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Artigo / Audiovisual

29 Janeiro 2021

A Cartomante

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Ouvi esta história de um amigo, que angustiado em relação ao futuro, resolveu consultar uma cartomante.

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Conta ele que ao chegar ao endereço indicado, bateu à porta, e ouviu lá de dentro uma voz perguntando: “Quem é?” Imediatamente virou as costas e foi embora.

Essa estória singela, e fictícia, confirma que prever o futuro é uma das tarefas mais difíceis que existem. Todos gostaríamos de saber o futuro, especialmente se nele estivesse contida alguma notícia ou acontecimento promissor em relação aos nossos negócios ou em relação ao que nos espera. Pelo jeito, nem as melhores cartomantes estão conseguindo desvendar esse mistério no momento, já que espécie humana não tem o poder de prever o futuro.

Nos resta então considerar e analisar uma série de fatores, estimativas, opiniões, e um pouco de sentimento pessoal, para planejar nossas ações futuras. É o que temos.

Vivemos o período mais imprevisível dos últimos 20 ou 30 anos no mercado de produção e exibição de conteúdo audiovisual.

Por um lado a pandemia recrudesce, enquanto que por outro as vacinas ganham aprovação e distribuição; os cinemas seguem aguardando a volta do publico, enquanto os serviços de streaming aumentam suas apostas em um número impressionante de lançamentos; novos serviços de disponibilização de conteúdo são lançados semanalmente, enquanto que as grandes empresas do mercado anunciam recordes de assinantes e investimentos também recordes em novas produções. Os espectadores assistem a toda essa movimentação sem saber se vai ser possível consumir tamanho volume de conteúdos, e nem como irão arcar com os custos desse sem-número de possibilidades.

Tudo está em aberto neste momento, e prever o futuro imediato de varias categorias, setores e empresas do nosso setor é quase impossível.

A Netflix anuncia o lançamento de 70 novas produções este ano, enquanto eleva o preço de sua assinatura e remove o período “grátis” que concedia aos novos assinantes. A Disney anuncia uma avalanche de lançamentos, spin-offs, sequencias, formatos, temas e até curta-metragens, tentando se aproximar da líder do streaming através da força de suas marcas. Quem vencerá a tal guerra do streaming?

A Warner anuncia lançamentos simultâneos de seus filmes nos Cinemas e no streaming nos mercados onde atua – que ainda não incluem o Brasil - e isso pode, por ironia, ajudar o mercado brasileiro de Cinema à medida que garanta algumas datas de lançamento em meio ao adiamento de diversos títulos importantes neste primeiro semestre de 2021. Os lançamentos simultâneos irão ajudar o mercado de Cinema?

A Universal, que causou polemica ao reduzir drasticamente a janela de seus lançamentos nos USA, segue adiando seus principais lançamentos mundiais - quem pode imaginar o lançamento do mais recente filme de 007, o espião a serviço de Sua Majestade, sem que o mercado inglês esteja em plenas condições de receber produção de tamanho investimento?-. As janelas entre as mídias serão mesmo reduzidas, ou até eliminadas?

Hulu, Starz, Roku, Globoplay, Apple, Amazon, Google, todos definem neste momento suas armas e estratégias para marcar presença e garantir um pedaço do mercado neste momento de transição. Qual delas, e como, irá conseguir uma fatia maior do mercado e permanecer viva e forte após esta primeira fase de adequação do mercado?

A Sony adia seus lançamentos, enquanto se especula sobre os caminhos futuros da empresa, comandada por experts em conteúdo de Cinema; a Paramount, que também não atuava no setor de streaming, anuncia a chegada de seu serviço Paramount+, em conjunto com sua parceira-mãe Viacom. Como ficarão os dois grandes estúdios que não tem um serviço forte de acesso online ou streaming como parceiros?

No setor doméstico, as produções vêm sendo seriamente afetadas pela paralisia da Ancine e de seus mecanismos de incentivo, e as produtoras correm para se sustentar no modelo de production service aos serviços de streaming. Os compromissos assumidos pelas produtoras no calendário de estreias do streaming seguem fazendo com que várias produções pulem a janela Cinema para estrearem diretamente no VOD. Será esse o melhor caminho? Ou o caminho que resta?

Alguns fatores irão nos dar uma idéia melhor sobre o desenho do futuro imediato em nosso setor: o lançamento de Raya e o Dragão pela Disney no início de Março, tanto nos Cinemas como no serviço Disney Plus, será o primeiro lançamento em duas janelas simultâneas no nosso mercado. A Warner vai manter os lançamentos previstos para entrar também nas duas janelas lá fora, mesmo que ainda não tenhamos o HBO Max operando por aqui ? E a Netflix, vai forçar a concorrência com suas estórias provocativas, elencos por vezes desconhecidos mas talentosos e bem sucedidos, e vai continuar a desafiar tudo o que conhecíamos em termos de star power, roteiros, orçamentos e adequação ao gosto do público? E as transmissões de eventos esportivos e musicais, como ficará sem a presença prevista de público? Ate a Olimpíada de Toquio corre o risco de ser novamente adiada ou simplesmente cancelada! O setor de Exibição de Cinema vem suportando quedas gigantes em seu faturamento, mas qual o desenho do mercado Exibidor no final do ano?

Repetindo 2020, este ano de 2021 vai ser também inesquecível, e veremos como o mercado de conteúdo audiovisual como um todo vai se adaptar e seguir.

Prever o futuro do setor de conteúdo audiovisual está mais difícil do que nunca, e dá até para entender a dúvida da cartomante da estória lá em cima.

Afinal, se alguém bater à porta hoje em dia, mesmo uma cartomante vai querer se garantir perguntando: “Quem é?”

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira

Marcos Oliveira é Consultor Especial do setor de Produção e Distribuição de Conteúdo Audiovisual, através de sua empresa Leverá Conteúdo e Negócios, que atua em desenvolvimento de projetos, captação, distribuição e consultoria. Sua carreira profissional inclui atividades em posições de liderança em empresas como Johnson & Johnson, Twentieth Century Fox Brasil e Austrália, Warner Bros e Universal Pictures.

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