16 Junho 2021
Momento de revisões de paradigmas
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O país e o mundo vivem momentos complexos em todos os setores da economia. No setor de media, comunicação e entretenimento isso não é menos diferente, sendo que a pandemia foi um acelerador de partículas impressionante.
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O ambiente digital facilitou essa progressão, sem dúvida. O fato é que o mundo tendo girado mais rápido e o direito como vem a reboque dos fatos, foi rebocado com maior velocidade. Muitas coisas estão sendo revistas, e outras deverão ser, para dar conta dessas mudanças. Por todos os lados se percebem novas normas surgindo, ou perspectivas de revisão de outras, para dar conta de situações emergenciais, muitas decorrente da pandemia e outras como resultado dos novos paradigmas.
A Lei Aldir Blanc (14.017/20) que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, foi emendada pela Lei 14.150/21 prorrogando uma série de benefícios e situações. A proposta original sofreu 12 vetos presidenciais, por questões técnicas orçamentárias. Os vetos foram derrubados pelo Congresso em 1º de junho. Com essas prorrogações agora se torna necessário que os potenciais beneficiários atuem junto a Estados e Municípios na parte que lhes compete. Para o setor de produção audiovisual, as produções com recurso incentivados, a prorrogação por 2 (dois) anos, a partir de junho de 2020 para os prazos de aplicação de recursos e para as prestações de contas de projetos é bastante importante, pois ajuda a preencher o hiato em que as produções foram afetadas, que os produtores tinham seu funcionamento prejudicado, bem como a ANCINE ou a Secretaria da Cultura têm o funcionamento impactado pela pandemia. Para a Presidência, a derrubada de vetos também dá segurança jurídica de não ter agido em desfavor do orçamento.
Além disso foi aprovada a Medida Provisória 1025/2020, prorrogando até 1º de janeiro de 2023 prazo final para as salas de cinema implementarem os recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva ou visual. Esse é um assunto bastante complexo de se cumprir, notadamente diante das dificuldades existentes com relação à janela de libras, a linguagem brasileira de sinais. Há processos judiciais patrocinados pelo Ministério Público Federal, por não comungar com as dificuldades de implementação de capacidades que a lei previu, mas não combinou com as possiblidades técnicas do mundo real. Acrescente-se que a Lei original também previu que seriam franqueados recursos públicos para cumprimento dessas metas. No bojo da discussão dessa situação complexa, ainda chegou a surgir uma emenda do Deputado Otávio Leite (PSDB/CE) para ampliar essa exigência às plataformas de streaming, o que acabou sendo rejeitado pelos congressistas.
Também nesse período foi enfrentado pelo Congresso Nacional a celeuma criada por normativas da ANCINE, que, sem previsão legal, estenderam a incidência da contribuição conhecida como Condecine Título, para as licenças de direitos destinadas ao vídeo-sob-demanda e de publicidade também. Essa insegurança jurídica fazia pesar sobre as cabeças dos produtores e distribuidores brasileiros que licenciam conteúdos para oferta de vídeo-sob-demanda, seja em qualquer modalidade tecnológica o risco de incidência desse tributo.
Na verdade, na prática, essa cobrança nunca foi exatamente implementada de fato pela ANCINE, mas vem sendo um fator de enorme insegurança jurídica para os agentes econômicos brasileiros na comercialização desses direitos. Nessa discussão, criou-se a falsa impressão de que se estava isentando as plataformas de distribuição digital de internet da Condecine. Na verdade, essas plataformas, não são previstas como contribuintes desse tributo, mas sim aqueles que têm o direito de exploração econômica no Brasil, ou seja, aquele que tem direito de sublicenciar terceiros para explorar o direito, em síntese, o próprio produtor brasileiro ou os distribuidores locais intermediários de licenças de obras brasileiras ou estrangeiras.
Houve realmente uma enorme confusão destes conceitos, na comunicação. Uma política pública de fomento de obras audiovisuais brasileiras, sempre merece ser pensada e aprimorada. Novos modelos de negócio aparecem e sua inclusão para contribuir ao fomento precisa ser discutida e implementada de forma correta, direta, equilibrada e legal. Todavia, esse modelo de implementar regras via transversa não funciona mais e acaba prejudicando aquele que tem menos condições de resistir, ou seja, o pequeno, os locais, os brasileiros.
Dois locais para discussão para mais revisões de paradigmas podem ser vistos em breve. O Grupo de Trabalho formado no Ministério das Comunicações que discute a atualização do marco jurídico da televisão por assinatura é um deles. Ele tem como desafio a revisão do arcabouço legal e normativo visando trazer solução a dois problemas distintos. Se de um lado há uma demanda de curto prazo para liberalizar os mercados de produção e de distribuição de conteúdo audiovisual, de outro há uma demanda mais estruturante de modernização do arcabouço normativo de regulação da produção, programação e empacotamento de conteúdo audiovisual, inclusive conteúdo brasileiro. Explica ainda que precisariam ser abordadas as questões concernentes às relações comerciais entre agentes econômicos no setor, bem como o da harmonização do regime tributário aplicável. O outro seria o Conselho Superior do Cinema, que pode ser uma ferramenta importante de harmonização e reestruturação de uma política pública mais moderna e efetiva da produção audiovisual brasileira, menos burocrática.
Enfim, é importante que todos estejam com uma percepção de que os tempos são outros, que as mudanças estão bem mais rápidas. Por isso, soluções devem ser pensadas no maior consenso e no menor casuísmo possível, deixando de misturar-se políticas públicas de incentivo, com regulação de atividade econômica. Cada qual pode ser necessária, a seu tempo em lugar, sem que precisem trabalhar uma pela outra ou uma sobre a outra.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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