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Artigo / Produção

12 Abril 2018

O que quer e o que pode

Os brasileiros apoiam cada vez mais os produtos que fogem do banal

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A pergunta que pego emprestada da canção de Caetano Veloso se referia à língua: "o que quer e o que pode essa língua”?

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O compositor aludia ao português falado no Brasil, a língua que nos constitui como sujeitos – e melhor, sujeitos desejantes.

Pergunto: o que quer e o que pode o audiovisual produzido no Brasil hoje?

Na tradição da euforia brasileira, fica a tentação de responder, “podemos tudo”.

Mas será que queremos?

Será que queremos o desafio e o trabalho de ocupar de fato um espaço na produção audiovisual contemporânea? Uma inserção à altura da complexidade dessa nossa civilização contraditória e algo anárquica?

Temos potência para participar do debate e, quem sabe, produzir respostas singulares para os impasses atuais da humanidade. Sabemos também que, para querer, é preciso construir as bases para poder. Algumas condições estruturais vêm sendo costuradas nos últimos anos, num equilíbrio raro, delicado e dos mais bem-sucedidos que se tem notícia entre nós. Um arranjo que envolve o aprimoramento e regulação do nosso setor, um canal permanente de diálogo entre governo e produtores independentes, a presença continuada e estratégica dos brasileiros nos eventos internacionais, a profissionalização dos executivos das tevês privadas, as condições diferenciadas para os distribuidores, a participação cada vez maior das associações de classe e a ampliação expressiva de toda a cadeia econômica do setor.

A resposta do público não deixa dúvida, os brasileiros apoiam cada vez mais os produtos que fogem do banal e investem na qualidade narrativa e de produção. Em todas as janelas, tevê, cinema e streaming.

Os números de crescimento econômico da atividade audiovisual também confirmam esse vigor.

Se podemos tudo (olha a euforia de novo), como fincar pé de forma a manter uma presença constante no mercado internacional?

Será apenas uma questão de “tupy or not tupy”, como sonhou Oswald de Andrade há quase cem anos atrás? Nossa festejada antropofagia cultural talvez não baste, hoje, para garantir a relevância da nossa produção audiovisual. Precisamos e devemos avançar até o ponto em que nossa singularidade, nossa vitalidade e capacidade de improviso, encontram o veio das narrativas universais.

Alçar um lugar que nos credencie a intervir no debate das questões contemporâneas passará certamente pela coragem e pela escolha ativa de não nos acomodarmos nos nichos que o senso comum internacional reservou para a nossa produção – as edulcoradas telenovelas, os favela’s movies, as comédias superficiais e sexistas, os factuais sobre narcotraficantes e todo o pacote “exotique” que insistem em nos imputar.

Talvez no cruzamento entre nossa inventividade e a profissionalização, a organização e algum rigor, esteja a chave que pode nos levar a um patamar inédito da produção audiovisual brasileira.

Alguns sinais de uma produção que conversa de igual para igual com o Zeitgeist do audiovisual universal já podem ser percebidos em todos os gêneros e todas as plataformas. Para mencionar apenas alguns, bem recentes, o drama Gabriel e a Montanha, de Felipe Barbosa, o documentário No Intenso Agora, de João Moreira Salles, a série de dramaturgia Justiça, de José Luiz Villamarim, a série teen distópica 3%, de Pedro Aguilera, e a animação Caminho dos Gigantes, de Alois Di Leo, são exemplos que revelam uma capacidade de diálogo, de escuta e consideração do outro, e ao mesmo tempo, de afirmação e tomada de posição, que excede muito as prateleiras reservadas para nós.

São, todas elas, de algum modo, histórias universais, construídas com traços que são os nossos, atravessadas pelo empenho brasileiro.

Querer e poder, para andarem juntos, exigem constância, afinco. Novas condições estão operando.

São apenas um ponto de partida de um caminho a percorrer a cada vez.

Belisario Franca
Belisario Franca

Cineasta, diretor de diversos documentários e fundador da produtora Giros, que completou 20 anos em 2017.

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