27 Abril 2021
A nova cauda da exibição de nicho
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Dados de acompanhamento do mercado da Ancine, referentes aos dois primeiros meses de 2021, explicitam a situação dramática do circuito exibidor brasileiro: se comparado ao mesmo período em 2020, antes das salas terem sido fechadas pela pandemia, a queda da venda de bilhetes atingiu quase 93%.
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Em debate virtual promovido pela 44ª Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro, três dos principais exibidores dos circuitos independentes do Brasil – Adhemar de Oliveira, André Sturm e Jean-Thomas Bernardini – já destacavam a situação dramática do setor e a necessidade de novas ações para mitigar os efeitos da pandemia. Sentindo naquele momento os impactos de meses de salas fechadas e uma volta tímida da plateia após a reabertura, o trio destacou ali a importância de 2021 ser um ano muito melhor para conseguirem manter suas operações. A realidade, como se sabe, foi muito diferente em relação à expectativa dos empresários.
Tal situação levou André Sturm, do Petra Belas Artes, em São Paulo, a fechar seu cinema por tempo indeterminado e demitir parte de seus funcionários, mesmo antes de o estado de São Paulo decretar a nova fase vermelha da pandemia em março deste ano. A previsão é que o cinema só volte a abrir suas portas em junho. Já o Reserva Cultural, de Bernardini, e o circuito Itaú da Augusta e Arteplex, de Oliveira, outros dois templos dos cinéfilos de São Paulo, também seguem de portas cerradas, reabrindo – e fechando – conforme a pandemia permitir.
Filmes, contudo, só se tornam cinema quando chegam a seu público. O trio de exibidores sabe disso muito bem. Além de experientes donos de salas, são também distribuidores de filmes independentes. Enquanto Oliveira criou a Filmes da Mostra, antes da pandemia, Bernardini mantém, há mais de três décadas, a Imovision, especializada principalmente em cinema europeu, enquanto Sturm é o proprietário da Pandora, não por acaso uma das maiores abastecedoras das telas do Petra Belas Artes.
O fato de também serem distribuidores abriu caminho para que Bernardini e Sturm desenvolvessem uma nova estratégia para enfrentar a pandemia. Em outubro do ano passado, durante a edição virtual do Expocine, o proprietário do Petra Belas Artes anunciou ao mercado a unificação de seus três negócios em um único empreendimento: o Belas Artes Grupo, que reúne a Pandora, as salas de cinema e o À La Carte, plataforma de streaming por assinatura criada por Sturm com os títulos da Pandora ainda no final de 2019, antes, portanto, do mundo sequer imaginar que teria de ficar em casa.
Por sua vez, com uma carteira de 38 filmes aguardando lançamento nas salas de cinema em 2021, Bernardini anunciou no início de abril a criação da Reserva Imovision, uma plataforma de streaming por assinatura que entrou no ar no dia 21 de abril. Com mais de 250 títulos da distribuidora, entre filmes e séries, a iniciativa, a exemplo do que já faz a À La Carte, atenderá a um público consumidor altamente de nicho que, frequentemente, reclama da falta de títulos “de arte” nas plataformas mainstream de SVOD.
Além disso, como destacou Maria Beatriz Vilela, em palestra promovida pelo Centro Acadêmico da ESPM de São Paulo, em abril, o lançamento dessas plataformas de streaming por distribuidoras ligadas diretamente a circuitos exibidores independentes possibilita a ampliação da cauda de monetização destes filmes cujos direitos patrimoniais para exibição no Brasil são negociados em festivais internacionais e normalmente duram de cinco a dez anos.
Iniciativas perenes, as plataformas ligadas ao Reserva Cultural e ao Belas Artes não deverão se extinguir após o fim da pandemia. Mesmo porque, após mais de um ano trancados e a multiplicação de plataformas de streaming poderosas no País, como a Paramount + e a HBO Max, que deve passar a operar por aqui em junho, a expectativa de todo o setor exibidor é que haja um novo comportamento no consumo de audiovisual.
Cada vez mais, portanto, as salas de exibição terão que ofertar ao público experiências diferenciadas para que saiam de suas casas para verem um filme. Com os amantes dos chamados “filmes de arte” a situação não deverá ser diferente. A pandemia apenas levou empresas como o Belas Artes Grupo e a Reserva Imovision a anteciparem uma tendência de mercado que, cedo ou tarde, um dia também atingiria os cinéfilos de carteirinha.
Márcio Rodrigo | marcio.ribeiro@espm.br
Professor do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP, doutor em Comunicação e Artes pela UNESP e jornalista.
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