04 Março 2021
Por que você deve amar o seu filme acessível?
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Se você é diretor ou produtor de conteúdo audiovisual no Brasil, em algum momento alguém da sua equipe – provavelmente da pós-produção – te perguntou ou te lembrou: “E a acessibilidade?”.
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A legislação brasileira obriga que filmes e séries devem ser entregues às salas de cinema, canais de televisão e depósito legal da Cinemateca Brasileira com os recursos de janela de Libras, audiodescrição e legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) para que as pessoas com deficiência visual e auditiva possam assistir à produção brasileira ou estrangeira com tais recursos.
Apesar de todos os contratempos e complexidade de se fazer e lançar um filme em nosso país, gostaria de expor, nesse artigo, alguns pontos de reflexão sobre as potencialidades da cópia com acessibilidade.
- Dados comprovam que o público com deficiência visual e auditiva está assistindo aos filmes com as acessibilidades.
Segundo dados da ANCINE, de 2016 a 2020, foram vendidos ingressos para mais de 700 filmes, brasileiros e estrangeiros, com um dos três recursos de acessibilidade: janela de Libras, audiodescrição ou LSE. Apesar da pouca divulgação das leis ou da quase inexistência de campanhas específicas para chamar o público com deficiência visual e auditiva às salas de cinema, essas pessoas já́ sabem que os recursos estão disponíveis e estão indo ao cinema.
Há evolução no consumo para sessões com acessibilidade em Libras, audiodescrição e legendas descritivas ou legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) nos cinemas do país.
Segundo levantamento da Agência, divulgado em 2019, os números demonstram que já foram realizadas 4.622 exibições de obras estrangeiras com audiodescrição, 5.621 sessões de cinema com Libras e 13.945 sessões com legendas para surdos e ensurdecidos (LSE). Para as obras brasileiras, foram 136 exibições de obras com audiodescrição, 222 sessões de cinema com Libras e 1.466 sessões com legendas para surdos e ensurdecidos (LSE).
- O gênero documentário é o preferido do público surdo usuário de Libras.
Dentre os gêneros ficção, documentário e animação, os espectadores usuários de Libras preferem os documentários brasileiros e estrangeiros com a acessibilidade da janela de Libras. Uma hipótese seria de que essa preferência reside no pouco acesso que os surdos têm a informações, em geral, traduzidas para a Língua Brasileira de Sinais. Assim, por meio dos documentários, se informam e adquirem cultura. De outro lado, para ficção e animação o recurso preferido é o de legendas para surdos e ensurdecidos (LSE).
- Há a oportunidade de formação de público.
O Brasil tem aproximadamente 207 milhões de habitantes, onde 6,8 milhões são pessoas com deficiência visual e 2,2 milhões com deficiência auditiva. Esses brasileiros encontram muita dificuldade ou não conseguem de modo algum ver ou ouvir. Além de 7,3 milhões de pessoas com algum grau de perda auditiva. Essas pessoas também podem ser o seu público desde que você consiga se comunicar com elas e avisa-las que o seu filme estreou e que tem acessibilidade. Não é uma ação cara e nem complicada e, além disso, nunca tivemos tanta tecnologia para nos comunicarmos à nossa disposição.
- Investir na comunicação para esse público pode gerar mais lucro para o seu filme. Valorize o seu filme com acessibilidade.
Use o seu trailer ou teaser com recursos de acessibilidade para chamar esse novo público. Compartilhe nas redes socias do seu filme, direcione às comunidades das pessoas com deficiência. Todos ganham: o público saberá que o seu filme está adaptado, e talvez resolva assistir ao seu filme com acessibilidade comendo uma pipoca e tomando um refrigerante. Se você não fizer esse movimento, de que adianta, então, ter o seu filme com acessibilidade?
- Talvez o seu filme venda mais ingressos.
Pessoas com deficiência trabalham, se divertem, leem e consomem. Elas podem e devem ser miradas como o seu público. Talvez, em seu universo pessoal e profissional, ainda não tenha aparecido uma pessoa com deficiência com a qual você conviva, mas acredite, existe uma enorme lacuna a ser preenchida em relação à formação do hábito dessas pessoas em consumir lazer e cultura com acessibilidade.
- O nosso parque exibidor já está em plena adaptação aos filmes com acessibilidade.
O parque exibidor brasileiro hoje possui aproximadamente 3.500 salas de cinema. Segundo dados da Ancine, exibidos no Congresso Expocine 2019, existem 1.020 telas acessíveis utilizando uma das duas tecnologias disponíveis no mercado e que integram Libras com tradução automática, audiodescrição e LSE em tempo real, sincronizadas ao filme. Até janeiro de 2023, 100% dos complexos deverão estar adaptados com os dispositivos de acessibilidade para as pessoas com deficiência visual e auditiva.
- Temos as leis, temos os equipamentos e temos a oportunidade de INCLUIR.
A Constituição Federal, em seu artigo 23, diz que o Estado tem o dever de proporcionar a todos os cidadãos brasileiros, sem distinção, o acesso ao lazer, à educação e à cultura. No entanto, o ideal não é fazer a acessibilidade porque a lei prevê, mas trabalhar o seu filme para que ele possa chegar a esse público, gerando um poder transformador para toda a sociedade e expandindo o horizonte da sua obra audiovisual.
Todos deveriam amar o seu filme acessível e não apenas produzir as acessibilidades porque a lei manda fazer isso.
*Nota: O último Censo realizado no país, em 2010, quantificou 9,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva leve ou severa e, a população com deficiência visual era de 6,5 milhões de pessoas.
Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Nota técnica 01/2018 – Releitura dos dados de pessoas com deficiência no Censo Demográfico 2010 à luz das recomendações do Grupo de Washington. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/ metodologia/%20 notas_tecnicas/ nota_tecnica_2018_01_censo2010.pdf.
RUFINO, Luana. Acessibilidade e Ancine - Marcos legais e o avanço para a sociedade. Apresentação de Luana Rufino. Agência Nacional de Cinema, 2019. Pesquisa apresentada em Power Point. Disponível em: https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/apresentacoes/ acessibilidade_salas_de_cinema.pdf
Joana Peregrino
Sócia fundadora e Diretora-executiva da empresa Conecta Acessibilidade, atua há 21 anos no mercado de audiovisual e, desde 2012, vem trabalhando com acessibilidade audiovisual. Jornalista e Mestre em Educação, Gestão e Difusão em Biociências pela UFRJ, é autora do e-book “Acessibilidade em Cinema e Televisão”, produto de sua dissertação de mestrado que expõe os processos de produção da acessibilidade audiovisual no Brasil. Ganhou o Prêmio Direitos Humanos concedido pela Presidência da República em 2015 com o projeto da TV Ines, primeiro canal para pessoas surdas do país.
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