26 Março 2021
Telenovelas no Streaming
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Como sabemos o mercado audiovisual vive um período de reinvenção.
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Uma notícia recente fala da intenção da Netflix em criar telenovelas, entrando no concorrido mercado ocupado apenas pela Globo e Record. Uma decisão estratégica, pois o acesso às plataformas têm chegado rapidamente às classes populares, acostumadas a consumir telenovela. A investida da Netflix já começou com a criação de um casting de starsystem algo fundamental para fidelizar o público à plataforma.
A estratégia da Globo também parece acertada. Ciente do poder de sua marca e da fidelidade de seu público, a Globo tem conseguido converter espectadores da TV aberta em assinantes da Globoplay, inclusive oferecendo telenovelas clássicas e conteúdo exclusivo do BBB.
Vale refletir um pouco mais sobre o que significa fazer telenovelas. Temos que buscar dar tiros certeiros e, por isso, a reflexão é fundamental para escolher as estratégias corretas. Ao falarmos de uma telenovela, por exemplo, falamos ao menos de dois aspectos diferentes: formato e gênero.
O formato da telenovela é ligado ao modelo de produção e exibição. Resulta em uma obra com uma imensa quantidade de capítulos e uma narrativa multiplot, com várias histórias simultâneas. O modelo de criação também influencia no formato, pois a telenovela é uma obra aberta, ou seja, uma obra que é escrita enquanto está sendo exibida . Isso permite mais interatividade com o público, que assiste diariamente e ao vivo. Será desse formato que a Netflix está falando ao falar de fazer telenovelas? Será que funciona? Não tenho certeza. A Disney já voltou a ideia de produzir seriados semanais, que também permitem a criação de narrativas mais abertas. Esse debate entre os modelos de produção e formatos de dramaturgia será um dos temas dos próximos anos e precisamos de pesquisas e testes para entender o comportamento das audiências
O que eu sei com certeza é que - para além do debate do formato - é possível conquistar mais público para os streamings usando temas e histórias típicas do gênero Telenovela, mais ligado aos enredos melodramáticos. Muitas séries internacionais de sucesso usam bem o melodrama , mas o gênero é esquecido por alguns criadores de séries brasileiras que, na luta por se diferenciar das novelas, abandonam o gênero. Um erro. As séries espanholas, coreanas e israelenses, por exemplo, tem mostrado com o uso consciente do melodrama pode criar boas séries televisivas Acredito que a influência da Telenovela é saudável até mesmo para os seriados. Pessoalmente, posso afirmar que meus anos de experiência como colaborador de telenovelas me ajudam na hora de despertar a emoção nos públicos de seriados. Um exemplo: “Unidade Básica”, série que criei e está disponível na Globoplay, não hesita em usar o melodrama.
Acredito que nos próximos anos surgirão séries que dialogam com os temas de novelas, mas a atualizam para um formato e uma linguagem mais ágil, típica das séries. Conseguirão assim conciliar o público mais adulto, conhecedor e fã das novelas; com o público jovem acostumado com seriados.
A Globo, em especial, tem um patrimônio na mão: seus 50 anos de sucesso em telenovela. O exemplo de “Cobra Kay”, que fez uma série atualizando os personagens do longa metragem “Karate Kid” para os dias de hoje , pode inspirar a Globo. Se a Netflix quer fazer novelas, a Globo pode criar séries a partir dos personagens de suas telenovelas. Imagine um seriado com o Universo de Vamp, telenovela que foi pop há 30 anos. Pode agradar a jovens atuais e coroas saudosistas, unindo pais e filhos na mesma sala, para ver a mesma obra. Isso , além de comercialmente rentável, é necessário socialmente. Sendo mais radical e fazendo uma rápida tempestade de ideias dá para imaginar uma série que reúne, por exemplo, três grandes vilãs clássicas de telenovelas (cujas atrizes ainda estejam em atividade) num mesmo presídio. Entre outras ideias. O importante é a Globo saber lidar com seu imenso patrimônio de fãs e jogar bem com eles.
E, por fim, vale lembrar que até pouco tempo atrás existia no Brasil telenovelas que eram vistas pela maioria da população brasileira.
O autor francês Dominique Wolton escreveu um livro que julgo fundamental: Elogio ao Grande Público. Ele defende a importância de obras televisivas que consigam conquistar o grande público, unindo a nação no mesmo diálogo através de uma obra de arte. Como exemplo, ele cita as telenovelas brasileiras.
Na era dos streamings, do conteúdo on demand e da diversidade do mercado, essa pretensão parece quase impossível. Será mesmo? Alguém consegue sonhar com uma série que seja assistida por 70% da televisão brasileira? Todos sabemos da dificuldade atual de chegar a isso, mas isso não deve impedir de visualizar e buscar os grandes sucessos, que conseguem colocar toda nação em diálogo.
Newton Cannito
Newton Cannito é autor roteirista de séries como Unidade Básica (Universal TV), 9mm (Fox/Netflix), entre outras. Roteirista de filmes como Reza à Lenda e Broder. Foi também Secretário do Audiovisual do Minc e é coordenador do Concurso Histórias para Unir o Brasil. (www.unirobrasil.com.br)
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