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Artigo / Educação

26 Janeiro 2021

Ensino Altamente Especializado em Audiovisual

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Desde meu primeiro artigo para a EXIBIDOR venho falando sobre a importância de um ensino de cinema e audiovisual em todos os níveis de escolaridade, não só para quem quer atuar profissionalmente na área, mas para todas as pessoas que, de alguma forma, consomem obras audiovisuais (basicamente 99% do planeta).

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Fazendo um recorte mais específico, há a pergunta sobre que tipo de formação está se fazendo necessária para a qualificação do audiovisual brasileiro. Em suma: quais são as especializações profissionais essenciais para o cinema e audiovisual brasileiro contemporâneos avançarem e como o ensino superior pode contribuir com isso?

Um estudo comparativo com realidades de outros países talvez nos dê algumas pistas. Notamos que diversas escolas internacionais de cinema e audiovisual têm foco na especialização de estudantes já na graduação, delas saindo roteiristas, diretores, produtores... ao invés de, simplesmente, “cineastas”.

Vou dar alguns exemplos:

Na University of Southern California (USC), os alunos cursam primeiro disciplinas que lhes dão uma visão geral do cinema, para depois escolherem a área que desejam trabalhar, isto permite que tenha melhores desempenhos nas áreas escolhidas também. Os exercícios, em rodízio de funções, reforçam esse eixo.

Na América Latina também observamos uma tendência para a especialização dos alunos em áreas específicas durante a graduação. No México a formação na Escuela Nacional de Artes Cinematográficas (antigo CUEC) tem uma duração um pouco maior que a dos brasileiros, de quatro anos e meio, havendo, na segunda etapa, especializações.

Ainda no México, o Centro de Capacitación Cinematográfica, CCC, possui uma primeira etapa de transmissão de conhecimentos gerais e outra, na segunda metade, de conhecimentos específicos com o fim de especializar os alunos.

Da Catalunha a estrutura curricular da Escuela Superior de Cine y Audiovisuales, ESCAC, apresenta o ensino geral nos dois primeiros anos e especialização nos dois últimos. Seguindo pela Europa ocidental, a alemã Deutsche Film- und Fernsehakademie Berlin, DFFB, como nas universidades brasileiras, busca equilibrar disciplinas teóricas e práticas, com um ciclo básico obrigatório e um de créditos, escolhidos pelos próprios estudantes segundo suas ênfases.

A italiana Scuola nazionale di cinema - Centro Sperimentale di Cinematografia, independentemente da escolha de suas especializações, os estudantes são encorajados a percorrerem caminhos outros, adquirirem novos conhecimentos, circulando entre os diversos departamentos. Durante os anos do curso, existe profunda imersão estudantil, a vivência dentro da Escola é também determinada pela permanência em suas habitações.

No caso da “Sam Spiegel” Film & Television School, de Jerusalém, o ensino é altamente especializado, voltado para formação de diretores, em se tratando de uma escola de alta capacitação.

Esses dados servem tão somente como reflexão para futuras práticas, porque é extremamente difícil traçar comparativos entre a situação brasileira com a de outros países, não só pela tradição de seus cinemas quanto pela própria tradição das escolas.

Como no Brasil, além de não termos clareza sobre as necessidades de mercado, por uma questão de sobrevivência os egressos têm que circular por diversas funçãoes do audiovisual até conseguirem se consolidar em uma (isso quando conseguem), então é bastante simples entender porque são transmitidos saberes abrangentes na graduação.

Já houve tentativas de bacharelados específicos, focados em roteiro, documentário, por exemplo, todavia a realidade se impôs, e as escolas tornaram os seus projetos de curso mais generalizantes.

Um outro dado a ser observado é a proliferação de graduações tecnológicas, muito comumente denominadas Produção Audiovisual. Comumente esses cursos, em Instituições de Ensino Superior privadas, tem 2 anos de duração e, por isso, precisam ter um enfoque mais voltado para algumas práticas.

Poucas são as IES (Instituições de Ensino Superior) brasileiras em que as alunas e os alunos escolhem uma ênfase, como se dá no Curso Superior do Audiovisual da USP, por exemplo. Em geral o ensino procura abranger o básico de todas as áreas de realização audiovisual ligadas, principalmente em cinema, fazendo um equilíbrio entre teorias e práticas.

Então, em face dessa realidade, estudos continuados e altamente especializados depois de concluídas as graduações são mais do que bem vindos. Há ótimos cursos de extensão e livres na área que estão sendo ofertados, mas não é a eles que me refiro e sim às pós-graduações regulares, lato sensu (cursos de especialização e MBA ou equivalentes) e programas de pós-graduação stricto sensu, que são Mestrado (Acadêmico e Profissional) e o Doutorado.

Historicamente a maioria dos programas de pós-graduação stricto sensu em cinema e audiovisual são em universidades públicas e desses poucos são os profissionais.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES define como Mestrado Profissional: “Mestrado Profissional terá como ênfase os princípios de aplicabilidade técnica, flexibilidade operacional e organicidade do conhecimento técnico-científico, visando o treinamento de pessoal pela exposição dos alunos aos processos da utilização aplicada dos conhecimentos e o exercício da inovação, visando a valorização da experiência profissional.”

Ressalte-se que os mestrados profissionais são um ótimo caminho para superação das deficiências de formação mais especializada na prática do mercado (sugiro a vocês que conheçam a experiência bem sucedida na UFRJ do mestrado profissional em mídias criativas) todavia eles não podem excluir os programas de mestrado e doutorado que visam a formação de pesquisadores, que são fundamentais para reflexão e produção de conhecimento.

Há, ainda, outro caminho dentro das IES em nível de pós-graduação que são as especializações, capazes de contribuir para alta capacitação nos mais diversos setores do audiovisual, tal como analisamos nas experiências internacionais.

Relatando um pouco da minha experiência: o FORCINE realizou algumas pesquisas no sentido de compreender as principais demandas de profissionais para o mercado audiovisual, com destaque à realizada em conjunto com a SIAESP- Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo- e SPCINE, apresentada no 1º Congresso Paulista Ensino e Mercado Audiovisual, ocorrido na FAAP campus São Paulo em 2015. Nela foram entrevistadas: 67 produtoras, 8 distribuidoras, 4 locadoras de equipamentos e 1 finalizadora de SP. As pessoas que responderam os questionários no quesito “que profissionais o mercado audiovisual mais sente falta?” indicaram carência na parte criativa (roteirista e showrunner) e na gestão e negócios (Formatação de projetos, captação e produtores executivos).

Esse fato desencadeou em nós a busca pela construção de especializações nessas áreas. Fizemos debates com profissionais, estudo de experiências internacionais, reflexões sobre os currículos das graduações e pesquisas de mercado. Sentindo que a FAAP seria o solo fértil pela sua tradição em ensino de cinema, criamos a pós-graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais, que está indo para sua 4ª turma em 2021.

Conto isso não para me gabar ou fazer “jabá”, mas para estimular que outras experiências como essa aconteçam e se consolidem, porque há espaço para todas as formações e o audiovisual brasileiro delas carece.

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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