15 Fevereiro 2022
Os efeitos colaterais do boom na produção de conteúdo de cinema e TV
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O boom global na produção de conteúdo audiovisual tem sido impulsionado por estratégias ambiciosas de investimento e modelos de negócios em rápida expansão dos principais players e serviços de streaming.
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De acordo com a Purely Streamonomics, o departamento de pesquisa da Purely Capital, os gastos globais com a produção e o licenciamento de novos conteúdos de entretenimento subiram 16,4% em 2020 para U$220,2 bilhões, e espera-se um aumento para U$250 bilhões em 2021. Entretanto, com a enorme demanda por novos conteúdos em todas as plataformas, muitos produtores estão tendo dificuldades em encontrar profissionais qualificados para acompanhar a demanda.
A escassez de equipes de filmagens qualificadas tem sido sentida principalmente na Europa Central. De acordo com a Reuters, Hollywood escolheu a Europa Central para filmar durante a pandemia já que a região continuou a produzir conteúdo enquanto a maior parte da produção foi interrompida nos EUA. Inicialmente, a região era atraente por conta dos custos de mão-de-obra mais baixos, generosos incentivos fiscais e acesso às locações pitorescas. Hoje, a região se tornou um dos maiores hubs audiovisuais do mundo, com cerca de U$1 bilhão gerado por ano por produtores sediados nos EUA. Contudo, as indústrias locais da região estão enfrentando escassez de profissionais e tendo dificuldades para acompanhar as demandas de grandes clientes como Netflix, Amazon e Apple.
Na Europa, alguns produtores têm recorrido à reserva antecipada de equipes por um ano inteiro, a fim de garantir sua disponibilidade. Produtores independentes locais e internacionais foram forçados a contratar pessoal menos experiente para atender à demanda e, por vezes, precisam recusar novos trabalhos por falta de equipes disponíveis. Um exemplo é o Korda Studio da Hungria, um dos maiores complexos de estúdios do mundo, que reduziu seu volume de trabalho e se concentrou em menos produções para manter a qualidade.
O boom do streaming e o acúmulo de filmagens que foram atrasadas por conta da pandemia levaram a uma séria falta de equipes treinadas. De acordo com a “Makers”, uma publicação do “The Location Guide”, os empregos com maior demanda atualmente são contadores de produção, gerentes de locações, coordenadores de produção, produtores de linha e primeiros assistentes de direção.
Ao tentar contratar equipes de produção, grandes gigantes da indústria, como Netflix, Amazon e HBO, levam vantagem em relação às produtoras locais e independentes com produções de pequeno e médio orçamento, que são as mais afetadas, pois estas últimas não conseguem pagar os mesmos salários inflacionados para as equipes qualificadas como conseguem as produções de maior orçamento.
Por outro lado, equipes de produção experientes são vencedoras nesta nova tendência, uma vez que sua remuneração subiu a novos patamares, e agora podem escolher apenas os melhores, mais convenientes e melhores pagos trabalhos de produção.
Diante da escassez generalizada de equipes, os produtores estão pagando mais, trazendo profissionais de outros países e também promovendo seus membros para funções mais seniores. No entanto, a tendência de promoções mais rápidas de profissionais, que podem não ter o treinamento ou experiência adequados, também gera um impacto negativo sobre a qualidade e os custos de produção, o que é prejudicial para todos os produtores.
No Reino Unido, o relatório do British Film Institute-BFI, Screen Business: How tax incentives power economic growth across the UK [Como os incentivos fiscais impulsionam o crescimento econômico em todo o Reino Unido], publicado em dezembro de 2021, destaca a crescente demanda por equipes de filmagens qualificadas. Produzido pela consultoria internacional Olsberg•SPI com a Nordicity, com o apoio de parceiros do setor, entre eles British Film Commission (BFC), Pact e Pinewood Group, o relatório afirma:
“O crescimento nos gastos e investimentos em infraestrutura audiovisual no Reino Unido está estimulando uma maior necessidade de pessoas qualificadas. O plano de investimento em habilidades do BFI de 19 milhões de libras, lançado em 2017, visa atender à necessidade de 10 mil novos profissionais ingressantes para manter a liderança britânica na produção global de filmes durante os próximos cinco anos. O crescimento da produção audiovisual foi interrompido nos primeiros meses da pandemia em 2020, mas acelerou nos últimos 12 meses, criando uma demanda ainda maior por trabalhadores qualificados e oportunidades para fortalecer a recuperação da indústria britânica.”
A escassez de profissionais qualificados para novas produções é um fenômeno global que tem acompanhado a tendência de expansão das produções locais de muitas das principais plataformas de streaming. As mesmas demandas já estão sendo sentidas na América Latina, e especialmente nos países onde os gigantes do streaming estão investindo fortemente em produção, como Brasil, Argentina, Colômbia e México. Jonathan Olsberg, presidente executivo da Olsberg•SPI, consultoria da indústria audiovisual com sede em Londres, afirma que “este é um problema crucial em todo o mundo, e vamos sentir estas carências pelos próximos anos”.
Enquanto isso, no setor privado, algumas grandes empresas estão avançando rapidamente para enfrentar tal escassez, pelo menos parcialmente. A Netflix, por exemplo, anunciou seu “Grow Creative UK” para focar no treinamento de profissionais menos qualificados e de talentos britânicos emergentes, principalmente os de origens diversas, com um investimento de 1,2 milhões de libras em um novo programa de capacitação.
Embora os produtores nacionais e independentes possam sofrer os efeitos colaterais a curto prazo, é claro que o atual boom na demanda por conteúdo audiovisual beneficiará toda a indústria a longo prazo. Enquanto isso, há uma janela de oportunidades para preparar e treinar equipes técnicas para garantir o crescimento sustentável e atender as novas produções. Será que a indústria (setores público e privado) irá mobilizar programas de capacitação técnica para aproveitar esta oportunidade?
Steve Solot
Steve Solot é fundador e presidente do Latin American Training Center - LATC e a Global Audiovisual Training Center-GATC com sede no Rio de Janeiro. Ele também é consultor sênior do Albright Stonebridge Group - Dentons Global Advisors. Anteriormente, trabalhou por dois anos como Gerente de Políticas de Produção para América Latina na Netflix; como Vice-presidente sênior de operações latino-americanas da Motion Picture Association (MPA); e presidente da Rio Film Commission da Prefeitura do Rio de Janeiro, e foi fundador da Rede Brasileira de Film Commissions - REBRAFIC. Foi professor na Florida International University em Boca Raton, Fundação Getulio Vargas, Film & Television Business no Rio de Janeiro, e na Escola Internacional de Cinema e Televisão em San Antonio de Los Baños, Cuba.
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