22 Janeiro 2021
O futuro da mídia e entretenimento e o fim da poltrona de lugar marcado garantido
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O futuro da indústria de mídia e entretenimento passa por grandes mudanças em seus diversos subsegmentos de negócios. Alguns paradoxos decorrentes da COVID19 são evidências da aceleração de efeitos colaterais que tocarão determinados agentes e modelos de negócios, como, por exemplo, o fato de que a receita global de mídia e entretenimento ter alegadamente caído 6%, empregos e negócios baseados em espaços físicos (cinemas, teatros, shows, concertos) terem sofrido consideravelmente, de outro lado o consumo via digital cresceu consideravelmente, fazendo as empresas que atuam nesses segmentos ter atingido resultados de crescimento muito antes do projetado.
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No setor criativo, muito do trabalho é desempenhado por autônomos ou pequenas empresas satélites que não têm uma receita recorrente fixa e dependem do novo projeto ou produto seguinte para continuidade. Esses, no mundo todo, estão tendo que procurar alternativas de subsistência, e, em alguns casos, fazendo molho de tomate caseiro para macarronada ou outras atividades afins possíveis de serem realizadas em casa, com pouco investimento. Uma tristeza somente vista durante grandes guerras, com uma diferença que guerras não afetam todos os países do planeta ao mesmo tempo e mortes somente ocorrem nos locais de batalha.
A publicidade é outra vítima desse desequilíbrio, com queda particularmente na mídia mais tradicional, mesmo em países como a China e nos da comunidade europeia. A publicidade é como a água, sempre corre para onde está a maior correnteza, o que significa se desviar para o digital, acompanhando a tendência do consumidor, alterando também o modelo de publicidade no estilo de televisão. A criação publicitária vem mudando para se adaptar aos novos tipos de mensagem adaptada ao meio digital, considerando inclusive a possibilidade de um direcionamento maior da publicidade ao destinatário, nesse ambiente digital. Se isso concentra receitas publicitárias nas mãos de grandes empresas on line, até esse momento não é possível dizer que o anunciante realmente atingiu o destinatário, pelo que se defende a criação de algum modelo padrão de devolutiva ao anunciante dos resultados da publicidade programática.
O setor de games teve crescimento, pela permanência maior em casa, garantindo aumento das receitas das empresas desse segmento, interrompendo, contudo, o crescimento dos E.esportes, porque muitos eventos de competição foram cancelados. Contudo, durante a pandemia, a área de produção de hardware e interrupção de linhas de produção também tem sido um gargalo. Como efeitos dessa pandemia, é dito que se poderá ver uma aceleração da migração para entrega de games para dispositivos móveis (como smartfones) e jogos hospedados na nuvem, abandonando um pouco o modelo baseado em hardwares que vinculam o game. Essa mudança tem evidentemente impactos naqueles que baseiam o modelo de negócio em consoles. Também o modelo de monetização deve tender a migrar para assinatura ou free-to-play.
Esse é um desafio dos modelos de negócio, começam pela venda unitária, depois migram para venda em pacotes, em seguida para assinatura periódica e no final tendem a ser “gratuitos” ou suportados por subsídios laterais, como a publicidade. Até o cinema já vinha migrando para assinatura em alguns territórios, o que levanta a velha máxima de que o ambiente digital é causa do fenômeno da “desintermediação”, eliminando intermediários que, em seguida, verticalizados, correm o risco da pulverização, trocando “dólares por centavos”. Essa troca exige uma massividade maior da oferta e consumo do produto ou serviço. Se alguém vendia um ingresso de cinema por 20 reais, agora vende o acesso a milhares de títulos de filmes por 20 reais, o que obriga milhares de usuários substituírem aquele espectador único.
A indústria da música também sofreu uma grande pancada com a pandemia, notadamente pela suspensão das performances ao vivo, entre bilheteria, patrocínios e alavancagem de novos lançamentos. Igualmente, como efeito secundário há o crescimento da importância do streaming nas receitas da indústria que corresponde a um mercado mundial de mais de cinquenta bilhões de dólares, dos quais metade era reportada como sendo originária de shows e concertos ao vivo. O demais advém de receitas de streaming, downloading, cópias físicas, direitos de sincronização (em filmes, séries e games) e execução pública. Como no cinema, muitos artistas e gravadoras adiaram lançamentos de novos álbuns esperando a volta a um normal que insiste em não chegar. E, no caso dos eventos ao vivo, a situação aqui é semelhante aos cinemas. Nos pós pandemia eles dependerão da recuperação da confiança do consumidor em locais de grande frequência coletiva, o que afeta ainda mais diretamente os artistas, porque é muito provável que mais de três quartos dos seus ganhos venham desse tipo de atividade, após a mudança do disco físico (vinil ou CDs) para o digital. Alguns dizem que a evolução da tendência do streaming ganhar importância pode afetar até mesmo o modo de se compor e produzir música, com conteúdos mais curtos e com menos densidade criativa, bem como associados a pequenos vídeos, com influencia de um modelo “tik tok”.
O cinema, que foi sempre o rei dos conteúdos, sofre igualmente. Suspensão da produção, adiamento de lançamentos, migração ou supressão de janelas, deixando-se dinheiro em cima da mesa, fechamento de salas de exibição, são efeitos que já se apresentam no cenário global. e brasileiro. Sem dúvida é o cinema o maior criador de valor. Somente a indústria de Hollywood é mencionada como responsável por dois milhões de posições de trabalho e quatrocentas mil empresas e negócios à ela associada nos Estados Unidos. O encurtamento das janelas de exibição era um tema relevante antes da pandemia e, agora, tem se transformado numa não imaginada eliminação da janela, em alguns casos, para lançamentos que originalmente eram talhados para a tela grande. O que se diz que virá pela frente será a mudança do modelo de venda de ingressos individuais de um único evento, distribuído por terceiros, para uma verticalização na distribuição e receitas recorrentes (como a assinatura que citamos). A verticalização leva a uma expansão pela demanda por conteúdos exclusivos, o que pode ser uma volta ao passado, quando empresas exibidoras tinham “bandeiras”. Além disso haverá conteúdos que serão dirigidos e vocacionados ao VOD, pulando definitivamente a janela do cinema. E, finalmente, como em qualquer setor com tendência de encolhimento, uma tendência de consolidação entre as empresas de exibição, com graves riscos de desaparecimento de pequenos exibidores ou redes menores, trazendo grandes desafios aos reguladores de antitruste, como o CADE no Brasil, pois caso não se permita a consolidação se verá o simples fechamento, muitas vezes, da empresa a consolidar ou o desaparecimento das salas numa determinada localidade ou região (Ver meu artigo anterior sobre o desafio imobiliário para o setor de cinemas).
Interessante notar que o cinema vem sendo mais vocacionado em termos de resultado para conteúdos baseados em obras derivadas, em particular “comic books”, livros ou criações precedentes de sucesso (sequências), do que conteúdos baseados em argumentos e roteiros originais, que tendem a ir direto ao streaming, mudando um pouco a forma de se criar para a tela grande.
Evidente que no momento atual não há como ser vidente e fazer previsões definitivas (até porque toda previsão é um cenário), mas o certo é que não existe mais poltrona com lugar marcado garantido para quem está no mercado do entretenimento e mídia nem dá para ficar sentando esperando o que vai acontecer.
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados
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