28 Janeiro 2021
Indústria audiovisual como fator de atração de investimento estrangeiro
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A atração de investimentos estrangeiros é, e assim vendo sendo já há muitos anos, um dos principais objetivos de política econômica no Brasil, constituindo eixo fundamental para a manutenção do assim chamado tripé macroeconômico composto por metas fiscais, câmbio flutuante e metas de inflação. Com déficits contínuos nas suas contas públicas e aumento do endividamento do Estado, o Brasil depende cada vez mais da atração de investimentos estrangeiros para o fechamento de suas contas externas, para manutenção de alguma estabilidade no câmbio e consequentemente para o controle da taxa de inflação.
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Não à toa, sucessivos governos têm colocado a questão da atração de investimentos estrangeiros no topo de suas prioridades. No setor industrial, a intensa disputa pelo capital internacional para a instalação de fábricas e aquisição de ativos tem inclusive gerado debates acalorados em torno de concessões feitas pela União, Estados e Municípios para a atração deste tipo de investimento – a assim chamada guerra fiscal – e sobre as vantagens e desvantagens deste tipo de mecanismo. Entes públicos abrem mão de receitas tributárias, oferecem vantagens e garantias e disputam entre si os investimentos internacionais nos mais diversos setores. Recentemente, o anúncio do término das operações da Ford em território nacional acendeu novamente o debate em torno da eficácia deste tipo de mecanismo.
Da mesma forma que em diversos setores, na indústria audiovisual os países entraram com força na disputa pela atração dos vultosos investimentos destinados à produção de conteúdo em escala global. Investimentos que, somados, totalizaram mais de US$ 100Bi 2019 e que não param de crescer. A emergência dos serviços de streaming tem impulsionado a demanda global pela produção de conteúdo e, sozinhos, responderam pelo investimento de mais de US$ 20 Bi no mesmo período. São números que realmente impressionam.
Sem dúvida, a produção de conteúdo audiovisual é um dos grandes focos atuais de investimento global e, infelizmente, o Brasil não tem participado deste jogo. Trata-se, aqui, de algo que já vem sendo aplicado com grande êxito por diversos países mas que infelizmente ainda engatinha em terras brasileiras: concessão de incentivos à produção audiovisual internacional. Importante não confundir este tema com os incentivos fiscais concedidos às produções audiovisuais nacionais, por meio de mecanismos como os estabelecidos pela Lei do Audiovisual. Diferentemente destes, os incentivos à produção audiovisual internacional não visam à produção de obras nacionais: tem como objetivo, por sua vez, a atração de investimentos estrangeiros para a produção de obras audiovisuais internacionais em território nacional, gerando empregos, renda e movimentando a economia nacional de maneira absolutamente inovadora.
O tema ainda é desconhecido dos formuladores de políticas e da grande parte da opinião pública no Brasil, mas já se encontra altamente desenvolvido no resto do mundo. Países tão díspares quanto Reino Unido, Austrália, Estados Unidos (em especial no nível dos Estados), República Dominicana e Colômbia já possuem mecanismos estruturados para incentivar a atração deste tipo de investimento, com excelentes resultados para suas economias.
De maneira simples, referidos mecanismos funcionam da seguinte forma: concessão de créditos financeiros para produções audiovisuais realizadas no país, a partir do preenchimento de determinados critérios. Em outras palavras, as empresas que escolhem produzir conteúdos audiovisuais no país/região que oferece os incentivos recebem a devolução (“rebate”, em inglês) de parte dos valores investidos, reduzindo seus custos e tornando a produção mais barata.
Produtores de conteúdo de todo o mundo escolhem cuidadosamente os locais para realização de suas produções baseados na atratividade dos incentivos concedidos em cada local, além de uma avaliação mais abrangente quanto à existência de infraestrutura de produção e mão-de-obra qualificada, entre outros aspectos. No Reino Unido, oferece-se o “rebate” de até 25% do valor efetivamente investido na economia local, enquanto na Colômbia a devolução pode chegar a 40% do valor investido, observados requisitos específicos que são exigidos para garantir que o investimento realizado reverta efetivamente em benefícios para a economia local.
Esta, inclusive, é uma das principais vantagens deste tipo de mecanismo: a atração do investimento se dá por meio da produção do todo ou de parte de uma obra audiovisual específica, e os benefícios são colhidos pela economia local de maneira imediata – dinamizando cadeias de valor inteiras, da contratação de mão-de-obra local à utilização da rede hoteleira, contratação de serviços de alimentação e até mesmo de talentos locais. Como benefício indireto, é sabido o poder que obras audiovisuais de alcance global tem na promoção de locais turísticos e da própria imagem dos locais em que se passam as histórias retratadas – ninguém duvida do papel da indústria audiovisual na promoção de cidades como Nova Iorque ou Paris, para citar as mais conhecidas. Destinos menos reconhecidos tem também se beneficiado de sua utilização em obras icônicas, como as paisagens da Costa Rica que serviram de cenário para o filme “Jurassic Park” ou da Nova Zelândia retratadas nos filmes “O Senhor dos Anéis”. Em todos os casos (e estes aqui são apenas alguns poucos exemplos), as paisagens retratadas nos filmes reverteram em grandes benefícios em matéria de promoção turística no exterior.
Do ponto de vista financeiro, a experiência internacional mostra claramente as vantagens trazidas por este tipo de mecanismo de atração de investimento. No Reino Unido, de acordo com dados da Screen Business, para cada Libra concedida em “rebate”, outras 12,5 foram adicionadas à economia inglesa por meio de efeito diretos e indiretos. Na Austrália, de acordo com relatório produzido pela OlsberGSPI, a concessão de 188 milhões de dólares australianos em créditos financeiros foi responsável por um aumento de 224 milhões na arrecadação de tributos, retornando de forma imediata o valor investido pelo Estado com 20% de acréscimo – sem mencionar a geração de 795 milhões de dólares australianos em receitas. Os números, aqui, falam por si só.
No caso do Brasil, não deixa de ser surpreendente que o país ainda não tenha aberto seus olhos para as imensas oportunidades existentes: dono de paisagens diversas e exuberantes, e com infraestrutura de produção e mão-de-obra qualificada existente (ainda que carente de investimentos), o país se apresenta como candidato natural à atração de vultosos investimentos se entrasse para valer na competição global por estes recursos. Mais que simplesmente atrair investimentos e movimentar a economia, a implementação de incentivos à produção internacional ainda atrairia recursos para a modernização de nosso parque de infraestrutura de produção (estúdios, equipamentos, serviços) e para a qualificação de nossa mão-de-obra do setor – o que por sua vez beneficiaria também a produção audiovisual nacional e aumento da participação desta produção no mercado internacional.
Ao contrário de muitos mecanismos obsoletos de incentivo à atração de investimentos, os incentivos à produção audiovisual possuem efeito altamente dinamizador e se espalham por diversos setores econômicos, produzindo efeitos benéficos em diversa cadeias de valor direta e indiretamente ligados à indústria audiovisual. Uma iniciativa concreta neste sentido foi adotada pela agência SPCine, empresa de promoção da indústria audiovisual do município de São Paulo, que conta com um mecanismo de “cash rebate” de até 30% para atrair produções para a cidade. Urge que outras esferas federativas, e em especial o Governo Federal, comecem a debater concretamente a criação de mecanismos similares, de maneira a colocar o Brasil de um vez por todas no mapa das grandes produções internacionais. Em um momento de incertezas econômicas e grandes dificuldades trazidas pela pandemia, mecanismos como esse podem contribuir decisivamente para uma retomada econômica mais vigorosa e sustentável.
José Maurício Fittipaldi | fittipaldi@jmfmedia.com.br
JOSÉ MAURÍCIO FITTIPALDI (fittipaldi@cqs.adv.br / http://linkedin.com/in/jfittipaldi) – Advogado especializado nos mercados de mídia e entretenimento, sócio de CQS|FV Advogados (www.cqs.adv.br). É também sócio-fundador da JMF Media, onde presta consultoria a grandes players dos mercados de mídia e entretenimento, e co-fundador da Animus Consultoria e Gestão, especializada na gestão de investimentos sociais privados para investidores nacionais e internacionais (www.animusconsult.com.br).
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