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Artigo / Audiovisual

09 Dezembro 2020

Cine Regente: patrimônio audiovisual na fronteira Brasil/Uruguai

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A cidade de Jaguarão (RS) está localizada no extremo sul do Brasil, na fronteira com Uruguai, e possui um patrimônio histórico valioso que abre campo para discussões sobre as políticas culturais e a história do município. “O conjunto histórico e paisagístico de Jaguarão, tombado pelo Iphan em 2011, conserva um patrimônio sem similar em número e estado de conservação, no Rio Grande do Sul, com edificações coloniais, ecléticas, art déco e modernistas” (IPHAN, 2018). Este conjunto compreende uma área urbana preservada e íntegra, enquanto suas edificações apresentam variação da tipologia, formas de implantação e acabamentos.

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Exemplo deste conjunto patrimonial, o Cine Regente, cinema de calçada da cidade, foi fundado em 1958 e operou com funcionamento diário, com capacidade para 930 pessoas e com um total de 270 exibições. Chegou a alcançar cerca de 68 mil espectadores enquanto esteve funcionando. Sua primeira exibição foi o filme inglês O Jardineiro Espanhol (Dir. Philip Leacock). Também foram exibidos muitos filmes brasileiros como: A hora da estrela, de Susana Amaral; O país dos tenentes, de João Batista de Andrade; A menina do lado, de Alberto Salvá; Noites do Sertão, de Carlos Alberto Prates Corrêa; Anjos da noite, de Wilson Barros, entre outros.

Desde o final da década de 90 o cinema encontrava-se fechado, mas em 10 de novembro de 2011, reabriu suas portas por curta temporada na programação Cineclube promovida pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Entretanto, o prédio foi interditado em 2012 pelo Corpo de Bombeiros da cidade por questões de segurança e reabriu recentemente devido ao aluguel de sua recepção (área frontal) para a Rodoviária da cidade. O prédio é de propriedade privada da Sociedade Imobiliária e Comercial de Jaguarão Ltda (SOJAL) cujo proprietário histórico foi Odilo Marques Gonçalves, empresário da agricultura e pecuária, e décimo prefeito da cidade iniciando sua gestão em 1959.

O fechamento definitivo do prédio em seu uso como sala de cinema, aponta para questões relativas às frágeis políticas culturais do município, especialmente na gestão patrimonial. Jaguarão não tem outra sala de cinema. Para assistir filmes, além das plataformas online com precariedade de conexão de internet, há algumas exibições que acontecem noutros espaços como parte de ações desenvolvidas pela Secretaria de Cultura e Turismo (Cineclube, atualmente extinto), ou pela Universidade Federal do Pampa (projetos cineclubistas finalizados como o Cinecult e o Cinecultinho, ou alguns cinedebates ocasionais que ainda persistem), além de escolas de ensinos fundamental e médio que raramente fazem suas exibições. O cinema enquanto prática do encontro, enquanto fruição cultural coletiva já estava esvaziado, mesmo antes da pandemia do coronavírus (2020).

Observa-se que a situação do Cine Regente enquanto bem público contemplado no PAC Cidades Históricas no quesito Restauração, e cujo status no IPHAN encontra-se como “Ação preparatória”, merece maior amparo dos poderes públicos (municipal, estadual e federal) e também uma mobilização cidadã pelo direito à cultura. O crivo IPHAN confere a relevância para que possa receber a verba necessária para seu restauro. Um cinema de calçada, algo tão raro nas cidades brasileiras, é um equipamento cultural poderoso que deveria migrar de bem privado para um bem de interesse público, sociocultural e de fomento ao audiovisual. Embora sua situação seja de abandono estrutural e de seus raros equipamentos internos (tela de projeção, cadeiras, projetor de película, equipamento de som etc), sabe-se que sua recuperação não é algo impossível financeiramente, vide alguns casos de salas de cinema recuperadas pelo país seja com apoio público ou com apoio privado. O mais importante é não retirar do horizonte que o Cine Regente é um patrimônio material atravessado de imaterialidades devido à sua história e importância artística e sociocultural na região de fronteira Brasil/Uruguai, por isso merece ser ressuscitado.

Carla Rabelo
Carla Rabelo

Professora Adjunta do bacharelado em Produção e Política Cultural da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Doutora e Mestra pelo PPGCOM/ECA/USP. Integra os comitês editoriais das revistas Imagofagia e Cadernos Forcine. Foi docente de Linguagem do Cinema e Audiovisual na UNIMONTE, FIAM-FAAM/FMU e UNINOVE. Trabalhou como assessora institucional e coordenadora de projetos no Centro Cultural São Paulo (CCSP/SMC-SP). Atuou na área de produção audiovisual na TV Cidade de Aracaju (SE).

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