28 Setembro 2021
O branding do cinema e o "eu já sabia"
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É comum a gente ver, em finais de campeonatos ou outros eventos, alguém levantar uma placa com a frase “Eu Já Sabia”!
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Eu já sabia, desde que aprendi com meu ex-professor Phillip Kotler e outros autores, que “branding” ou “brand management” é uma estratégia de gestão de marca que visa torná-la mais reconhecida pelo público e mais presente no mercado, despertando sensações e criando conexões fortes, que serão fatores relevantes para a escolha pela marca no momento da compra ou recomendação.
O Eu Já Sabia ocorre portanto quando a gente nota que alguma coisa vai mudar, e vai mudar na direção que faz mais sentido, mais óbvia, e que todos esperam que ocorra.
A Disney anunciou recentemente uma mudança em sua estratégia; seus lançamentos principais voltarão a ter janela de 45 dias entre a estréia nos Cinemas e a disponibilização no serviço Disney+. Essa posição foi definida, pelo que sabemos, após a estréia do filme Shang Chi e A Lenda dos Dez Anéis, lançado nos Cinemas antes de estrear na plataforma de streaming. O filme é um sucesso, tendo arrecadado até agora perto de US$ 350 milhões no mundo, e mostrou a força de um lançamento exclusivo no Cinema, mesmo para uma produção que envolve personagens menos conhecidos da Marvel.
Todo mundo sabia, e eu também, que essa mudança iria ocorrer.
A tal guerra do streaming levou diversos produtores e distribuidores a tentarem fórmulas ditas inovadoras, e modernas, para disponibilizar seus conteúdos aos assinantes, numa luta ferrenha pela adesão de inúmeros espectadores em busca da sonhada receita recorrente e do maior relacionamento direto com o consumidor.
Nada de errado com isso; afinal, todos gostamos de um fluxo de receita constante e de ter acesso aos gostos e preferências de nossos consumidores, então a fórmula parecia infalível, mesmo que fosse necessário deixar algum segmento, no caso, o Cinema, de lado por uns tempos. Afinal, parecia fazer sentido que a necessidade de agarrar logo uma participação de mercado no novo segmento fosse provocar perdas em algum setor da distribuição. E o setor deixado para trás seria justamente o Cinema, atingido em cheio pelas restrições sanitárias e meio “ultrapassado” nesses tempos de comunicação, reuniões, compras, encontros e desencontros online.
O que muitos já sabiam porém – e está sendo confirmado por essa decisão da Disney, seguindo posicionamento similar iniciado pela Universal e já adotado pela Warner, para citar alguns dos grandes produtores - é que não se pode abrir mão de um segmento de mercado que gera 40 bilhões de dólares ao ano em receitas de bilheteria, que emprega milhões de profissionais e movimenta outros bilhões de dólares em produção, equipamentos, tecnologia, serviços e impostos pelo mundo.
Não se pode abrir mão de um canal que acima de tudo cria propriedades que se estabelecem na memória e nos negócios, mantendo a força e o faturamento por anos e anos a fio.
Quando se trata de criar e consolidar o tal branding, o Cinema é imbatível.
Que outra mídia resultaria no impacto e na herança em branding de filmes como Titanic, Avatar, Missão Impossível, Toy Story, Frozen, Vingadores, a franquia Bond, Invocação do Mal, Mad Max, Blade Runner 2049, Dunkirk, Pulp Fiction, Homem Aranha, O Regresso, a franquia Velozes e Furiosos, para citar apenas alguns entre os centenas de títulos (e marcas) gerados por suas estórias, elenco, produção, roteiro e qualidade, mas também pelas campanhas, matérias, entrevistas, moda, música, expressões e gírias que muitos sucessos do Cinema criaram?
As emoções, a maior diversão, o encantamento e a magia do Cinema são elementos importantes, mas aqui me refiro à parte dos negócios e da tecnologia, da influência do Cinema na cultura, na moda, na consolidação do soft power e no enorme volume de dinheiro gerado por tudo isso.
Com todo respeito, nesse quesito de criação de branding de uma propriedade intelectual em sua mais completa tradução, o Cinema não tem rivais. Ponto.
As produções disponibilizadas pelos serviços de streaming são em geral excelentes, com qualidade de roteiro, elenco, direção e valor artístico excepcionais, mas não se comparam a um filme produzido e consumido num Cinema, e não irão gerar o tal branding de que estamos falando.
Tomemos como exemplo dois filmes dos excepcionais diretores mexicanos Alejandro Iñárritu e Alfonso Cuaron – O Regresso e Roma -. Ambos trazem excepcional conceito, direção, fotografia, elenco, mas O Regresso tem impacto infinitamente maior do que Roma, pelo próprio meio de exibição principal. Enquanto O Regresso foi exibido em seu esplendor em Cinemas pelo mundo, Roma teve uma exibição restrita, e privou sua audiência da excepcional qualidade de sua fotografia em preto e branco. O meio de distribuição conta, e muito, e Roma não obteve a mesma impressão de O Regresso.
Pela recente decisão da Disney, há que se considerar que as tais janelas, antes de 90 e agora de 45 dias entre o lançamento nos Cinemas e a exibição em outras mídias, irão prevalecer, o que é ótimo tanto em termos de manter o valor da exibição principal nos Cinemas como pelo lado dos produtores e distribuidores, que poderão aproveitar os investimentos nas campanhas de lançamento nos Cinemas para manter o interesse dos espectadores nas janelas seguintes.
Os espectadores estão voltando aos Cinemas, produções excelentes estão sendo finalizadas e lançadas, e estamos todos ansiosos para voltar à rotina de assistir filmes do jeito que se deve; num Cinema, testemunhas da criação de marcas e conceitos que irão durar por anos e décadas. Isso é ótimo, como todos já sabiam!
Marcos Oliveira
Marcos Oliveira é Consultor Especial do setor de Produção e Distribuição de Conteúdo Audiovisual, através de sua empresa Leverá Conteúdo e Negócios, que atua em desenvolvimento de projetos, captação, distribuição e consultoria. Sua carreira profissional inclui atividades em posições de liderança em empresas como Johnson & Johnson, Twentieth Century Fox Brasil e Austrália, Warner Bros e Universal Pictures.
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