriz.
No Brasil, a adaptação ficou conhecida como O Cravo e a Rosa, telenovela produzida pela TV Globo e exibida no horário das 18 horas, no ano 2000, e que ganhou reprise atualmente no Vale a Pena Ver de Novo, com uma versão de Catarina que circulava entre as sufragistas.
Pensando bem, A Megera Domada, já chamaria a atenção por ser uma obra escrita por William Shakespeare e ter mais de 400 anos. Como consta nos arquivos e acervos, a primeira datação é de 2 de maio de 1594. Se traçarmos uma linha do tempo, sobre a história da humanidade, éramos recém-saídos do medievo, brilhávamos no alvorecer de uma nova era, aquela que ficou conhecida como Renascimento.
Nesse contexto, a obra chama ainda mais a atenção. Porque a primeira pergunta que se faz é como uma obra, escrita em 1594, ainda chama a atenção do público?
Os elementos que Shakespeare utilizou-se para escrever sua primeira comédia teatral, foi pensado sobre o tempo presente da época histórica em que ele vivia, com todas aquelas construções de arquétipos e estereótipos, mas olhando mais cuidadosamente e contextualizando, a mulher por ele retratada, apesar do exagero, quase uma “histérica”, uma megera, nas entrelinhas, demonstra uma mulher que não se submete às regras.
O casamento, a guerra dos sexos e as conquistas amorosas, fazem parte da trama central da história, dedicando boa parte da ação à vida matrimonial, ou seja, A Megera Domada, é uma obra shakespeariana que os acontecimentos se sucedem à cerimônia nupcial, ao contrário da maioria de seus escritos, que possuem como ação final o casamento, sendo essa questão mais um elemento de curiosidade para dedicarmos um olhar mais atento a essa obra em particular.
Uma das explicações plausíveis, é que quando uma história é atemporal, quando ela toca nos dilemas e dramas do ser humano, ela não é datada e ainda ajuda as novas gerações entenderem que rebeldia feminina não é um fenômeno recente, iniciado nos últimos setenta anos. Shakespeare vem e nos mostra que a temática que a mulher não quer a vida que a família quer para ela, não é de hoje e ainda nos é recorrente.
Talvez A Megera Domada contribua para demonstrar uma mulher pensada com um certo olhar de modernidade ou transgressão. Época essa, se pensarmos na origem dessa documentação (1594), mostra uma mulher com um comportamento que faria dela uma provável candidata à fogueira, considerando a aproximação com o período medieval, já que tal enredo nasce de coletas de antigos contos da tradição oral.
Na versão polonesa, Catarina/ Kaska, interpretada pela atriz Magdalena Lamparska, rosto mais conhecido por ter participado do elenco do polêmico filme 365 Dias, em que interpretava a melhor amiga da protagonista, chama a atenção, para uma rebeldia, bem estereotipada, pela quantidade de palavrões na fala da personagem. Mas do ponto de vista dos acontecimentos, a versão acaba sendo marcada pelos elementos básicos de uma comédia romântica, ou seja, a personagem depois de uma traição, resolve retornar para sua cidade natal, no intuito de estabilizar profissionalmente e recomeçar a sua vida, o que acaba atrapalhando os planos de seus irmãos, que estavam negociando a venda do patrimônio da família com uma empresária gananciosa. Então resolvem contratar um rapaz, que precisa de dinheiro para pagar uma dívida, para seduzir a jovem. Patryk/ Petruchio acredita que, com seu charme, ele conseguirá fazê-la mudar de ideia, no entanto, o rapaz começa a se apaixonar verdadeiramente por Catarina/ Kaśka, o que o deixa cada vez mais inclinado a romper o acordo e revelar a verdade.
Apesar da adaptação polonesa levantar discussões próprias da atualidade, como comportamento feminino e sustentabilidade, o longa não foge dos clichês próprios de uma comédia romântica.
O original, diz respeito a um pai de duas filhas, a mais nova, a meiga e doce Bianca e a mais velha, a brava Catarina. Bianca sonha em se casar e possui vários pretendentes, já Catarina, nem quer saber do assunto e rejeita qualquer um. O problema é que uma das condições do pai é que a filha mais nova somente poderá casar-se depois da mais velha.
No entanto, surge Petruchio, um nobre falido, que chega à cidade em busca de um bom casamento, na verdade de um bom dote e apaixona-se pela ideia de se casar com Catarina, se faz de tonto, para conseguir seu objetivo e vai domando a fera.
Para obter o efeito desejado em A Megera Domada (o riso), Shakespeare utiliza-se de elementos já citados anteriormente e que acaba sendo o ponto chave da indagação, do porquê de mais uma versão desse clássico shakespeariano nos dias atuais?
Pois se no original a trama central, parte justamente de uma quebra de expectativa – a forma de agir de Catarina, a de uma mulher insubmissa, faz parecer qualquer adaptação, por mais que atualizem o contexto, algo inexpressível, até mesmo, quando comparada no comportamento feminino da Catarina, deixando a versão de Shakespeare, mais moderna, mais empoderada e mais livre do que as novas versões da personagem, talvez comece por aí, a resposta à indagação anterior.
O ponto de atualização das novas versões de A Megera Domada acaba sendo a relação de comparação do homem X mulher, sendo que a maior mudança e destaque acaba indo para o personagem de Petruchio, antes um grosseirão, quase selvagem, em contraste com todo um ambiente de cavalheirismo e cortesias extremadas, não somente no modo de ser e agir, mas também na forma de vestir e no desrespeito às regras de etiqueta na cena do próprio casamento.
Entre o feminino e masculino, as novas adaptações retratam um Petruchio, não menos mal-educado, mas com certeza mais sensível e uma Catarina disposta a ceder. A grande contradição, de uma versão de 2022, não está ligada diretamente à obra antiga, mas ao discurso da atualidade, que talvez demonstre muito para as novas gerações uma forma mais dura de ser mulher e determinada em convicções sociais generalistas. Uma Catarina machucada, mas disposta a um recomeço e um Petruchio decidido a mudar.
E para finalizar, esse olhar sobre A Megera Domada polonesa, da diretora Anna Wieczur-Bluszcz, venha para apaziguar o radicalismo e as generalizações da atualidade, talvez para demonstrar que o caminho intermediário, sobre o crivo da leveza e do entretenimento “bobinho” seja uma aspiração na atualidade e quem sabe ela por meio do seu olhar, tenha entendido a crítica aos costumes da época do original?
Onde a mulher primeiro pertencia ao pai e depois ao marido, mas que como a maioria das mulheres, quando não querem guerra com ninguém, fingem aceitar e fazer o que os outros esperam dela, mas no fundo elas fazem sempre o que querem.
Pode ser uma baita viagem, enxergar esse filme dessa maneira, mas foram perguntas que foram surgindo, assim que vi a indicação sobre esse longa no catálogo e a curiosidade foi aumentando a medida que no dia seguinte ao lançamento já era TOP 10 no Brasil e que acaba nessa dança da história nos levando nesse ir e vir do tempo, ensinando ou fazendo entender, possíveis caminhos para as produções do audiovisual, onde a era dos remakes pode ser, também, inserida como a era das desconstruções ou não, parafraseando Caetano Veloso.
Luciana Andrzejewski
Graduada em História, Mestre em Memória Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Trabalhou treze anos como pesquisadora nos acervos de figurino e cenografia da Rede Globo e atuou como professora e coordenadora em diversas Universidades no Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente, atua como professora na disciplina de Direção de Arte, na Faculdade de Cinema e Audiovisual da ESPM e no figurino da nova novela das 18 horas, com estreia prevista para agosto de 2021. Interessa-se por Análise da Informação, História do Futuro e Engenharia Semiótica – na Interação Humano Computador.
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