24 Agosto 2021
O ponto fraco na cadeia produtiva audiovisual: a capacitação de mão de obra técnica na América Latina
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Nos últimos anos, na indústria audiovisual, houve uma crescente busca por equipes técnicas de produção e pós-produção altamente qualificadas para atender a demanda de produção de conteúdo gerada por serviços de "streaming", bem como da produção tradicional. No entanto, em todos os países de América Latina, há uma carência geral de equipes capacitadas para atender essas demandas. Com a pandemia, muitas produções foram pausadas, mas a indústria projeta uma rápida recuperação de crescimento, e uma demanda ainda maior pela produção de conteúdo audiovisual, e consequentemente, uma demanda maior por equipes capacitadas de profissionais técnicos below-the-line.
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O contexto da indústria
Em 2019, os gastos globais com produção de conteúdo audiovisual atingiram um novo recorde de US$ 177 bilhões, e os empregos em tempo integral na indústria, impulsionados pela produção, chegaram a 14 milhões. De acordo com a PricewaterhouseCoopers (PwC), na sua publicação anual “Global Entertainment & Media Outlook”, enquanto a indústria global de exibição de cinema está enfrentando um retorno lento aos níveis pré-pandêmicos, a previsão para o streaming, ou OTT (gastos com assinatura e vídeo transacional), vai atingir US$ 94 bilhões até o final de 2025, um aumento de 60%. Atualmente, só na América Latina, existem 494 plataformas de streaming (Whip Media 3/2021), sendo 47 no Brasil.
Investimento em capacitação de técnicos profissionais
Em face desta demanda sem precedentes, além da previsão de um crescimento sustentável na indústria audiovisual, e o interesse em aproveitar as oportunidades criadas pelo boom, muitos países estão investindo em treinamento e atualização de suas equipes de mão de obra nas indústrias criativas. Como demostrado pelo estudo técnico da Olsberg SPI, “Best Practices in Screen Sector Development” (9/2019), a mão de obra qualificada é um dos quatro pilares básicos para uma indústria audiovisual consolidada, sendo que os outros três pilares são: incentivos, infraestrutura e serviços, e um ambiente film-friendly. Vários governos e agências de desenvolvimento compreenderam o valor da indústria audiovisual para o crescimento econômico nos seus países devido ao impacto em outros setores econômicos. Ainda de acordo com a Olsberg SPI, em média, 67% dos gastos de produção audiovisual chegam aos setores fora da indústria (“A produção audiovisual global: o impacto da produção cinematográfica e televisiva na recuperação econômica após a COVID-19”, Olsberg SPI, junho de 2020). Ou seja, a indústria audiovisual tem um impacto positivo significativo para além do seu setor, para a economia como um todo.
O modelo europeu
Na Europa, sob o guarda-chuva do programa Creative Europe Media, a maioria dos países possui programas avançados de treinamento próprio, como o ScreenSkills no Reino Unido, com o objetivo da “Recuperação econômica e a futura inovação e crescimento em todas as nações e regiões, investindo na força de trabalho qualificada e inclusiva, que são essenciais para o sucesso global da indústria do Reino Unido”.
Um exemplo brasileiro
Com 213 participantes de todo o Brasil, a série de masterclasses gratuitas para profissionais das áreas técnicas do mercado audiovisual brasileiro foi realizado de 1 a 12 de fevereiro de forma remota. O programa sem fins lucrativos foi organizado pelo Latin American Training Center-LATC, em parceria com o Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual-STIC, e a ABC Cursos de Cinema, com o apoio institucional do SICAV, da BRAVI e da RioFilme. O programa focou nas principais etapas da cadeia produtiva audiovisual (pré-produção, produção e pós-produção), e foi ministrado por profissionais renomados da indústria. A seleção dos tópicos das masterclasses a seguir foi baseada nas necessidades atuais do mercado, e contou com a supervisão de Alfonso Beato, ASC, ABC, e a coordenação de Keila Borges.
- Assistência de Direção: construindo passo a passo o sucesso na realização de um filme – Rubens Shinkai
- A Arte da Direção de Arte – Emily Pirmez
- A importância da continuidade e os desafios digitais no set de filmagem – Mara Cecília Maciel
- O papel do TID/GMA: os desafios da imagem digital, do set à pós-produção – Matheus Cury
- O olhar e a câmera: como emocionar e envolver com o enquadramento no cinema – Carlos Ebert, ABC
- Produção com cenários virtuais – É preciso mesmo se reinventar? – Hugo Gurgel
- As tendências da edição para novas mídias – Luiz Velho, Phd
- HDR: o que muda, da pré à pós-produção – José Francisco da Silva Neto, ABC (Chiquinho)
- Os efeitos visuais no Brasil: como alcançar excelência? – Lucia Modesto
Além do Brasil, o LATC já completou programas similares na Argentina e Colômbia, e outros programas estão agendados até o final do ano para Bolívia, Equador e Peru, para a América Central e o Caribe, e para o México, sendo que todos contam com apoio institucional de associações e sindicatos locais.
O planejamento de políticas públicas para a capacitação técnica deve focar nos seguintes passos:
a. Coordenação com a indústria para estabelecer as necessidades específicas do setor.
b. A criação, o desenvolvimento, e a oferta de cursos técnicos (below-the-line) relacionados à produção de todos os formatos de conteúdo audiovisual (filmes, TV, animação, jogos e VFX), para todos os níveis, desde estagiários ou principiantes, até profissionais experimentados que precisam de reciclagem e/ou atualização em sua área.
c. A oferta de financiamento para ciclos de masterclasses, cursos e workshops de formação técnica, com uma continuidade permanente.
d. Apoio para uma variedade de iniciativas de aprendizagem profissional no trabalho, como estágios, contratações em regime de tempo parcial por empresas produtoras, e “shadowing” (a observação de atividades profissionais no posto de trabalho).
Agora é a hora
É claro que com o boom da demanda por conteúdo audiovisual, e a previsão de um crescimento ainda maior, há uma janela de oportunidade para preparar e capacitar equipes técnicas. Será que a indústria brasileira (setores público e privado) vão se mobilizar par aproveitar estas oportunidades?
Steve Solot
Steve Solot é fundador e presidente do Latin American Training Center - LATC e a Global Audiovisual Training Center-GATC com sede no Rio de Janeiro. Ele também é consultor sênior do Albright Stonebridge Group - Dentons Global Advisors. Anteriormente, trabalhou por dois anos como Gerente de Políticas de Produção para América Latina na Netflix; como Vice-presidente sênior de operações latino-americanas da Motion Picture Association (MPA); e presidente da Rio Film Commission da Prefeitura do Rio de Janeiro, e foi fundador da Rede Brasileira de Film Commissions - REBRAFIC. Foi professor na Florida International University em Boca Raton, Fundação Getulio Vargas, Film & Television Business no Rio de Janeiro, e na Escola Internacional de Cinema e Televisão em San Antonio de Los Baños, Cuba.
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