29 Junho 2021
Arte, rede, consumo e simulacro: A transcendente formação do profissional no audiovisual
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A arte pode ser interpretada como simulacro da realidade e quando a sociedade do espetáculo se consolida, o simulacro ganha credibilidade e sustenta pilares que seriam os valores da verdade. Com base nessa premissa, Muniz Sodré, Guy Debord, Walter Benjamim traçaram um panorama a respeito da sociedade do consumo e do funcionamento da indústria cultural como produtora de obras de arte e conteúdo em reprodutibilidade técnica, desprovidas de aura e carregadas de valor monetário publicitário.
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A indústria produz o que o consumidor deseja, replica modelos de influência para despertar atenção do público-alvo, obtendo o sucesso através do lucro. E como se estabelece, nessa dinâmica de produção, a formação do profissional no audiovisual? Como formar indivíduos para subverterem dinâmicas de modelos pré-fabricados? É papel exclusivo da universidade, desconstruir o que grande parte do modelo educacional no ensino médio sustenta? A total separação de áreas que, supostamente seriam complementares tratadas como inimigas, e doutrinadas em fórmulas para serem decoradas visando aprovação de uma resposta exata que envolva no futuro, formar um especialista?
Partindo da premissa criativa: "Todo ato de criação é, antes de tudo um ato de destruição" (Pablo Picasso), na universidade, especialmente nos cursos de formação de profissionais da comunicação, é assim que acontece a construção: diluindo dogmas de ideias pré-concebidas para dar lugar a experiência da exceção, da dúvida, do questionamento, da incerteza e, com sutileza, acompanhar uma visão global considerando e respeitando suas especificidades.
A formação do profissional no audiovisual se inicia com o que Vilém Flusser nomeou de "branqueamento da caixa-preta”: desprogramar o aparelho, entender o seu funcionamento para então reprogramá-lo com o intuito de produzir algo novo, diferente, extraordinário. E assim nos deparamos com a contemplação de grandes obras que retratam nossa própria história através de metáforas dignas de glória: Nomaland, Minari, Malcon e Marie, Mank e tantas outras. São produções comerciais, sim! E são também subversivas. Criadas por artistas que se permitiram explorar o vasto oceano do outro lado do marketing.
A crueldade do mundo e a teia das redes sufoca a criatividade e é um desperdício universitários enrijecidos mergulhados unilateralmente no dilema das plataformas digitais. A dinâmica das mídias sociais é venenosa, nos leva para influência equivocada de enxergar a vida de maneira superficial e positiva; ignorando o fato primordial da angústia: que é exatamente o excesso de positividade. Os alunos da universidade mergulhados na dinâmica das redes estão exaustos e improdutivos para aquilo que almejam…é o que acontece quando se abandona os sonhos para fazer dinheiro. O caminho da criação é tortuoso, assim como o caminho da verdade é mais complexo que o breve retrato editado da mentira.
A construção do profissional que se propõe a criar obras audiovisuais que vão impactar a vida de milhões de indivíduos deveria ser em massa uma formação de construção intelectual, psicológica e contemplativa. Que vai além dos muros da universidade que transcende a beleza e a maldade do mundo, que acompanha o nascer do sol e o cair da noite de outono com nuances de primavera.
A formação do profissional do audiovisual começa no despertar para vida real que precisa de comtemplações para ativar nossos cinco sentidos e podemos incluir o sexto também que é fruto da sensibilização diante da grandeza do mundo.
É papel da educação conscientizar os jovens, futuro promissor para indústria cultural, que é a indústria da consciência que pode propor a quebra de um padrão de conteúdo que só existe pelo puro marketing, isento de profundidade e exacerbado de viralização.
Nos tornamos submissos e obedientes para alcançar sucesso seguindo uma planilha de cinco passos e assim destruímos a real potência de nossas habilidades, como na peça Shakespeariana: "Muito barulho por nada”. É na subversão dos padrões comerciais que a emancipação cultural transcende.
Como formar os produtores de conteúdo para que sejam capazes de ao mesmo tempo criarem consciência e ganharem atenção da audiência exausta e fragmentada com supérfluos da padronização? É essa a real questão e a importância da universidade na construção do profissional da comunicação: formar o intelecto capaz de reprogramar padrões sociais e culturais.
Umberto Eco já dizia que a internet deu voz a todos os imbecis…Talvez uma possível saída em busca de liberdade seria sucumbir a ignorância mergulhando no conhecimento: técnico, filosófico, artístico, biológico, pessoal e estético.
Educar não é uma tarefa fácil, formar profissionais que irão construir e colaborar para o futuro da comunicação de massa também não. Na consolidação da técnica um universos de especialistas se prolifera atrofiando a multiplicidade complexa que compõem nossa real sabedoria.
A sabedoria começa na dúvida, na busca de entender o todo em sua maestria e não fragmentar imagens em um oceano de informações perdidas. Que os futuros profissionais da nossa indústria despertem para um viés que vai além da dicotomia apocalíptica e integrada, que nossas produções sejam frutos da desconstrução dos nossos próprios caminhos, assim como em Nomadland.
Ana Júlia Ribeiro
Ana Júlia Ribeiro é apresentadora; Mestre de Cerimônias da Expocine; Professora de Teorias da Comunicação e Direção de Atores e Apresentadores nos cursos de Cinema, Jornalismo, Relações Públicas, Rádio e Televisão e Produção Audiovisual da FAAP; Membro e Pesquisadora do Complexus - Núcleo de Estudos da Complexidade de Edgard de Assis Carvalho. Possui Bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV e mestrado em Ciências Sociais - PUC - SP.
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