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Artigo / Panorama Jurídico

22 Junho 2021

STF e o julgamento sobre a constitucionalidade de CIDE-remessas

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Por Daniella Galvão e Thais Chanes de Moraes**, respectivamente sócia e advogada da área tributária do CQS/FV Advogados

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A previsão era a de que no próximo dia 30 de junho o STF decidiria sobre a constitucionalidade da cobrança de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as remessas ao exterior, no entanto, a questão foi retirada de pauta e não há previsão de nova data.

Assim, seguimos acompanhando o desenrolar do processo. O leading case que decorre de um mandado de segurança impetrado pela empresa Scania (RE 928.943), que tem como fundamento a inconstitucionalidade da alteração legislativa que ampliou o escopo de incidência da CIDE para incluir operações nas quais não haja transferência de tecnologia.

Vale lembrar que a CIDE foi uma contribuição criada pela Lei nº 10.168/2000 para financiar o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.

Nesse sentido, o tributo incidia originalmente apenas sobre pessoas jurídicas detentoras de licença de uso, adquirentes de conhecimentos tecnológicos ou signatárias de contratos com transferência de tecnologia firmados com residentes no exterior.

Porém, a legislação original foi alterada pela Lei nº 10.332/2001, a qual ampliou o escopo da CIDE, fazendo com que o tributo passasse a ser cobrado também de diversas atividades nas quais inexiste transferência de tecnologia.

Dentre as novas atividades submetidas à cobrança, estão as remessas ao exterior a título de royalties, serviços técnicos e assistência administrativa. A alteração entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002.

Diante desse cenário, surgiu o debate sobre o desvirtuamento da CIDE.

Isso porque a CIDE é um tributo, cuja característica principal é a chamada “referibilidade”. Isto é, ela só pode ser cobrada daqueles que possuem um vínculo com o setor para o qual ela é destinada (leia-se, a atividade econômica que os recursos arrecadados pretendem estimular).

Portanto, a principal crítica é: sendo a CIDE criada para destinar recursos à pesquisa tecnológica brasileira, ela poderia ser cobrada das empresas em geral (por exemplo, consultorias e prestadoras de serviços de natureza técnica no exterior), as quais não serão beneficiadas com os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)?

Em outras palavras, o segmento econômico alcançado pela intervenção estatal está realmente relacionado com a finalidade almejada pela CIDE?

De fato, a ampliação do escopo dessa contribuição impactou diversas empresas, alcançando boa parte das remessas ao exterior. Esse impacto foi ainda mais acentuado em virtude do conceito de “serviço técnico” estipulado pela Receita Federal, cuja definição é bastante genérica e abrangente.

Uma demonstração disso é o fato de que inúmeros contribuintes apresentaram consultas à própria Receita Federal questionando se sua atividade seria considerada serviço técnico ou não.  Afinal, é difícil identificar uma atividade econômica humana que atualmente não empregue alguma técnica específica.

Por essas razões, a manifestação do STF é bastante aguardada.

Afinal, sendo declarada a inconstitucionalidade da cobrança da CIDE, diversos contribuintes poderão pleitear a restituição ou compensação dos valores pagos nos últimos cinco anos.

Para a indústria cinematográfica a questão tem significativo impacto tendo em vista que as remessas de pagamentos de royalties decorrentes de exploração de obras audiovisuais e os pagamentos de direitos autorais ao exterior são onerados pela CIDE-Royalties.

O CARF já decidiu pela legalidade da cobrança de CIDE-Royalties sobre tais remessas, em inúmeras oportunidades, destacando-se o precedente da SKY (processo 16561.720112/2011-26) e da Associação Defensora de Direitos Autorais (processo nº 12448.728110/2012-10).

A discussão inclusive foi pacificada no CARF a partir da edição da Súmula 127 do CSRF, que contém o seguinte teor: "A incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) na contratação de serviços técnicos prestados por residentes ou domiciliados no exterior prescinde da ocorrência de transferência de tecnologia".

O interesse das empresas, quer seja do segmento do audiovisual ou de outros setores, é enorme também por outro motivo. Diferentemente do que ocorre com o imposto de renda retido na fonte, a CIDE não é compensada pelas empresas no exterior, pois a última não é incluída nos acordos brasileiros para evitar a bitributação.

É dizer, enquanto a empresa de consultoria no exterior podia compensar o IR-fonte aqui retido, a retenção decorrente da CIDE virava um custo não compensável da operação no Brasil, encarecendo a operação total e aumentando o preço final ao consumidor brasileiro.

Consequentemente, a decisão é muito relevante por três motivos.

A uma, porque possui efeitos vinculantes, pelo que a orientação do STF deverá ser observada pelas demais instâncias judiciais e administrativas.

A duas, porque pode reduzir a carga tributária sobre as remessas, barateando o custo da importação de diversos serviços de prestadores estrangeiros.

A três, porque decidirá se a nova orientação vale para o passado ou apenas para o futuro (“modulação dos efeitos”). É provável que o Supremo fixe os efeitos a partir da conclusão do julgamento, resguardando as ações judiciais em curso, tal como ocorreu em caso recente sobre a exclusão de ICMS na base de cálculo de PIS e COFINS (RE 574.706).

Seguiremos atentos ao desfecho da decisão, pois os reflexos poderão ser expressivos para a indústria cinematográfica que usualmente explora e negocia direitos autorais e que vem sendo compelida ao pagamento de CIDE-Royalties.

*Thais Moraes
Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Especializada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Bacharel em Direito pela USP. Atua na área de consultoria tributária, com foco em planejamento de operações internacionais.

 

Daniella Galvão
Daniella Galvão

Sócia do escritório CQS – Cesnik, Quintino e Salinas Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Especialista pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET), onde atuou como professora em programa de pós-graduação lato sensu. Especialista em Direito do Terceiro Setor pela ESA/OAB. Diretora Institucional do Instituto Tatiana Vieira. Mentora de mulheres empreendedoras e startups pela B2Mamy. Atua na área de direito tributário, consultivo e contencioso e realiza planejamento tributário de novos negócios e de startups.

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