04 Fevereiro 2021
Mulheres no Cinema: Heddy Honigmann
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Contar e recontar as histórias das mulheres no cinema de diversas maneiras, curtas ou longas, por alternativas vias, remonta ao reparo diante da invisibilidade, a projetá-las e acendê-las de algum modo para que conheçamos finalmente suas trajetórias, suas obras, suas produções, seus pensamentos. Assim como fizemos com as breves histórias recontadas de mulheres do cinema peruano, também com a da cineasta ucraniana Kira Muratova, compartilhamos aqui um pouco da história da cineasta peruana Heddy Honigmann, pouco conhecida no Brasil.
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Heddy Honigmann é uma aclamada documentarista independente que vive e trabalha na Holanda desde 1978. De origem judaica, com mãe polaca e pai austríaco, nasceu no Peru em 01 outubro de 1951, onde viveu e estudou até seus 23 anos. Em Lima, integrou a efervescente geração literária e poética dos anos 70, participando de grupos como Estación Reunida que congregava um grupo de famosos poetas como José Watanabe e Enrique Verástegui, e do Movimiento Hora Zero, composto por nomes como Jorge Pimentel, Juan Ramírez Ruíz e Jorge Najar. Cabe destacar que importantes poetisas também fizeram parte dessa geração poética peruana, como Dalmacia Ruiz Rosas e Carmen Ollé, entre outras. A poesia semeada nos anos 70 figura até hoje no estilo narrativo dos filmes de Heddy Honigmann.
Pela ausência de escolas e universidades com cursos de cinema nessa época no Peru, mudou-se para a Europa onde estudou no Centro Experimental de Cinematografia de Roma, e seguiu filmando, primeiramente ficções e depois documentários, com mais de 25 obras premiadas em diversos festivais pelo mundo. No Peru, há um predominante desconhecimento de sua obra que somente é exibida por meio de um ou outro festival como o importante Festival de Cine de Lima. Da conexão de vida com o Peru, seu filme Metal y Melancolía (1994) faz uma crítica à sociedade limenha por meio dos clássicos e icônicos taxistas da cidade, e o filme El Olvido (2008) tece uma narrativa sobre a miséria e o esquecimento vividos por boa parte da população peruana.
Seu modo participativo nas entrevistas promove nos filmes um encontro poético distinto, com uma escuta atenta e um relato bastante profundo dos sujeitos, e dos temas discorridos. O Amor Natural (1996), filmado no Rio de Janeiro, aborda o amor e a sexualidade na idade madura a partir da obra homônima de poesia erótica de Carlos Drummond de Andrade. Neste documentário, Heddy convida pessoas idosas a ler versos eróticos. Em Buddy (2018), a cineasta examina a relação entre pessoas com deficiência e seus ajudantes caninos como uma espécie de estudo sobre relacionamentos inusitados. Ela explora os sensíveis vínculos entre cães-guia e seus donos. Em seu novo filme, 100UP (2020), Heddy pretende mostrar pessoas com mais de 100 anos de idade em diferentes partes do mundo. Testemunhas de grandes eventos históricos que superaram doenças e se recusam ceder ao envelhecimento de seus corpos, mostrando muita potência e outro prisma sobre a velhice.
Seus documentários, curtas e longas-metragens, viajaram pelo mundo em festivais e retrospectivas. Ela também lecionou master classes, seminários e workshops em vários países. Sua relação com o Peru é entendida como distante e ao mesmo tempo bem profunda: “Eu quando penso em mim mesma, não me sinto uma diretora peruana, mas como uma diretora internacional. Mas quando estou no Peru, bastam dois minutos para o avião aterrissar e já sou novamente peruana. É tão rápido, é muito lindo. Em 2015, fui membro do júri do Festival (de Lima) e para mim foram semanas de grande felicidade” (Cinencuentro, 2019 - tradução nossa). Também comenta sobre a importância do distanciamento para a construção de seu olhar enquanto cineasta: “Não tenho nem um olhar estrangeiro nem um olhar de dentro, tenho um olhar de cineasta, o que é, em primeira linha, o mais importante. Não penso como uma peruana que vive tão perto da realidade que teria que dar um passo para o lado para ver melhor. Vivo há 30 anos na Holanda, mas minha mãe vive no Peru, tenho família lá, visito meus familiares. Já havia feito um filme lá anteriormente [Metal e Melancolia, 1992], que ganhou a Pomba de Ouro aqui em Leipzig. Foi meu primeiro documentário depois de 15 anos de ficção” (DW Brasil, 2008).
O cinema de Heddy trafega por esse mundo riquíssimo que ela habita em si mesma, proporcionando ao espectador experiências com pessoas e histórias que possivelmente jamais teríamos contato se não fosse sua obra e sua pesquisa de campo interessada, curiosa, que percorre esses diversos lugares em diversos países.
Filmografia de Heddy Honigmann: 100UP (2020), Buddy (2018), Joke van Leeuwen: Een wereld tussen twee oren (2017), Around the World in 50 Concerts/Om de weredl in 50 concerten (2014), And then one day (2011), El Olvido (2008), Emoticons (2008), Forever (2006), Privé (2004), Dame la mano (2004), Good Husband, Dear Son (2002), Food for Love / Hanna lacht (2000), Crazy (1999), De juiste maat (1998), Two Minutes of Silence, Please / 2 minuten stilte a.u.b. (1998), The Underground Orchestra / Het ondergronds orkest (1998), O Amor Natural (1996), Au Revoir / Tot ziens (1995), Metal and Melancholy / Metaal en melancholie (1994), Oog in oog - Breinaald in Aquariumvis (1993), Verhalen die ik mezelf vertel (1991), Ghatak (1990), Vier maal mijn Hart (1990), Sua opinião, por favor (1989), Mind Shadows / Hersenschimmen (1988), De deur van het huis (1985).
Referências:
Entrevista Cinencuentro. (2019). Disponível em: https://www.cinencuentro.com/2019/05/16/entrevista-heddy-honigmann-regresa-festival-cine-lima-buddy/
Entrevista DW Brasil. (2008). Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/heddy-honigmann-volta-o-olhar-para-a-falta-de-mem%C3%B3ria-da-am%C3%A9rica-latina/a-3742792
Carla Rabelo
Professora Adjunta do bacharelado em Produção e Política Cultural da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Doutora e Mestra pelo PPGCOM/ECA/USP. Integra os comitês editoriais das revistas Imagofagia e Cadernos Forcine. Foi docente de Linguagem do Cinema e Audiovisual na UNIMONTE, FIAM-FAAM/FMU e UNINOVE. Trabalhou como assessora institucional e coordenadora de projetos no Centro Cultural São Paulo (CCSP/SMC-SP). Atuou na área de produção audiovisual na TV Cidade de Aracaju (SE).
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