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Artigo / Audiovisual

28 Janeiro 2021

Sucesso internacional e representação de sua própria nação

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Se quisermos realmente alcançar sucesso temos também que ter a capacidade de autocrítica e admitir que, ao menos na criação de seriados, vivemos uma crise de criatividade.  Conseguimos alguns bons sucessos recentes, como “Bom Dia Veronica”, mas a grande maioria de nossos seriados não chega a segunda temporada.

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Essas crises não são por falta de talento e criatividade.  São devido ao modelo de gestão da criatividade.  A gestão da criatividade é o grande desafio de hoje.

Até pouco tempo atrás diziam que faltavam roteiristas. Mas não é mais isso. O que falta mesmo é produções que deem poder criativo real para autores fortes que consigam comandar bem uma criativa e diversa sala de roteiristas. Nos EUA o cargo de showrunner foi criado para dar mais poder de produção ao roteirista. No Brasil, o criador da série foi uma forma de dar poder ao produtor e/ou diretor, dissolvendo a autoria dos roteiros em salas cheias de bons roteiristas sem poder real sobre o texto. Ou seja, o que falta mesmo é existir empresas criativas que saibam potencializar o talento dos roteiristas. Quantas séries brasileiras recentes tem destaque para o autor-roteirista? A maioria tem vários roteiristas, mas a força criativa real está apenas no diretor.

O mercado, no entanto, vai se ajeitar logo e terá destaque quem sair na frente. Ao contrário da época da Lei da TV paga (que não media resultado de audiências) os players internacionais sabem medir resultados e a qualidade e o sucesso já estão sendo premiados. 

É hora de todos se adaptarem ao que realmente faz sucesso.  Nesse sentido, uma empresa como a Globoplay pode aproveitar a trajetória da Globo, como uma empresa que tem um histórico excelente como produtora de conteúdo. Ao contrário da maioria da produção independente (que ainda está aprendendo a lidar com os criativos) a Globo tem um histórico de valorizar os autores-roteiristas e criar um ambiente cooperativo para que a química da criação aconteça. Esse respeito ao criativo é algo que pode uma vantagem competitiva nesse momento.  Por outro lado, a linguagem das séries e filmes tem mudado rapidamente e, nem todos roteiristas da antiga televisão estarão adaptados ao novo momento. É necessário, portanto, coragem para se reinventar e inovar.

Para chegar ao sucesso temos também que acertar nos conceitos e saber a dose certa entre ser nacional e internacional.

Nos anos 70 o debate sobre dramaturgia partia de um pressuposto: temos que tentar representar o Brasil. Se acompanharmos os debates da geração do CPC e do Arena veremos como os escritores estavam sempre com a preocupação de retratar os “personagens” do povo brasileiro. O esforço começou no teatro, mas chegou a televisão, onde autores como Dias Gomes, Aguinaldo Silva, Braulio Pedroso, Vianinha, Janete Clair, Marcílio Moraes e Lauro César Muniz levaram o melhor da literatura e do teatro para as telas e conquistaram o público brasileiro para nossa teledramaturgia. 

Hoje em dia fazemos pouco esse debate que, para alguns, pode parecer antigo. No entanto, se lembrarmos que a história é cíclica e que eles conseguiram um imenso sucesso, podemos concluir que talvez seja a hora de voltar a pesquisar a realidade brasileira.

Mesmo o sucesso internacional de uma obra vem dessa capacidade de representar seu próprio povo. As séries espanholas, alemães e israelenses que fazem sucesso internacional representam muito bem as pessoas de suas respectivas culturas. Na época dos “editais” os realizadores audiovisuais brasileiros competiam entre si. Agora a competição é, antes de tudo, global. E uma nova corrida do ouro, e o outro agora é o conteúdo. E o conteúdo não é quantidade de horas de programação. São boas histórias bem contadas, que fidelizam o público para aquela plataforma.

Antigamente pensavam que a globalização padronizaria tudo. Hoje se percebe uma dicotomia: o público busca fórmulas consagradas dos gêneros, mas também adora um tempero local. Essa capacidade de criar copiando, essa “incapacidade criativa de copiar” (termo de Paulo Emílio para debater o cinema brasileiro) é algo fundamental para o sucesso.

E nós, os criadores brasileiros, temos uma tradição de ser bons nisso.

O que precisamos hoje é de criadores (produtores, roteiristas e diretores) que inovem dentro das fórmulas de sucesso. Percebam bem o paradoxo criativo:  inovar na fórmula. E essa tensão entre “a exceção e a regra” (título do livro de Domenico di Mais sobre grupos criativos) que define a criatividade.  

Quando comecei a escrever já nos anos 2000 estávamos cansados do cinema militante e ativista. Nosso foco era a técnica. Lembro que quando elaborei o formulário para o edital do FICTV (que produziu várias séries, entre elas ‘3%”, outro sucesso da Netflix) fiz uma pergunta que gerou muitas críticas: qual a relação de sua série com os gêneros audiovisuais?  Essa pergunta, que hoje em dia é básica na criação de qualquer série, foi muito criticada pelos cineastas autorais da época, que ainda sob influência da visão dos anos 70, achavam que trabalhar a criação a partir dos gêneros poderia restringir a autoria.

Hoje esse debate está superado. Nos cursos que ministro de roteiro tenho percebido uma nova geração que conhece bastante as fórmulas e os gêneros narrativos de sucesso.

O que voltou a faltar e atenção à realidade brasileira e aos nossos personagens.  

É isso que temos que recuperar para criar roteiros de sucesso: uma boa pesquisa!  Pessoalmente, em todos os roteiros que faço, sou o louco da pesquisa e faço questão de fazer sempre uma vasta pesquisa de personagens reais antes de escrever qualquer roteiro.  Lancei até um concurso "Histórias para Unir o Brasil” para incentivar os jovens escritores a fazer essa pesquisa.

Isso porque acredito que os maiores sucessos sempre conciliam uma boa técnica de gênero com vasta pesquisa da realidade. O filme tem receita apenas na sua estrutura, mas os ingredientes mudam a cada receita. 

Essa capacidade de conciliar obras que dialoguem com as regras do gênero com pesquisa da realidade nacional é o caminho de sucesso.

Os exemplos mais famosos são do gênero trilher social ou policial. Padilha seguiu na tradição de Hector Babenco e conseguiu sucesso com filmes de alto impacto social, feitos a partir da obra de grandes sociólogos como Luiz Eduardo Soares. Essa aproximação com o alto pensamento sociológico que interpreta o Brasil é, aliás, uma característica que pode ajudar a alcançar sucesso. O último sucesso brasileiro na Netflix, “Bom Dia Veronica”, também foi criado a partir de uma pesquisa aprofundada sobre psicopatas brasileiros, que o autor Raphael Montes fez junto com a psiquiatra Ilana Casoy. Partir de uma pesquisa de ponta parece ser uma das receitas de sucesso.

E, também, as comédias populares são criadas a partir do grande poder de observação social de nossos humoristas, sempre gênios na capacidade de criar tipos reais que representem o brasileiro de hoje. Como a comédia parte muito do talento criativo do ator/estrela/humorista ela continua tendo sucesso. Os outros gêneros, ainda estamos patinando mais.

Portanto, representar bem o “povo brasileiro” ainda é um ingrediente fundamental no sucesso de uma obra. Mesmo nas obras que almejam ser internacionais.

Newton Cannito
Newton Cannito

Newton Cannito é autor roteirista de séries como Unidade Básica (Universal TV), 9mm (Fox/Netflix), entre outras. Roteirista de filmes como Reza à Lenda e Broder. Foi também Secretário do Audiovisual do Minc e é coordenador do Concurso Histórias para Unir o Brasil. (www.unirobrasil.com.br)

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