18 Maio 2018
Mesmo ausente, Netflix ainda é uma forte presença em Cannes
Há vários painéis de discussão sobre esse assunto durante o 71º Festival de Cannes
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Ainda que tenha dominado o Festival de Cannes do ano passado o debate sobre os filmes produzidos pela Netflix serem ou não “legítimos” se não forem lançados nos cinemas, este ano parece que o assunto está sendo levantado menos abertamente. Talvez porque, depois de enfrentar críticas por selecionar dois filmes da Netflix para a competição oficial em 2017 - Okja, de Bong Joon-ho, e The Meyerowitz Stories, de Noah Baumbach - esta edição deixou claro que os títulos dos serviços de streaming não são mais bem-vindos. Pelo menos não na competição.
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Na verdade, essa regra funciona para qualquer filme que não tenha um plano de lançamento nos cinemas da França. Esse é o ponto crucial do problema: qualquer filme que seja lançado nos cinemas franceses deve esperar 36 meses antes de estar disponível em serviços de streaming como aqueles oferecidos pela Amazon e Netflix. É desnecessário dizer que não há lançamentos de filmes com data marcada na França.
Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cinema de Cannes, disse ao site Le Film Français em abril que achava que poderia convencer a Netflix a lançar os títulos selecionados nos cinemas. Assim como muitos que já haviam tentado convencer a Netflix a distribuir seus filmes em uma janela cinematográfica exclusiva, ele não conseguiu – o que gerou boatos de que ele quase havia perdido o emprego por causa do tema. Este ano, Frémaux havia sido citado falando da Netflix: "... eles entendem que a intransigência do modelo deles hoje se opõe ao nosso".
A resposta de Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, foi rápida: “No ano passado, celebramos juntos a arte do cinema em Cannes. A divergência está nessa decisão de definir a arte por meio do modelo de negócios. Dessa forma, sim, divergimos".
A Netflix ainda pode pleitear ter seus títulos exibidos fora da competição, mas se recusou a fazê-lo, pelo menos neste ano.
Com títulos da Netflix, Amazon e afins sendo considerados persona non grata na competição de Cannes, parece que o mesmo se aplica a fazer perguntas diretas sobre os serviços de streaming aos membros do júri da seleção oficial do festival em 2018. No ano passado, “a questão da Netflix” foi abordada sem pudores pelo presidente do júri, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que sugeriu, de forma um tanto humorística, que o que define um verdadeiro filme é o tamanho da tela em que ele é visto: ela não deve ser menor do que a cadeira em que você está sentado.
Este ano, no entanto, quando o júri se reuniu com jornalistas no dia da abertura do festival, o assunto foi abordado de uma forma mais indireta, sem nomear a Netflix. Em vez disso, a questão se concentrou na importância e na relevância do cinema em um momento em que grandes telas de televisão baratas e um suprimento ilimitado de conteúdo em streaming recebem críticas por afastar o público dos cinemas.
“Isso é mais relevante do que nunca, especificamente em um momento em que a verdade na mídia está em perigo", apontou o cineasta franco-canadense Denis Villeneuve. O diretor de Blade Runner 2049, que teve seu filme Sicario exibido em Cannes em 2015, disse: “Acho que o cinema tem o papel de trazer a verdade para a tela. É algo fundamental e acho que o cinema é hoje mais importante do que nunca”.
Ao discutir a importância que os filmes desempenharam em sua vida, Ava DuVernay, diretora norte-americana de Selma e Uma Dobra no Tempo, chegou mais perto de mencionar os serviços de streaming, um dos quais (Netflix) produziu seu segundo filme 13th.
“Foi assim que, sendo de Compton, Califórnia, eu pude entender a humanidade de uma família no Irã ou em Xangai. Não havia nada lá fora que me orientasse ao meu lugar no mundo. Foi o cinema que fez isso”, disse DuVernay. “Foi o cinema que me permitiu afirmar minha voz no mundo. E acho que é por isso que Cannes é tão importante. Cannes une a todos nós, de todas as partes do mundo, onde quer que estejamos, em um local de encontro, para afirmar nossa voz e nos comunicar por meio do cinema. Então, seja em uma sala de cinema ou não, ainda é cinema. Acho que esta é uma questão que os artistas e os executivos da indústria estão debatendo agora, o que é um filme. Mas o filme é uma história contada por um cineasta e não creio que a maneira como esse conteúdo é apresentado ao público tenha relação sobre ele ser ou não ser um filme”.
O fato de haver vários painéis de discussão sobre esse mesmo assunto durante o 71º Festival de Cannes serve apenas para ressaltar os comentários de DuVernay.
J. Sperling Reich
É sócio da Covergent, uma empresa que presta consultoria, orientação e apoio às indústrias de mídia e entretenimento. É também editor-executivo da Celluloid Junkie, uma base online líder no setor dedicado ao mercado global de filmes e cinema. Além disso, Sperling é especialista e consultor renomado em tecnologia de cinema tradicional e digital.
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