03 Novembro 2021
Outros desafios do incentivo ao cinema brasileiro
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Em artigo anterior abordei o perigo da revogação das leis de incentivo fiscal ao cinema brasileiro. A missão de informar o Congresso Nacional sobre a relevância das leis de incentivo no audiovisual brasileiro continua, foi discutida e deliberada em recente reunião do Conselho Superior do Cinema.
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Fato é que nas salas de cinema a participação de mercado de obras brasileiras de produção independente é bastante significativa em quantidade de títulos. Na média, desde 2010 são lançados mais de 400 filmes em salas de cinema, por ano. Obras brasileiras são tem atingido até 185 lançamentos num ano, como por exemplo em 2018.
O grande desafio da produção brasileira independente é elevar a proporção de sua participação de mercado em bilheteria para ficar menos distante da sua participação de mercado em número de títulos. Em síntese, há uma grande oportunidade de rentabilizar melhor a produção brasileira. Na média, em renda, tem sido de 15% ao ano, com o melhor resultado perto de 19,1% em 2010 e o pior 9.6% em 2017, sem contar 2020. Mesmo assim, a participação em bilheteria dos filmes brasileiros é superior a países como México, Argentina, África do Sul, Colômbia, entre outros e inferior a Espanha, Alemanha, Itália e França. A França que é um país bastante protetivo do cinema local tem índice perto de 35% da bilheteria, que é parecido com a participação brasileira em número títulos, mas não em renda.
A análise de fatos e dados pode demonstrar alguns indicadores de políticas públicas.
O primeiro deles é que sendo a participação das leis de incentivo nos filmes lançado em cinema bastante relevante, para não dizer essencial, não há como se pensar aprovar o projeto de lei apresentado ao Congresso nacional para eliminar os incentivos fiscais.
Em seguida, para que filmes tenham aptidão para maior renda, pensando num cinema pós pandemia, parece ficar claro que o produto vocacionado para sala de cinemas, com foco em bilheteria, precisa ter um orçamento maior, sob pena de ser entendido pelo público como talhado para distribuição digital. Nesse sentido, não apenas as leis de incentivo não podem ser revogadas, como seus limites de captação por obra precisam ser revistos e majorados, posto que, por exemplo, os tetos de 3 milhões de reais dos artigos 3º e 3º-A estão congelados por vários anos. Essa majoração por título não implica em aumento da renúncia fiscal global, mas a concentração de mais investimento em menos títulos. Os custos de produção são focados em pessoas, equipamentos e tecnologia, muitos deles, suscetíveis aos efeitos de variação de cotação de moeda estrangeira.
Além disso, produtores e distribuidores precisarão ser mais seletivos no desenvolvimento de projetos, adequando investimentos incentivados e próprios à maximização dos retornos. Isso não quer dizer que não haja espaço para filmes com amplitude criativa e experimentação, todavia, é importante que a produção seja desenhada mais ainda pensando no público, na sustentabilidade da sala de cinema e no risco de marketing do distribuidor no lançamento.
Some-se a isso o fato de que a cota de tela das salas de cinema deixou de existir em setembro de 2021, após vinte anos de maturação da produção brasileira independente, não deixando espaço para a falta de compromisso entre o desenvolvimento do projeto, produção, pós-produção e distribuição com o público que decide a compra do ingresso ou a comodidade da poltrona de casa e o catálogo das plataformas de streaming.
A cota de tela, por lei determinada um número de dias mínimos por ano para os filmes brasileiros independente, foi recebendo por decretos presidenciais e normativas da ANCINE uma série de acréscimos regulamentares (de legalidade tecnicamente questionável, apesar das boas intenções). Por exemplo a obrigação da multiplicidade de se cumprir a cota com número mínimo de títulos proporcional ao tamanho do complexo, garantiu a presença de várias obras que não atingiram o ponto mínimo de retorno financeiro.
O encurtamento das janelas decorrente da chegada com força das plataformas de streaming no mundo todo, certamente será um outro fator a demandar lançamento de filmes maiores, com maior número de salas, ficando menos tempo em cartaz. Os filmes brasileiros precisarão encontrar seu espaço, sua vocação e seu compromisso com o público, em meio a estes novos futuros tempos.
É um momento de bastante planejamento e reflexão para se encontrar que produtos brasileiros caberão no cinema e como eles se encaixarão no mercado brasileiro pensando na sustentabilidade dos três elos fundamentais da corrente, produção, distribuição e exibição no ambiente pós-pandêmico e com acesso a filmes em diferentes telas, no ambiente digital.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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