23 Junho 2021
O leão agora sai da caixa
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Há um termo informal quando o assunto são negócios do audiovisual nos Estados Unidos, recorrente no universo das majors, mas pouco difundido aqui no Brasil: mogul. Ph.D. pela Universidade de Harvard, Edward Epstein explica que a palavra está associada aos pioneiros fundadores de estúdios em Hollywood na década de 1910, homens, quase sempre de origem judaica europeia, que chegaram à América fugindo da I Guerra e com grandes esperanças em dias melhores, ao menos nos negócios.
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Neste cenário, Hollywood tem, desde o último dia 26 de maio, seu mais novo mogul: Jeff Bezos. Ao comprar a lendária e quase centenária MGM, o fundador da Amazon - e um dos homens mais ricos do planeta - finca de vez sua cabeça e seus dois olhos nos negócios audiovisuais, dando sinais claros de que a Amazon Prime Video quer concorrer com empresas estabelecidas no ramo desde os primórdios de Hollywood, como a Disney e a Warner, e também com novatas como a Netflix.
Se o valor de 8,45 bilhões de dólares e mais as dívidas do estúdio pagos pela Amazon para ficar com a MGM parecem altos, basta lembrar que somente entre 2019 e 2020 a empresa de Bezos investiu quase 19 bilhões de dólares em conteúdo para alimentar sua plataforma de streaming audiovisual e sonoro. O movimento da plataforma, portanto, confirma aquele que é um dos principais desafios das majors na atualidade quando o assunto é SVOD: ter novidades e acervo para disponibilizar em seus catálogos, alimentando assim o apetite leonino do público por novidades e milhares de horas de produções à sua disposição.
Faz tempo que em Hollywood o oceano azul, criado a partir de 2007 pela Netflix ao conceber o modelo de streaming audiovisual por assinatura, ficou para trás. De modelo de negócio alternativo, o SVOD se tornou uma das principais janelas de monetização de todo o conteúdo produzido anualmente pelos gigantes que formam a Motion Pictures Association of America (MPA). Prova disso é que a própria empresa fundada por Reed Hastings e Mark Randolph em 1997 integra, desde janeiro de 2019, esse seletíssimo clube que movimenta anualmente mais de 242 bilhões de dólares na economia americana, segundo dados da própria MPA.
Ao comprar a MGM, Bezos e sua Amazon adquiriram não apenas um estúdio mitológico, comandado por décadas por Louis B. Mayer, um dos moguls mais poderosos da história de Hollywood. Também levaram um dos acervos mais importantes de cinema e TV nos Estados Unidos que possui, entre as joias de sua coroa, metade dos direitos da franquia de 007, um dos espiões mais longevos e rentáveis da história do cinema. Um acervo que, além de ampliar consideravelmente o catálogo da Amazon Prime, possibilitará, por exemplo, um sem número de spin-offs de produções consagradas como a do lutador Rocky Balboa.
Em carta divulgada a seus acionistas em abril de 2021, Bezos informou que a Amazon Prime atingiu a marca de 200 milhões de assinantes, ficando atrás no mundo apenas da Netflix. No Brasil, segundo pesquisa do site alemão JustWatch referente ao 1º trimestre de 2021, a Amazon Prime detém 26% de participação do mercado, ficando atrás novamente apenas da Netflix. Claro que a plataforma de Bezos vende também conteúdo voltado à música o que seguramente alavanca suas vendas. De todo modo, ao apresentar resultados globais em streaming similares aos da Netflix e uma base de assinantes que é o dobro da Disney Plus, a Amazon Prime dá claro sinal ao mercado de que é a nova fera do setor.
Desde 1916, Leo, o leão ícone da MGM, sempre rugiu aos espectadores de seu arco dourado. Agora, ela sairá da caixa da Amazon para mudar de vez o mercado de streaming e, principalmente, a história de Hollywood. A juba do símbolo do estúdio coroa agora a cabeça de Bezos e sua extraordinária capacidade de fazer sempre grandes negócios em qualquer setor em que decida investir.
Márcio Rodrigo | marcio.ribeiro@espm.br
Professor do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP, doutor em Comunicação e Artes pela UNESP e jornalista.
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