09 Abril 2021
Os NFTs são uma bobagem
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Perdoem o título chamativo, mas gostaria de falar justamente a quem acredita que os NFTs são apenas uma modinha passageira. Sinto desapontá-los, mas não são.
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Para quem ainda não sabe o que é NFT (Non-fungible token), trata-se de um registro criptográfico em blockchain que não tem outro equivalente no mundo (infungível). Um bitcoin também é um registro criptográfico em blockchain, mas não é único no mundo no sentido de que qualquer bitcoin é igual a qualquer outro Bitcoin, como moeda que é. Já o NFT que representa a titularidade de uma xilogravura específica de Santidio Pereira não é igual a nenhuma outra.
Talvez não seja uma completa revolução nos mercados de colecionaveis e de arte, que seguem existindo como sempre existiram; talvez não sejam uma revolução tecnológica, como efetivamente não são (as blockchains já são velhas conhecidas). Mas ajudam a resolver um problema desses mercados mencionados, que é o enorme custo de transação dos ativos.
O AirBnB não inventou o "coachsurfing" nem o aluguel de curta temporada, mas encontrar uma boa e confiável acomodação em, digamos, Paraty Mirim, onde não há nem energia elétrica nem sinal de telefone, tem um custo de transação que naturalmente dirige viajantes à busca de alguma pousada ou hotel nos arredores - realidade inteiramente modificada no mundo pós-AirBnB, que mostra fotos, preços e recomendações, além de classificar os locadores e fornecer meios de pagamento parcelado. O custo de transação cai a ponto de o bem se tornar acessível a quem não entende nada de Paraty Mirim.
Se você, leitor, quisesse comprar os direitos sobre uma gravação do Milton Nascimento, digamos, como você faria? Para quem escreveria ou ligaria? Quanto custa? Será que o Milton Nascimento quer vender esses direitos? Será que ele já vendeu para outras empresas ou pessoas? Será que ele vai aceitar vender para você ou você não passaria nem da porta de entrada? Ele pode gravar de novo a mesma música? Preciso de um advogado especializado?
Ora, resolver todas essas questões faz com que o custo dessa transação seja altíssimo, e a restringe ao alcance de uns poucos atores que sabem respondê-las. Se é possível comprar uma ação na B3 via home broker, por qual motivo um outsider da música compraria direitos sobre uma gravação, arcando com tamanho custo de transação?
É aí que a criação de tokens representa uma mudança interessante para esses mercados. Um NFT com preço definido, disponível em uma loja de NFTs (ou vendido diretamente pelo criador) que representa os direitos sobre aquela gravação do Milton Nascimento responde a todas essas perguntas que fizemos, praticamente igualando o custo de transação desse bem ao de uma compra simples no iFood ou no Mercado Livre.
Algumas questões novas, evidentemente, vêm à tona. Foi mesmo o Milton Nascimento ou seu representante quem criou esse NFT? Ou seja: se eu comprá-lo em uma loja de NFTs, estarei realmente comprando os direitos? Se eu quiser receber pela execução pública dessa gravação, as entidades de gestão coletiva aceitarão meu NFT como prova de que os direitos são meus? O mercado da gestão coletiva está pronto para uma "terceirização em massa" das titularidades sobre os direitos em questão?
Não há respostas seguras, ainda, para essas questões, nesse mercado em franco desenvolvimento. Vamos, provavelmente, ter que respondê-las ao longo dos próximos anos. Por enquanto, se alguém souber de um NFT sobre um pedacinho que seja da linha de baixo do "Superstition" de Stevie Wonder ou sobre um Marc Chagall, tenho interesse.
Ygor Valerio
Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Graduado em Direito da Propriedade Intelectual pela FGV/SP, ocupou cargos jurídicos de liderança em grandes empresas multinacionais de tecnologia e foi Vice-Presidente Jurídico da Motion Picture Association – MPA para a América Latina, tendo adquirido ampla experiência em temas jurídicos em diversas jurisdições como México, Argentina, Peru, Colômbia, Uruguai e Chile. É secretário-adjunto da Comissão de Direitos Autorais do Conselho Federal da OAB e Co-coordenador da Comissão de Estudos de Direito Autoral da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI). Foi Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Combate à Pirataria do Ministério da Justiça (CNCP) entre 2015 e 2020.
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