29 Setembro 2021
Alexandria Ocasio-Cortez no MET GALA e o entretenimento no Brasil
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A congressista na Câmara dos Representantes por Nova Iorque, Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida por ter posicionamentos mais à esquerda dentro do partido dos Democratas, deu o que falar na última edição do MET GALA, e claro, intencionalmente reacendeu um debate que é evitado por governantes e legisladores ao redor do globo.
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AOC compareceu ao baile, que é comumente frequentado por celebridades e pessoas endinheiradas trajando as mais extravagantes roupas, com um vestido branco assinado pela designer Aurora James que continha uma simples mensagem escrita em vermelho-sangue: “Tax the rich” (Taxem os ricos).
Assim como no Brasil, nos Estados Unidos da América há um forte lobby de poderosos que evita que medidas como essa ganhem força para que seus bolsos não sejam diretamente afetados. Cabe a ressalva do caso da Califórnia: em 2012, o Governador em exercício tinha nas mãos o Estado mais populoso do país e com déficit fiscal beirando os 15 milhões de dólares, além de profunda desigualdade social diante do grande fluxo migratório, muitas vezes irregular. Por meio de plebiscito aprovado pelos eleitores do Estado, passou-se a cobrar um aumento de 13,3% do imposto estadual de renda aos cidadãos com ganhos anuais superiores a 250 mil dólares.
Apesar de a medida ter sido criticada, sobretudo pelos políticos republicanos, sob o argumento de que a Califórnia passaria a repelir grandes empresas (o que de fato ocorreu com a petroleira Oxy), a grande maioria dos empresários persistiram no Estado. Como resultado, o Estado deixou de ser deficitário e seu PIB passou a crescer mais de 3% ao ano, chegando a 4,3% em 2017. Enfim, a Califórnia prosperava e voltava a cumprir com o “sonho californiano”.
Mas o que a discussão trazida por AOC tem de relação com o setor do entretenimento no Brasil? A começar com uma premissa básica: num período de crise econômica, altas inflacionárias e desemprego elevado, como ocorre no cenário atual, entretenimento é uma das últimas prioridades da população. O pagamento de moradia, alimentação, água, luz, gás, e internet, elemento que se tornou praticamente essencial nos lares brasileiros, sobretudo após o início da pandemia, sempre terão preeminência em relação aos gastos com entretenimento.
Não obstante, é importante lembrar que a indústria do entretenimento não é considerada essencial, e muitas vezes pressupõe aglomeração, seja nas salas de cinemas, seja nos teatros, ou então nos shows ao vivo. Por esse motivo, o setor foi um dos primeiros a serem paralisados no início de 2020 e até hoje têm sido estudados diversos tipos de protocolos para a sua retomada gradual.
Durante os últimos 18 meses, muitos profissionais da cadeia produtiva dessa indústria foram duramente prejudicados por conta disso. Uma única produção audiovisual envolve inúmeros profissionais, a título de exemplo: cineasta, assistentes de direção, roteiristas, pesquisadores, continuístas, diretores de produção, assistentes de produção, assistentes de produção executivo, diretor de fotografia, fotógrafos, operadores de câmera, assistentes de câmera, figurinistas, cenógrafos, guarda-roupeiros, camareiros, maquiadores, cabeleireiros, técnicos de som, marcadores de luz, microfonistas, eletricistas, geradoristas, maquinistas, contrarregras, editores, trilheiros e responsáveis por efeitos especiais, entre outros.
Agora, imaginemos isso multiplicado por todos os projetos audiovisuais que tiveram que ser interrompidos e adiados? Sem contar também a grande fábrica de empregos que também é o setor de espetáculos ao vivo, como peças de teatro e shows ao vivo. De uma vez por todas, a pandemia teve como consequência uma grave crise em todo setor do entretenimento e aqueles trabalhadores que o compõem, ampliando ainda mais as desigualdades sociais.
Afinal, porque não implementar o imposto sobre grandes fortunas visando a redução de desigualdades, sendo que a própria Constituição Federal de 1988 o prevê? Ainda mais tendo o significativo exemplo da Califórnia, que foi capaz de dar a volta por cima e ainda propiciar que aqueles que não consumiam cultura passassem a compor esse mercado. É inclusive de se ressaltar que de todos os impostos que a Constituição brasileira prevê a regulamentação e definição, este é o único imposto que ainda não foi implementado pelas casas legislativas, o que já poderia ter sido feito há 33 anos.
O Senado e a Câmara já acumulam mais de 37 projetos de leis com essa finalidade parados. Desses, mais da metade surgiram após a eclosão da pandemia da Covid-19, diante da necessidade de recolhimento de mais recursos visando a distribuição a setores que acabaram ficando estrangulados durante todo esse período diante da necessidade de alocar mais recursos na áreas relacionadas à saúde e subsistência das famílias brasileiras.
De certa forma, o traje de Alexandria Ocasio-Cortez nos faz pensar sobre mais uma forma de reduzir desigualdades e dar suporte àqueles que saíram mais prejudicados neste período delicado e, indiretamente, dar condições para que mais indivíduos voltem a consumir entretenimento novamente para que esse mercado possa reaquecer e atingir o patamar dos 38 bilhões de dólares no Brasil até o fim de 2025, como sugere a 22ª Pesquisa Global de entretenimento e Mídia da PwC.
Gustavo Campanili
Gustavo Campanili atua com Direito do Entretenimento no CQS/FV Advogados. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo.
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