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Artigo / Panorama Histórico

26 Maio 2021

Uma reflexão sobre futuros possíveis no audiovisual

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Em momentos de incerteza, as reações mais percebidas no curso da história são a de reagir ou a de simplesmente observar possíveis caminhos. Uma análise comportamental, tanto de fundo emocional como de tendência mercadológica, ora “startada” pela economia, outra por momentos políticos adversos, se faz extremamente necessária para pensarmos em futuros possíveis e ampliar nosso campo de visão.

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A humanidade sempre desenvolveu artefatos para auxiliá-la de alguma maneira. Do homo sapiens até os dias atuais, o homem buscou aprimorar mecanismos para potencializar suas necessidades físicas e de produção para a redução do tempo de trabalho. Nos últimos anos, com a internet e com o desenvolvimento de novos equipamentos tecnológicos, cada vez mais acompanhamos tais fenômenos não somente atingindo o modo de produzir, mas também, os modos comportamentais diretamente afetados pelas novas formas de estar conectado com o outro e, por consequência, consigo mesmo.

 

Então, para pensarmos em entretenimento e sociedade seria preciso entendermos o que está por trás de tais tendências comportamentais e levantarmos algumas questões. Por exemplo, se a pandemia foi determinante para obrigar todos a saírem do modo automático e pensarem em soluções efetivas.

 

Entender comportamento, mais do que focar em público A ou B e de forma quantitativa, seria pensar em conjunto com as relações das práticas sociais, ou seja, sair do automatismo de uma pesquisa que reflete somente dados por demanda. Essa forma não é totalmente inadequada, pois oferece resultados rápidos, mas a metodologia acaba no mesmo círculo vicioso de olhar pontualmente somente para o problema e não ampliar a extensão dessa problemática, o que seria o ideal.

 

De certa forma, em 2020, fomos todos obrigados a tirar o pé do acelerador por causa da pandemia. Com isso tivemos oportunidade de pensar e refletir sobre como trabalhávamos. No audiovisual, produzindo novelas, tudo o que tinha sido organizado e estava pronto para gravar e até editar, teve que parar. Cenografia, figurino, externas, estúdio, tudo foi repensado. No cinema, salas fechadas por tempo indeterminado. Vínhamos somente atendendo demandas, conscientes de que era preciso mudar algumas coisas, mas deixando sempre para adiante.

 

Quando eu falo em sociedade e em novas formas de percebê-las recorro ao pensamento hegeliano, que nos ajuda a organizar o óbvio. Segundo sua teoria, o ser é um vir a ser, que procura superar-se num processo contínuo de transformação.

 

O homem tanto produz a sociedade como é produzido por ela. E dentro dessas relações, que estão sujeitas a inúmeras determinações, o veículo mediador se dá pelos papéis sociais, que existem independentemente do indivíduo, e o compreendemos como comportamento institucionalizado. Entender o equilíbrio entre a realidade objetiva e a realidade subjetiva fará que a socialização seja menos ou mais bem-sucedida.

 

Na nossa sociedade o indivíduo está sujeito não apenas às determinações originadas nas relações familiares, mas também a determinações ideológicas que lhe pressupõem papéis que, quando não mediados pela reflexão, são aceitos como naturais. Quem lembra no início da pandemia, onde o indício da sociedade do novo normal começou com a corrida ao supermercado para estocar papel higiênico? O sujeito passou a confundir papéis sociais com identidade e continuou na mesmidade de ser “feito-pelo-outro”.

 

O interesse ideológico é que não haja transformação do ser humano para que não haja transformação da sociedade. Hegel nos permitiu entender que há uma oposição entre aquilo que os seres são e suas potencialidades.

 

O pensamento hegeliano nos convida a refletir o que queremos de fato – que haja ou não transformação. Este é o acordo efetuado entre o indivíduo e suas próprias excentricidades orgânicas que, segundo Samuel Beckett, faz da vida uma sucessão de hábitos, posto que o indivíduo é uma sucessão de indivíduos e talvez seja esse o caminho a ser pensado como fazendo parte dessa urgência do contemporâneo.

 

Como historiadora trago as reflexões do passado para os dias atuais para pensar e entender o homem, por meio de pesquisas mais aprofundadas para compor o figurino. Com isso, acabamos percebendo e antecipando algumas questões, justamente por estarmos acostumados com essa dança que é o tempo, esse ir e vir que muitos chamam de tempo cíclico.

Vou tentar amarrar e começar a responder tais questões metaforicamente, por meio de um divisor de águas, muito familiar para mim, que foi a Escola dos Annales criada por Marc Bloch e Lucien Febvre que romperam com uma metodologia de estudar o passado, que não conseguia mais responder as questões do tempo deles. Eles trouxeram o conceito de história de maneira que pudesse ser analisada, discutida e modificada de acordo com novas propostas sugeridas. Resumindo, lembra da campanha publicitária do Canal Futura? Que citava Einstein – “o que move o mundo são as perguntas e não as respostas” – é por aí.

Bloch afirmava que a história é a ciência dos homens no tempo. Está claro que o homem atua no seu tempo e é um ser transitório, temporal e está sujeito a transformações. O tempo passa independentemente de nossa existência, mas de certa forma é a nossa consciência que visualiza o passar do tempo e as relações que são constituídas. Isso nos remete à individualidade, isto é, a participação de cada homem que atua no seu mundo do seu modo.

É a história dos homens em suas particularidades, relações, amores, sonhos, desejos, medos, constrangimentos, objetivos.

O ofício de historiador tenta compreender e não julgar os fatos, notem que esse texto é uma reflexão, um convite a reescrevê-lo e provocar desconforto. Cabe-nos então tentar relacionar os objetos de uma forma dialética considerando a totalidade e tendo em mente que também somos objeto nesse processo. É de extrema importância entender que a análise crítica é feita por questionamentos trazendo novas questões onde o debate produz conhecimento. O homem é o ser que constrói e desconstrói, então é necessário entender que nós somos os responsáveis por produzir histórias.

Também precisamos pensar em que bolha é essa que estamos imersos, para quem estamos falando. Será que a forma que estamos abordando determinados pontos criam novas bolhas? Sul e sudeste, norte e nordeste, tudo entra? E classe social, gênero, cor, alguém é capaz de abarcar tudo? Nem vou pirar filosofando esses pontos, porque aí corro o risco de fazer como um professor que eu tive na graduação, que quando foi falar sobre a 2ª Guerra Mundial voltou tanto que foi parar no big bang. E aí alguém pode interpretar que o que não deu certo foi a humanidade, né?

Tenho pensado televisão ou cinema, a partir das estruturas e conjunturas das médias e longas durações, pelas possibilidades X probabilidades. Imagine todos considerando uma forma de levar as pessoas às salas de cinema, oferecendo experiências diferenciadas para concorrer com o conforto de casa e com a qualidade das imagens digitais dos aparelhos de TVs. Investem em aparato tecnológico, projetores de alta qualidade, som e poltronas reclináveis. Nesse caso, nem falo em conteúdo, porque é uma via de mão dupla, já que, muitos produtos audiovisuais são pensados para vários formatos, como streaming e até mesmo para internet IGTV.

Será que isso é o suficiente para atrair o público para o cinema? Será que a experiência não seria outra, além de conforto e aparato tecnológico, elevando-se ao nível da experiência compartilhada no coletivo, no subjetivo do antes, durante e depois do filme em si? Qual público você quer levar para o cinema? Enfim, não podemos apostar com base no desejo de possíveis demandas ou cenários olhando somente para o problema em si, ou seja, na polarização casa X cinema.

Por qual contexto estamos olhando quando falamos nas produções audiovisuais, na indústria como um todo, que na atual circunstância é totalmente diferente, mais dinâmica e global e ao mesmo tempo com desejos de simplicidade, vide o último vencedor do Oscar, Nomadland?  As pessoas também são outras, são outros contextos e ainda temos o espaço econômico, social e cultural, onde estivermos inseridos.

Precisamos pensar por qual ângulo estamos olhando para tentar dar conta de uma indústria que por um lado foi aclamada pelo público, quando partimos para as falas do senso comum, onde teve um aumento do consumo de vídeos e que, talvez, a grande maioria nem se dê conta que tudo isso é uma indústria que a entreteve nos piores momentos da pandemia, que gera empregos e renda para inúmeras classes familiares.

Posso dizer que toda essa introdução foi pensando na área em que estou inserida, na televisão e no figurino – direção de arte. Como é uma das áreas que abarca o maior contingente dentro de uma produção, completando o triple, com a fotografia e a direção geral, ela dentre todas as outras tem a pegada mais criativa e subjetiva, porque ao trabalhar com o embelezamento da cena, precisamos acessar os não ditos, elementos que estão suspensos, abstratos, então precisamos ser o intermediário entre o campo das ideias do diretor e da expectativa de estética dos atores.

Vestir a cena nos diz sobre olhares e sensibilidades, mas também sobre uma lógica para entregarmos o que é esperado pelos complementares e aos diferentes agentes.

Se o cenário é o local onde o texto começa a se tornar visível, o figurino é o espaço de contemplação e dos elos estabelecidos entre a emoção e a exposição por parte de quem vai vestir. O figurino faz parte da comunicação na cena e conecta memórias e afetos.

Muitas vezes, nos lembramos de uma ocasião específica pelo tipo de roupa que vestimos. Nas modernas sociedades ocidentais é usual a ideia de roupa de festa, roupa de enterro, roupa de casamento. Os trajes fazem parte de nossa história pessoal por estarem intimamente envolvidos com os eventos mais importantes de nossas vidas, por isso para vestir cenário ou pessoas é necessário ter esse exercício de ir a fundo nas histórias de vidas, pois esse conhecimento que ajuda a entender a personalidade do personagem e dividir com o diretor suas expectativas. Vestir e embelezar a cena exige um conhecimento anterior do que o próprio texto, pois sabemos que nossas roupas e adereços revelam nosso sexo, idade, classe social ou mesmo nossa intenção comportamental e cultural de chocar, influenciar, orientar, ressignificar expectativas e, muitas vezes, fornecem informações importantes a respeito de nossa ocupação, origem étnica, gostos e estado de espírito.

Os trajes fazem parte das relações que envolvem os cerimoniais e os eventos. São descritos como condições para se ter acesso a um determinado acontecimento, esse entendimento que nos faz refletir sobre estereótipos e partimos sempre da conclusão que precisa ser comunicável para todos, mesmo para aqueles que não é um habitué das artes.

A roupa é a expressão da imagem que você quer oferecer. Ela pode ser uma maneira de uma marca de moda se identificar com sua audiência, pode servir para comunicar valores em um spot publicitário ou para representar o caráter e os tempos de um personagem fictício em uma obra audiovisual. As imagens na cena não dependem apenas dos projetistas, também é da responsabilidade dos figurinistas, que projetam roupas por meio de uma mensagem. O figurino trabalha como uma reengenharia tanto estrutural como superficial, o que quer dizer que ele readaptará o corpo conforme as exigências estéticas exigidas no roteiro. O corpo é que estabelecerá a ponte entre realidades múltiplas na interpretação do ator com o cenário. O corpo passa a ser uma tela de projeção de uma história a ser contada.

Foucault fala que o corpo real é sempre o vetor de onde a roupa parte, seja para exaltá-lo, seja para anulá-lo simbolicamente ou transformá-lo em parte da cena. Para outros autores, que pensam a subjetividade da roupa, o corpo que vai estabelecer um limite, por meio do vestuário constitui a fronteira entre o eu e o não eu, pois as roupas residem no fato de ligarem o corpo biológico com o ser social, e o público com o privado e estabelecer a unidade perfeita no ato de representar. O figurino, sendo uma extensão ou uma parte do corpo, é um artefato utilitário, comunicacional e simbólico na hora de fazer entender qualquer narrativa, real ou fictícia.

Tudo isso, para voltar ao início desse texto e pensar nas produções audiovisuais. A minha linha de raciocínio vem da experiência de mais de uma década com televisão, analisando as duas partes, tanto pelo olhar que conhece os bastidores e o fazer televisivo, como pelo de espectadora, compartilhando aqui, não um texto determinista, mas refletindo sobre macros e micros situações dentro dessa área como um todo, e como tudo isso abala a forma de trabalho dentro das produções.

Por isso quando começamos a refletir o macro, sobre a atual situação das salas de cinema, sobre futuro das produções audiovisuais, sobre casa versus cinema, sobre investimentos, sobre política pública, patrocinadores, enfim sobre futuros possíveis, precisamos parar e pensarmos o que queremos apresentar é compatível com o que o público deseja? E como será esse público daqui para frente?

No fundo esse texto foi para chamar a atenção não somente para os desafios e conquistas que a área do audiovisual vem atravessando, mas também um momento para refletir a visualidade do espaço da direção de arte, muito mais do que somente o estético. Para os que trabalham na área do figurino é preciso entender o poder da comunicação das roupas, se ela remete ao campo ligado à futilidade, gerado por algum viés da indústria da moda ou se acham que roupa é só algo para proteger das intempéries ou cobrir as vergonhas, também sinto informar que não é tão simples assim.

Áreas criativas que trabalham com linguagem visual não podem ser entendidas somente por dois lados antagônicos, pois se um remete a linha da filosofia e o outro nos fala sobre pecado e a origem do vestir, negam uma terceira vertente, que é o da expressão da subjetividade, do encontro do eu psicológico com o eu social. Ou seja, uma forte e eficaz força comunicacional que não pode ser colocada em segundo plano, uma força de expressão que as produções precisam ficar atentas, que os diretores ou produtoras precisam compreender além de pensar que é somente costurar ou colocar um papel de parede na tapadeira ou uma poltrona num determinado canto.

A força visual que a área da direção de arte carrega tem a comunicação, muitas vezes, mais efetiva para chamar a atenção do grande público do que uma linda fotografia. O fato é que uma produção audiovisual é coletiva e de compartilhamento, o “triple” é a organicidade e plenitude de uma história bem contada, despertando emoções com toda sua força.

Para finalizar esse texto, refletimos sobre as relações internas do fazer audiovisual ou as políticas de distribuição, salas de cinema, conforto versus experimentações, sobre o panorama dessa grande indústria que foi radicalmente remodelada pela dinâmica da internet, com a origem de novas abordagens de conteúdo, plataforma e monetização. Um dado para reforçar esse ponto, a previsão anual da Cisco Visual Networking Index, relatório que a empresa entrega todo ano, desde 2011, já previa que o número de dispositivos conectados à rede seria de mais de 15 bilhões, o dobro da população mundial, até 2015. Ano passado, um novo relatório com previsão até 2023, avaliou a transformação digital em vários segmentos de negócios e daqui a dois anos, 66% da população global terá acesso à internet, com aproximadamente 5,3 bilhões de pessoas, com 30 bilhões de dispositivos/ conexão, 45% deles móveis. O diretor da Cisco no Brasil, confirma a mesma tendência de alto crescimento, e em alguns casos superando as projeções globais, afirmando que o número de usuários de internet no Brasil representará 92% da população em 2023, superior aos 66% esperados globalmente. Associado a isso, a velocidade média da banda larga móvel crescerá a um ritmo superior ao global, ou seja, não adianta querer, dar um passo além, se áreas como cinema ou TV, não discutirem seriamente o que tudo isso vai provocar nos modos de ver e no comportamento do consumidor.

A impressão que tenho, com a minha experiência e antiga participante de um grupo de inovação (I9) e discussão na televisão, que apesar de conhecermos a técnica há bastante tempo, continuamos discutindo e abordando temas antigos e não criando novos caminhos, onde estamos sempre correndo atrás, quando poderíamos estarmos correndo na frente, uma vez que tanto o cinema como a televisão possuem uma longa jornada no país. A essa altura teríamos posições bem definidas se as discussões realmente tivessem saído do lugar comum e avançado sobre os novos tempos e sobre o tempo que estamos com as pessoas e onde estamos quando contamos uma história – e essa história agora está viajando ao redor do mundo, em todos os tipos de dispositivos e não podemos mais fechar os olhos para essa realidade, gostando ou não.

Luciana Andrzejewski
Luciana Andrzejewski

Graduada em História, Mestre em Memória Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Trabalhou treze anos como pesquisadora nos acervos de figurino e cenografia da Rede Globo e atuou como professora e coordenadora em diversas Universidades no Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente, atua como professora na disciplina de Direção de Arte, na Faculdade de Cinema e Audiovisual da ESPM e no figurino da nova novela das 18 horas, com estreia prevista para agosto de 2021. Interessa-se por Análise da Informação, História do Futuro e Engenharia Semiótica – na Interação Humano Computador.

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