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Artigo / Ensino & Formação Audiovisual

07 Maio 2021

O status do cinema como arte e os primeiros cineclubes - Parte 01

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Enquanto o cinema como técnica esteve pautado na formação de mão de obra desde o início do século XX, por se mostrar um entretenimento que atraia grandes massas, o seu status de arte, que mereceria ser refletida como tal, demorou um pouco mais para nascer.

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As primeiras tentativas de teorizar o cinema como “linguagem” não o tratavam de forma autônoma, necessariamente utilizando de metodologias próprias da música e, principalmente, do teatro:

 

                 Na França, um círculo de entusiastas do cinema comparou-o incessantemente com a música, concentrando-se em sua capacidade de moldar o fluxo e a aparência da realidade. Seguindo os passos iniciais de Ricciotto Canudo, e sob a bandeira levantada por Louis Delluc, líder do movimento de vanguarda do cinema francês até sua morte, em 1924, esse grupo não apenas queria ver o cinema considerado uma arte, mas insistia em que era uma arte independente. Inúmeros ensaios desse período (1912-1925) diferenciavam em altas vozes o cinema e o teatro (ANDREW, 2002: 21)[i]

 

Por isso, sempre quando falamos sobre as primeiras teorias sobre cinema, citamos Hugo Münsterberg como um dos marcos, através de sua obra de 1916, The Photoplay: A Psychological Study embora um ano antes, nos Estados Unidos, o poeta Vachel Lindsay tenha publicado The Art of the Moving Picture.

Münsterberg acaba por ser alcunhado, por muitos, como o pai da teoria cinematográfica, por ter logrado formular uma teoria que fundamentava o valor artístico do filme, defendendo uma analogia entre os dispositivos deste e processos mentais

Consta que coube ao italiano residente na França, Ricciotto Canudo, no início do século XX, a iniciativa organizar uma associação de ativistas de diversas artes, arquitetura, poesia, pintura e música, a fim de os aproximar do cinema que, como se sabe, no início se resumia a uma curiosidade de feiras e parques.

Esta organização foi chamada de Club des Amis du Séptime Art-Casa que após a morte de Canudo, em 1923, fundiu-se com Le Club Français de Cinéma.  Canudo, além de precursor dos cineclubes é considerado um dos primeiros expoentes da teoria cinematográfica e autor do termo “sétima arte”.

Essa era a primeira característica do cineclubismo uma reunião de pessoas amigas que apreciava o cinema e queria assistir e debater os filmes de forma privada e privilegiada

Formalmente o primeiro cineclube foi criado na França por Louis Delluc, com estatutos divulgados pela revista Ciné Club. Ainda na França, em 1925, o cineclube Tribuna Livre do Cinema passou a organizar reuniões semanais, com sessões e debate.

Nos anos seguintes, principalmente no pós Segunda Guerra, os cineclubes se espalharam por toda a Europa, sempre com o caráter não comercial e com o objetivo precípuo de não só cultuar o cinema mas, e principalmente, compartilhar e aprofundar saberes e reflexões, sendo o estopim de diversos movimentos de realizadoras e realizadores, essenciais à cinematografia internacional, como os que compuseram o Neo Realismo, a Nouvelle Vague e os cinemas novos. Em 1947, no Festival de Cannes, diversos países, não só europeus, criaram a Federação Internacional de Cineclubes- FICC

Voltando ao Brasil, vale lembrar que o cinema dessas primeiras décadas do século XX ainda engatinhava e, como mencionei no artigo para a Exibidor de abril de 2021, A DÉCADA DE 1920 E A FORMAÇÃO EM CINEMA NO BRASIL. No início dos anos de 1920 as primeiras “escolas de cinema” foram abertas pelos cavadores apenas com o intuito de ensinar algumas técnicas, principalmente para atores e atrizes, e eram, muitas vezes, consideradas fraudes, exploração de mão de obra barata e “antros de prostituição”. Assim, o status do cinema como arte, como linguagem que merecia estudo, estava muito distante de qualquer esforço sistêmico em nosso País.

            Ainda como ilustração da disparidade da situação brasileira com a de uma grande parte do mundo, na época supra mencionada, ocorreu, em 1° de setembro de 1919.  a primeira iniciativa de investimento em estudos cinematográficos no mundo, com a fundação da Gosudarstvenyi Institut Kinematrographii, - GIK- Instituto de Cinematografia Estatal da União, na então nascente República Soviética.

Então nesse cenário nacional, em que cinema era realizado de forma bastante rudimentar e sem grandes meditações, o aparecimento dos cineclubes permitiu um enorme salto de qualidade, propiciando o surgimento de publicações próprias sobre esta arte e a aglutinação de interessados que viriam a se tornar pesquisadores, críticos e até realizadores cinematográficos.

Estudar e difundir o cinema como arte, foi tarefa assumida pelos primeiros cinéfilos nos cineclubes brasileiros, como contarei no próximo artigo para a Exibidor.

 

[i] Andrew, J. Dudley. As Principais Teorias do Cinema- Uma Introdução. Tradução, Teresa Ottoni. — Rio de Janeiro: Zahar, 2002

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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