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Artigo / Especial +Mulheres

03 Agosto 2021

Que tal voltarmos a nos espelhar no que está ocorrendo no mundo para não ficamos para trás? -Parte II

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A Europa está muito avançada na discussão sobre as contribuições das empresas de streaming ao audiovisual europeu e europeu independente. Questões fundamentais como a identidade e a diversidade já estão consolidadas em suas legislações e agora o que mais se discute é como evitar a concentração de investimentos em poucas empresas. Como podemos ver, os países europeus estão bem mais avançados do que nós que não temos qualquer regulação.

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Destaquei no artigo anterior os avanços recém anunciados na França e agora trago uma pequena pesquisa sobre os avanços em alguns outros países.

Em Portugal a Lei nº 74/2020, que implementa a nova diretiva da União Europeia para a legislação portuguesa, entrou em vigor em fevereiro de 2021 e determinou que os provedores de VOD devem contribuir para a promoção e visibilidade do cinema europeu, e que estão sujeitos às contribuições, seja por meio do pagamento de um imposto ao fundo do Instituto de Cinema Português (ICA), seja por meio de investimentos diretos. Dessa forma as empresas de streaming que operam no seu território deverão destinar 1% do valor do seu faturamento líquido ao fundo e, se não for possível determinar o valor do faturamento do ano, o imposto é fixado em 1 milhão de euros. Os agentes de mercado pequenos não sofrem estas obrigações.

A história do VOD na Alemanha também já vem de muito. Em 2018 a corte de justiça da União Europeia aprovou que os provedores de VOD que não estão estabelecidos na Alemanha têm que pagar uma taxa entre 1,8% e 2,5% sobre toda a renda gerada na Alemanha retroativa a 2014. Essa decisão levou a União Europeia a revisar as obrigações já existentes de investimento desde 2010, estabelecendo em 2018 novas diretivas.

Na Itália, o texto da Lei 81/2019 mantém a obrigação já aplicada a outros serviços para os serviços de VOD, incluindo os estrangeiros, que passaram a ter que fazer investimentos diretos em obras audiovisuais através de pré-compra, compra, produção e coprodução. Neste mês de julho será implementada uma taxa que varia de 12,5% a 20% sobre a receita destas empresas. Metade do investimento deve ser feito em obras italianas sendo que 20% devem ser aplicados em filmes de longa-metragem, salvaguardando as salas de exibição, assim como na França.

Na Polônia, desde julho de 2020, os provedores de VOD, estabelecidos no país e aqueles com assentos em outro Estado-Membro da UE têm que pagar uma taxa de 1,5% do faturamento para o Instituto de Filmes Polonês.

Na Bélgica, são duas as situações. A Bélgica de língua francesa, em fevereiro de 2018 transpôs a diretiva 2018/1808, obrigando que as plataformas sediadas no exterior paguem taxas quando a subscrição for feita a partir daquele território. Já na Bélgica de língua Flamenca distribuidores de serviços podem escolher entre uma contribuição financeira para a produção audiovisual ou contribuir financeiramente para o Fundo Audiovisual Flamengo. As taxas podem chegar a 2,2%.

No Canadá em 2017 foi anunciado um acordo entre o governo e a Netflix chamado de “Investment Canada Act”, no qual a Netflix investiria no mínimo EUR 340 milhões por 5 anos em produções canadenses originais na língua inglesa e francesa e no desenvolvimento de produtoras que teriam suas propostas desenvolvidas, trazendo expertise para o setor. Em 2020 o Canada instituiu taxas para os serviços estrangeiros de VOD e a expectativa é que a partir de 2022 recolha por ano cerca de USD 3.4 bilhões no período de 5 anos. O governo de Quebec já estabeleceu uma taxa de 5% sobre o faturamento.

A Austrália publicou o Green Paper em 2020, uma espécie de consulta pública, onde as obrigações propostas foram de 5% de taxas sobre o faturamento. Neste momento está sendo finalizado o texto de uma nova legislação.

E o Brasil? Como está?

Já em 2012 a Agência Nacional do Cinema iniciou estudos para dar sustentação a uma legislação que fosse equilibrada e coerente com as demais legislações sobre o setor de programação e produção audiovisual. Durante várias reuniões do Conselho Superior de Cinema o consenso não foi obtido, e dificilmente será. São interesses que apesar de parecerem opostos deveriam ser vistos como convergentes, afinal as plataformas precisam de conteúdo local, mas a imposição para os produtores que conseguem furar a concentração de prestadores de serviço é pesada: renunciar aos seus direitos sobre a obra e ainda se submeter ao trabalho editorial com características homogeneizadoras desses conteúdos.

Temos agora uma oportunidade para nos aproximarmos desses países que já perceberam que o streaming é o mercado do futuro e que deve ser regulado. Tal aproximação pode acontecer se nos unirmos em torno do projeto do senador Humberto Costa, com a relatoria do Senador Jean Paul Prates. A regulação proposta no Senado certamente nos trará um mercado mais saudável gerando mais emprego, renda e propriedade intelectual para o país.

 

Vera Zaverucha
Vera Zaverucha

Com mais de 30 anos de experiência na administração pública, foi diretora da Agência Nacional do Cinema - ANCINE, Secretária de Estado para o Desenvolvimento do Audiovisual - SAV e diretora da Fundação do Cinema Brasileiro. Na Ancine, um de seus importantes legados foi a criação do Observatório de Cinema e Audiovisual – OCA, que monitora e analisa dados do mercado audiovisual. É autora do livro “Desvendando a Ancine” e atua desde 2015 como consultora, professora e palestrante especialista em regulação do setor.

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