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Artigo / Captação

27 Janeiro 2021

A importância do incentivo fiscal à cultura para a captação de recursos - Parte 1

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O mecanismo conhecido como renúncia fiscal, aplicado à cultura, é polêmico, em grande parte porque há um enorme desconhecimento sobre o mesmo. Principalmente da sociedade, mas o próprio setor cultural sabe pouco sobre seu funcionamento, benefícios e o contexto em que está inserido. E muitas vezes a culpa é de uma visão simplista sobre o processo de captação de recursos, nosso tema principal nessa coluna que tenho a honra de escrever, tentando justamente clarear essa atividade para quem não a conhece. Na verdade, a culpa não é da captação em si, mas da falta de profissionalismo que existe ao lidar com isso, o que faz com que muitos produtores não acessem os recursos incentivados e então, por tabela, culpem o incentivo fiscal. Incentivo não é “justo” – voltado ao mercado, não contempla todos os tipos de ações culturais: projetos mais polêmicos, mais amadores, que passem menos credibilidade (como por exemplo primeiras edições de eventos) costumam ter mais dificuldade de obter patrocínio. Outras dificuldades costumam ser: definir as estratégias de captação, as contrapartidas, chegar à empresa, conseguir apresentar a proposta, ter um projeto de venda bem escrito, fazer um bom pitching. Por isso é preciso um profissional dedicado e especializado. Ainda é preciso entender o timing adequado de cada lei de incentivo (existem as municipais, estaduais e as federais) e as regras do que é permitido ou não em cada uma delas para negociar corretamente com os futuros patrocinadores. Fazer follow up, renegociar, acompanhar contratos, burocracias documentais e, depois de captado o recurso, fazer a gestão das contrapartidas, avaliar e entregar resultados e relatórios, prestar contas (no caso do captador, sua função é acompanhar e apresentar, não executar a mesma). Por isso esse profissional precisa ser especializado, tendo todo esse conhecimento interdisciplinar. É comum encontrarmos produtores que acumulam as funções de produção, gestão, “captação”, direção, criação e até outras atividades de um projeto, o que compromete a mobilização de recursos, mas fica a impressão de que o recurso via incentivo fiscal é algo muito difícil de ser acessado. Sem dedicação diária e especializada, é mesmo.

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Além das críticas (fundamentadas ou não) do próprio setor, o mecanismo é polêmico porque é o único incentivo que a sociedade ouve falar constantemente. Não entende sua complexidade e nem o seu contexto, mas fala dele com frequência. De certa forma é natural que isso aconteça, dada a visibilidade da área. Algo que envolva profissionais famosos, certamente terá ampla repercussão. O que as pessoas em geral não sabem é que o incentivo fiscal para cultura fica longe de chegar a 1% de todos os incentivos fiscais que existem para os mais diversos setores econômicos do país. Somente a famosa Lei Rouanet significa 0,48% de todos os incentivos. As duas leis federais de incentivo (“Rouanet” e audiovisual) juntas geram um milhão de empregos. A indústria automobilística recebe um bilhão de reais A MAIS em incentivos fiscais que a cultura e gera apenas 215 mil empregos. Além de gerar mais emprego e renda de forma mais bem distribuída geograficamente, a cultura oferta obrigatoriamente pelo menos 40% do seu produto cultural de forma gratuita. Talvez um fator que também contribua para que o incentivo fiscal à cultura seja mais questionado seja o fato de haver obrigatoriedade do uso da logomarca das leis de incentivo em todas as peças de divulgação dos projetos. Alguém já viu carro com marca da lei de incentivo? Pois é, toda essa visibilidade colocou essas leis numa berlinda. Embora cada real gasto num projeto cultural tenha que prestar contas (alguém já ouviu falar sobre prestar contas dos outros 99,4% incentivos do país?), o incentivo à cultura é sempre questionado: se esse dinheiro é distribuído de forma justa, se há favorecimentos, se há corrupção, se há enriquecimento de produtores e artistas, etc. Isso só acontece com o incentivo à cultura. Não há dúvidas de que o impacto econômico positivo deste incentivo é gigantesco e extremamente positivo para o país: a extensa cadeia produtiva da cultura consegue impactar em todos os demais segmentos econômicos, gera impostos e retorna aos cofres públicos 59% a mais de cada real investido. Mas ainda assim este mecanismo é sempre questionado quando aplicado na cultura.

E se não houvesse renúncia fiscal para a cultura? Hoje, 2021, quais seriam as fontes de recursos para a realização de milhares de projetos, instituições e organizações? Museus, orquestras, corpos artísticos, projetos sociais, artistas, técnicos, produtores... conseguiriam sobreviver com fomento direto? Quais as opções de investimento direto governamental que existem atualmente? Seria possível manter a produção cultural brasileira somente com venda de ingressos, livros, CDs e DVDs? Com doações de pessoas físicas? Teríamos investidores privados suficientes para compensar a falta de mais de um bilhão de reais injetados anualmente na cultura por meio da renúncia fiscal?

Vamos falar desses assuntos aqui nessa coluna e provocar reflexões sobre esse tema, assim como trazer dicas e orientações sobre a captação de recursos, com e sem incentivos. Até a próxima!

 

Fontes: estudo de impacto sobre a lei Rouanet da Fundação Getulio Vargas de 2018 (disponível em cultura.gov.br ) e Cartilha sobre a Lei Rouanet do Fórum Brasileiro Pelos Direitos Culturais (disponível em fbdc.com.br )

Daniele Torres
Daniele Torres

Daniele Torres é museóloga, com pós em história da arte, gestão cultural e comunicação empresarial. Atua há mais de 20 anos com leis de incentivo e captação de recursos. Sócia da Companhia da Cultura, gestora de projetos e consultora de Investimento Social Privado, e também sócia diretora do Cultura e Mercado, site e escola de cursos livres. Atualmente é também conselheira da Comissão de Direito das Artes da OAB-SP.

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