23 Setembro 2021
Audiovisual brasileiro e leis de incentivo: situação de alerta
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O Grupo de Trabalho (GT-SeAC) no âmbito do Ministério das Comunicações se debruça sobre a revisão da Lei da televisão por assinatura, incluindo na sua pauta discussão sobre políticas públicas de fomento e o papel das agências reguladoras envolvidas, e em paralelo. Houve a retomada das atividades do Conselho Superior do Cinema (CSC), bem como o apoio da Secretaria Especial de Cultura para tirar o atraso e fazer reuniões mensais. O CSC tem como competência legal, entre outras, definir a política nacional do cinema e aprovar políticas e diretrizes gerais para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional, com vistas a promover sua auto-sustentabilidade.
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É de se lembrar que neste mês de setembro se completam 20 anos da criação da ANCINE – Agência Nacional do Cinema. A ANCINE tem como competência regular, na forma da lei, as atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional, resguardando a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação. O fomento à indústria audiovisual brasileira não é um casuísmo fiscal ou tributário, mas um modelo histórico e mais complexo, que começa na década de 1960, passa pela criação do Instituto Nacional do Cinema (INC), bem como pelo CONCINE (Conselho Nacional do Cinema) até a instituição da ANCINE em 06 de setembro de 2001. A Lei Rouanet é de 1991 e a Lei do Audiovisual de 1993, sendo esta última a que trata de mecanismos de fomento indireto, onde o beneficiário direto, indireto ou cessionário de beneficiário, podem investir em coproduções audiovisuais brasileiras independentes (mecanismos conhecidos como art.3º e 3º-A).
O fomento por meio desses mecanismos é o mais eficiente e simplificado. Isso porque o investidor na produção brasileira também é um agente econômico ligado ao mercado, o que resulta numa curadoria da produção voltada à audiência e numa troca de experiências, conhecimento e, em particular, num controle mais próximo dos custos de produção associado à possibilidade de internacionalização da produção nacional, que por meio dessas parcerias viaja pelo mundo. Esse modelo reduz a necessidade de envolvimento estatal em comparação com o fomento direto, que é aquele que o Estado investe recursos por meio de editais, chamadas públicas e gestão de fundos. As vicissitudes vividas em tempos recentes com o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) demonstraram o quanto os mecanismos de fomento indireto como o art. 3º, 3º-A da Lei do Audiovisual e 39,X da MP 2228-1 são relevantes para a produção audiovisual brasileira.
Em termos concretos, o mecanismo do art. 3º representou na média dos últimos 5 anos uma liberação para a produção de 47 milhões de reais. O art. 3º-A na média 144 milhões no mesmo período (certamente maior porque inclui o pagamento de direitos esportivos). Os recursos do art. 39, X, não implicam em renúncia de arrecadação de imposto de renda pelo tesouro, e correspondem na média anual a 69,8 milhões. Já a Lei Rouanet não mais fomenta o cinema, sendo zero sua captação em 2019.
Quando se fala de orçamento da União é uma gota no oceano. Lei Orçamentária sancionada em abril de 2021, estimou a receita da União em R$ 4,325 trilhões e fixa a despesa em igual valor.
Como se nota, frente ao orçamento anual do tesouro, o montante dessa renúncia fiscal (custo) versus o benefício (sustentabilidade da produção brasileira) é irrelevante.
A ANCINE na primeira reunião do CSC fez a apresentação do panorama do audiovisual brasileiro e sua importância para a economia do país. Em 2018 as atividades econômicas do setor audiovisual foram diretamente responsáveis por uma geração de renda de R$ 26,7 bilhões na economia brasileira, muito à frente de outros setores econômicos importantes. Nos últimos anos, o número de obras brasileiras registradas na ANCINE tem se mantido em um patamar superior a 3.200 obras com uma participação majoritária de obras independentes entre as obras de espaço qualificado registradas nos últimos anos, que são aquelas elegíveis a serem beneficiadas pelas políticas de fomento.
Por outro lado, o panorama mostra grandes desafios: impactos da pandemia para as salas de cinema; efeitos tecnológicos decorrentes da entrada do streaming no cenário de consumo; perda de renda; redução de geração de benefícios fiscais por redução de remessas ao exterior entre outros. Esses fatos demonstram mais do que nunca que as políticas de fomento do audiovisual por meio de leis de incentivo fiscal são necessárias e, em alguns casos, serão necessárias linhas de financiamento e crédito emergencial (no caso de cinemas, por exemplo).
Por esse motivo, a inclusão dos incentivos à indústria do audiovisual no Plano de Redução Gradual de Incentivos e Benefícios Federais de Natureza Tributária elaborado pela Receita Federal, em cumprimento ao disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 109, (EC 109) de 15 de março de 2021, precisaria de uma urgente reflexão, para entender que os impactos causados ao audiovisual brasileiro são desproporcionais e relevantes, frente ao diminuto valor efetivamente envolvido no multi-trilionario orçamento do tesouro. É certo que pela EC 109 a tarefa dada ao Estado é fazer com que em 08 (oito) anos montante dos incentivos e benefícios federais de natureza tributária não ultrapassem 2% (dois por cento) do produto interno bruto. Com base no mesmo Demonstrativo de Gastos Tributários de 2021, o total de gastos tributários previstos para o exercício soma R$ 307,931 bilhões. Excluindo-se do montante global de benefícios e incentivos de natureza tributária os valores referentes àqueles apartados do cálculo pelo § 2º do art. 4º da EC 109/ 2021, o montante total de gastos tributários com benefícios e incentivos de natureza tributária que será considerado no plano de redução gradual representa R$ 157,45 bilhões ou 2,06% do PIB.
O Plano diz: “Dessa forma, para se chegar à meta de 2%, ao final de 8 anos, seria necessário reduzir em aproximadamente 0,06% do PIB ou, no mínimo, R$ 4,21 bilhões, os benefícios tributários constantes do DGT – Demonstrativo de Gastos Tributários. Ademais, o inciso I do artigo 4º da Emenda Constitucional 109, de 2021, estabelece que no primeiro ano devem ser reduzidos benefícios tributários que representem, no mínimo, 10% do montante, fora as exceções, o que corresponde a R$ 15,75 bilhões. Nesse contexto, propõe-se incialmente que diversos benefícios fiscais que possuem prazo determinado não sejam prorrogados ao final do prazo de suas vigências. Dessa forma, não seriam prorrogados 7 benefícios que findam em 2022, 4 que findam em 2023, 8 que findam em 2024 e 1 que tem o prazo final previsto para 2025. Além disso, para alcançar o montante de redução exigido pelo inciso I do artigo 4º da Emenda Constitucional 109, de 2021, propõem-se também: a) revogar o benefício da redução de 70% no IRRF sobre as remessas na aquisição de obras estrangeiras (arts. 3º e 3º-A da Lei nº 8.685, de 1993); b) reduzir o valor de estimativas de renúncia decorrente do benefício de redução do IPI na importação de autopeças (arts. 20 a 26 da Lei nº 13.755, de 2018) dos atuais R$ 667 milhões para R$ 469 milhões (redução de R$ 198 milhões no valor da renúncia) ”.
Por esse motivo foi apresentado agora em setembro de 2021 pelo Governo Federal, o Projeto de Lei 3203/21 que a partir de janeiro de 2022 revoga os benefícios fiscais dos artigos 3º e 3º-A. Esse Projeto de Lei, no que diz ao setor do audiovisual, não passou pelo Conselho Superior do Cinema e não contém uma análise de impacto econômico e sequer prevê uma redução gradual. Muito menos explica porque esse corte é prioritário em relação a outros benefícios que deverão ser reduzidos. Esquece, ainda, que esses mecanismos estão conjugados com outras ferramentas de política pública. Por exemplo, não faria sentido revogar tais benefícios e se manter a CONDECINE REMESSA de 11% sobre os pagamentos de direitos audiovisuais ao exterior. Essa CONDECINE foi criada para ser paga somente pelos agentes econômicos que não fizessem uso dos mecanismos de incentivo. Portanto, além de remover recursos da produção audiovisual, afastar o intercâmbio com agentes econômicos internacionais, na prática significa uma elevação da tributação via CONDECINE das receitas geradas por audiovisuais estrangeiros no Brasil, reduzindo cada vez mais o interesse do capital de outros países no nosso país, que aumentarão sua fuga para outros países da américa latina, como Argentina, Uruguai, Colômbia e México. Não percebe ainda que a política de cotas no audiovisual tem como lastro esse fomento, ficando insustentável sem tais recursos.
É papel do mercado, das entidades representativas, do Conselho Superior do Cinema e da ANCINE demonstrar ao Congresso Nacional e ao Governo Federal que tais mecanismos precisam ser mantidos e revigorados. É necessário, na verdade, se fazer a correção do limite de destinação de valores por obra audiovisual a ser produzida – o que não significa alteração do limite global da renúncia fiscal no orçamento da União. O valor de 3 milhões de limite está desatualizado faz tempo, corroído pela inflação e pelo aumento dos custos de produção.
Essa mensagem precisa chegar aos destinatários de forma objetiva e sem paixões, uma vez que aqui se fala estritamente de um mecanismo vital para um setor que gera enorme valor adicionado à econômica frente à diminuta renúncia, tudo isso em falar na viabilização da exposição do audiovisual brasileiro no cenário internacional, que tantos reflexos positivos indiretos gera para o país, em todos os setores. Não se pode esquecer que na américa latina, somente o Brasil fala português e que, no mundo, apenas mais quatro países. Somados, esses quatro, não passam de 30 milhões de habitantes, sendo natural que a produção audiovisual brasileira precise de um auxílio para competir no mercado internacional. Os mecanismos do art. 3º e 3º-A é que dão conta dessa missão.
Mecanismos de Incentivo
-Artigo 1º da Lei 8.685/93:
2015 (10.314.581,00);
2016 (9.537.717,00);
2017 (12.676.799,00);
2018 (15.925.828,00)
2019 (16.967.238,00)
-Artigo 1º A da Lei 8.685/93:
2015 (69.682.959,49);
2016 (65.701.829,63);
2017 (55.295.677,46);
2018 (49.915.834,94);
2019 (30.388.258,96)
-Artigo 3º da Lei 8.685/93:
2015 (33.075.588,72);
2016 (39.926.492,53);
2017 (33.960.089,22);
2018 (59.835.828,92);
2019 (33.103.038,55)
-Artigo 3º A da Lei 8.685/93:
2015 (91.458.902,12);
2016 (113.254.674,52);
2017 (171.708.643,59);
2018 (168.408.938,73);
2019 (114.392.408,42)
Valores Captados em Reais - Fonte: ANCINE (Superintendência de Fomento - SFO).
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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