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Artigo / Ensino & Formação Audiovisual

19 Maio 2021

O lugar do Streaming

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“Vivo sempre no presente.

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O futuro, não o conheço.

O passado, já o não tenho”

Fernando Pessoa. 

 

Sábias palavras de Fernando Pessoa ao contemplar o breve momento presente que se torna ausente no cotidiano incoerente da sociedade vivente.

Imersos em nossos dispositivos eletroeletrônicos, nos perdemos de nossa realidade contemplando simulacros na virtualidade.

O homem é um animal social, temos necessidade de estabelecer vínculos e de mantê-los ativos. Quando o mundo externo se fecha, nos resta interiorizar nossa existência em todos os níveis: profissional, emocional, social e individual.

Qual foi a ultima vez que você se permitiu ficar sozinho, em silêncio para rever um filme preferido? Através de quais imagens você teve a oportunidade de escapar, fugir, sonhar, viajar e conhecer algo tão distante da sua realidade? Qual foi a ultima vez que você resolveu se conectar com algo diferente do que estava acostumado e se pegou viciado em uma série sobre algo que te lembrou de um legado do tradicional passado em que sentávamos lado a lado para jogar xadrez? Quando você que não é do audiovisual e não trabalha ligado a esse setor teria a oportunidade de se deparar com um filme como “O Irlandês", em uma terça-feira chuvosa, pós expediente? Pois é, quando estamos em casa, mesmo que enclausurados ,fomos presenteados pela nossa própria capacidade de adaptação. Estamos "nomademente" sedentários buscando sensações reais através do mundo imaginário, e ainda bem que estamos… Para continuarmos vivos precisamos seguir sonhando e mesmo que de forma imaginaria andar contemplando o lugar externo que preenche o nosso interior.  O streaming é um presente do presente oferecendo a passagem para viagem de uma sociedade que incorporou de forma hipertrofiada o Nomadismo virtual.

Por vezes ficamos perdidos nos catálogos gigantescos e passamos mais tempo lendo títulos ao invés de assistirmos algo que realmente gostaríamos, temos tanta coisa para ver que não assistimos nada, cabe a nós não fazermos do streaming o “tinder" do audiovisual, curadoria e cautela são fundamentais. E ao mesmo tempo não podemos deixar de reconhecer a inegável importância dessas plataformas e suas exuberâncias dentro de nossa limitada rotina viral.

Em dois anos de pandemia, quero perguntar a você, caro leitor: Quem foi sua maior companhia? Quem estava com você quando ninguém mais poderia estar? Quem filtrou seus sonhos baseando-se no que você assistiu no verão passado? Talvez ele seja nosso novo namorado o que  não substitui nosso amor pelo sagrado…

Para cada revolução viral, neuronal ou social um novo meio tecnológico que é por si uma grande mensagem. O teórico canadense Marshall McLuhan em seu texto: “Os meios de comunicação como extensões do homem”,  afirmou que para cada momento da humanidade sendo tribalizada, destribalizada ou retribalizada, nós criamos aparatos técnicos que são extensões dos nossos corpos e dos nossos sentidos, vamos deixando rastros da nossa memória em dispositivos e muitos deles se tornam indispensáveis para manter nossa criatividade e esperança ativos. Se a caneta é uma extensão do dedo, o streaming é a extensão cinematográfica para nosso ambiente privado, obviamente de forma fragmentada e difusa, e por vezes nos relacionamos com ele de modo distraído em uma contemplação fugaz. Quem diria que o temido fast-food do audiovisual salvaria a possibilidade de mantermos nossas expectativas de celebrar  lançamentos e de aplaudir os vencedores do Oscar…Quem diria que ele realmente permitiria que o cinema permanecesse conosco meio a pandemia…

Nós temos um vírus que destruiu nossa rotina e que por isso permitiu que de alguma forma nosso cotidiano parasse  por uma hora ( hora essa que você estaria no trânsito voltando de uma longa jornada de trabalho) e respirasse diante da tela. Alimentando esperança para seguir em frente. O streaming é eficiente. E veio para namorar conosco quando o cinema é proibido.

Streaming, querido Streaming,  confesso que você não substitui minha real paixão pela grande sala. No entanto, preciso reconhecer que você tem sido um bom amante, e enquanto meu amado não volta dessa longa viagem, eu vou passar contigo outras belas noites e infinitas madrugadas.

Streaming, você tem o seu lugar e eu te agradeço por isso. 

Ana Júlia Ribeiro
Ana Júlia Ribeiro

Ana Júlia Ribeiro é apresentadora; Mestre de Cerimônias da Expocine; Professora de Teorias da Comunicação e Direção de Atores e Apresentadores nos cursos de Cinema, Jornalismo, Relações Públicas, Rádio e Televisão e Produção Audiovisual da FAAP; Membro e Pesquisadora do Complexus - Núcleo de Estudos da Complexidade de Edgard de Assis Carvalho. Possui Bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV e mestrado em Ciências Sociais - PUC - SP.

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