26 Fevereiro 2021
Audiovisual: novas tecnologias, novos modelos de negócios e o quebra-cabeça tributário
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Temos um regime tributário chamado “Simples Nacional”, mas em se tratando de tributação no Brasil, pode-se se esperar tudo, menos simplicidade. Empresas que produziam conteúdo independente e que usavam recursos incentivados, muitas vezes optavam pelo Simples Nacional buscando essa simplicidade no cumprimento das obrigações fiscais. De fato, ter a possibilidade de executar suas obrigações tributárias a partir do pagamento de uma só guia facilita bastante o dia a dia fiscal e reduz riscos, de maneira geral.
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O segmento cultural foi impactado pelo Simples Nacional apenas a partir da edição da Lei Complementar 133, de 28 de dezembro de 2009, que passou a prever as atividades de “produções cinematográficas, audiovisuais, artísticas e culturais, sua exibição ou apresentação, inclusive no caso de música, literatura, artes cênicas, artes visuais, cinematográficas e audiovisuais” no rol de atividades permitidas e optantes pela tributação simplificada, essencialmente regida pelo conteúdo do Anexo III, da Lei Complementar nº 123/2006, que é o anexo que contém as menores alíquotas para as atividades de prestação de serviço.
Dentre os segmentos da economia criativa, a indústria audiovisual se manteve por muitos anos produzindo com recursos advindos, principalmente, do Fundo Setorial do Audiovisual e recursos incentivados, conforme regras da Lei 8.586/93. Assim, dentro de um modelo de negócios em que a receita própria da operação era, substancialmente, o valor da taxa de gerenciamento, fazia sentido considerar a tributação apenas desta receita, independente das despesas incorridas nos projetos, que eram e são pagas com recursos das contas destes.
As produtoras que superavam o teto de receita bruta do Simples Nacional acabavam migrando para o Lucro Presumido, ainda submetendo somente a receita decorrente da taxa de gerenciamento da produção à tributação, e arcando com maior tributação.
De 2009 para cá, muitas alterações foram implementadas no regime do Simples Nacional, de forma que os cálculos deixaram de ser tão simples e, em muitos casos, a carga tributária final passou a ser superior à carga tributária de uma empresa optante do Lucro Presumido.
Para o segmento do audiovisual, essa questão ganha ainda mais relevância se considerarmos que é possível afastar judicialmente a cobrança do ISS – de 2% a 5% - sobre os serviços de produção, diante do posicionamento que vem sendo reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da ilegalidade da cobrança de ISS sobre serviços de produção, gravação, edição e distribuição de filmes previstos no item 13.01 da LC nº 116/2003, que fora vetado pelo presidente.
Isso significa dizer que, se afastado o ônus do ISS, numa operação tributada pelo Lucro Presumido, a carga tributária pode girar em torno de 14%, sem a incidência do ISS. Ou seja, patamar próximo às alíquotas do Simples Nacional.
De outro lado, além das mudanças nas regras tributárias, as novas tecnologias e a chegada das mídias digitais têm mudado, substancialmente, o modelo de negócios das empresas produtoras de conteúdo audiovisual.
Se nos projetos realizados com recursos incentivados, a receita oferecida à tributação era de cerca de 10% (Art. 47, inciso III da Instrução Normativa Ancine nº 125/2015), com a execução dos projetos exclusivamente com recursos privados, as receitas operacionais acabam sendo a totalidade do orçamento do projeto. Nesta segunda hipótese, diante de todas as despesas operacionais do projeto, o regime de apuração pelo Lucro Real é a melhor alternativa, na maior parte dos casos, tendo em vista a possibilidade de dedução das despesas operacionais da base do IRPJ e da CSLL, bem como o uso dos créditos de PIS e de COFINS.
Embora a análise acima passe por um raciocínio bastante linear, as questões ficam mais complexas: será mais vantajoso optar pela apuração trimestral ou anual com estimativa mensal? Quais despesas podem gerar os créditos de PIS e de COFINS? Como e quando podem ser compensados créditos de PIS e COFINS?
E se adicionarmos à nossa análise questões relativas aos projetos, tais como: de onde vem o recurso ou investimento no projeto? Será uma prestação de serviços ou uma coprodução? É coprodução nacional ou internacional? O planejamento tributário ganha contornos ainda maiores, pois o tratamento tributário das receitas pode ser bastante diferente a partir do tipo de contrato que for firmado, da origem dos recursos e investimentos e dos acertos sobre os direitos da obra. Enfim, é um grande quebra-cabeça.
O assunto pode ser indigesto – e já ouvi um empresário dizer que o tema tributário lhe causava náuseas – mas quem não dedicar tempo e energia para pensar sobre tais questões vai deixar dinheiro na mesa e fazer o bolso doer.
Enfim, hoje em dia, com o mercado de streaming aquecido e a sofisticação dos modelos de negócios das empresas que produzem e distribuem conteúdo audiovisual, o custo tributário é sim pauta nas mesas de negociação e todos devem estar preparados para enfrentar o leão.
Daniella Galvão
Sócia do escritório CQS – Cesnik, Quintino e Salinas Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Especialista pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET), onde atuou como professora em programa de pós-graduação lato sensu. Especialista em Direito do Terceiro Setor pela ESA/OAB. Diretora Institucional do Instituto Tatiana Vieira. Mentora de mulheres empreendedoras e startups pela B2Mamy. Atua na área de direito tributário, consultivo e contencioso e realiza planejamento tributário de novos negócios e de startups.
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