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Artigo / Tendências & Mercado

29 Março 2022

Em guinada conservadora, Oscar 2022 premia o água com açúcar "No Ritmo do Coração"

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Remake de um melodrama francês de 2014 sobre uma jovem que ouve numa família de pais e irmão surdos, No Ritmo do Coração (Coda) ganha melhor filme na 94a edição do Oscar. O longa, que recicla velhas formas narrativas, levou ainda roteiro adaptado e melhor ator para Troy Kotsur, primeiro surdo a ganhar a estatueta de ator coadjuvante. Fora o mérito de debater o capacitismo e escalar atores deficientes auditivos, o melhor filme desta edição indica um retrocesso do Oscar em seu objetivo de ganhar relevância como premiação do cinema. 

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Por outro lado, Jane Campion faz história, seu Oscar de melhor direção é o terceiro recebido por uma mulher nos 94 anos do prêmio. Em dois anos seguidos, as mulheres brilharam na festa da Academia. No ano passado, a cineasta chinesa Chloé Zhao venceu nas categorias de direção e filme. A primeira mulher a ganhar o Oscar de direção foi Kathryn Bigelow, com Guerra ao Terror, em 2008. Além de ser a terceira a levar esta estatueta, a diretora neozelandesa foi a primeira mulher a ser indicada duas vezes para o prêmio de direção. A primeira foi por O Piano, em 1993. Quase 30 anos depois, veio a consagração. 

Em Ataque dos Cães, Jane propõe um olhar crítico para a mitologia norte-americana do cowboy e suas violências sistêmicas de gênero e étnicas: contra mulheres, homossexuais e indígenas. O filme desconstrói o ideal de masculinidade propagado pelo faroeste clássico e questiona o patriarcado como valor que sustenta este gênero cinematográfico. O diretor taiwanês Ang Lee realizou empreendimento semelhante com O Segredo de Brokeback Mountain, pelo qual ganhou, em 2005, o Oscar de melhor diretor, sendo a primeira pessoa de origem asiática a vencer nesta categoria. Como a história do Oscar muitas vezes se repete, o filme, na época, perdeu a estatueta para o esquecido Crash: No Limite. 

O longa japonês Drive my Car levou o título de melhor filme internacional. Esta categoria, que historicamente se constituiu como uma cota para produções de destaque artístico, foi a única premiação para o cinema de autor da noite. Desde a vitória de melhor filme para Parasita em 2020, o Oscar se aproximava dos grandes festivais internacionais de cinema, Cannes, Berlim e Veneza, para retomar importância. Nos últimos dois anos, filmes premiados nestes festivais também levaram melhor filme, é o caso de Parasita que venceu Cannes e de Nomadland que ganhou Veneza. Além disso, estas premiações respondem à pressão por maior representatividade na Academia. O que vemos em 2022 é que a diversidade se manteve, mas a relevância não.   

As estatuetas de melhor ator para Will Smith por King Richard: Criando Campeãs e melhor atriz para Jessica Chastain por Os Olhos de Tammy Faye apenas reforça nomes já consagrados da indústria Hollywoodiana. O ano em que Will Smith leva o Oscar é também aquele em que ele agride um dos apresentadores por conta de uma piada ofensiva e, em seguida, faz um discurso em que diz proteger e ser um canal para seu povo (em referência à comunidade negra), viver pelo amor, em nome de Deus.  

O épico de ficção científica Duna recebeu o maior número de estatuetas da noite, levando seis prêmios técnicos: som, trilha sonora, design de produção, montagem, fotografia e efeitos visuais. Aqui temos o clássico reconhecimento do Oscar ao filme espetáculo, de grande orçamento e efeitos visuais exuberantes, um tipo de produção importante para o faturamento da indústria Hollywoodiana. 

Recentemente, para garantir maior diversidade, o Oscar anunciou a inclusão de novos membros no quadro dos votantes da Academia. O fato de Ataque dos Cães não ter levado melhor filme mostra que ainda há um longo processo para a consolidação das transformações vistas nas últimas duas edições. Por ora, ficamos com vencedores que refletem a preferência da maioria dos votantes do Oscar, apegados aos valores da Hollywood clássica: grandes espetáculos visuais e histórias rasas para emocionar, distantes das pautas sociais, políticas e artísticas do cinema contemporâneo. 

Cyntia Calhado
Cyntia Calhado

Cyntia Calhado é crítica, pesquisadora e professora universitária do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP, autora de Intensidades da imagem: experiência estética no cinema – análises críticas a partir de Walter Salles (Editora Fi, 2021).

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