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Artigo / Audiovisual

04 Dezembro 2020

Imersão, imagem e percepção.

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O cinema de ficção tem a capacidade de fabricar outros mundos e abre a possibilidade de viver neles durante umas horas. Mundos diferentes do nosso cotidiano podem servir como escape, como meio de contar uma história ou passar uma mensagem. Em essência e como diz um grande amigo, cinema serve para entreter e inspirar. 

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Na última matéria escrevi sobre imersão e as tecnologias de som surround. Veremos agora as possibilidades da imagem neste campo.  

As primeiras imagens em movimento ocuparam uma parte de um muro branco num subsolo de Paris. Por ser algo novo, já era o bastante para ser uma grande experiencia. Com o tempo e na medida que se expandia a novidade, se improvisavam espaços para instalar uma tela e um projetor, sejam cafés, salas, e muito frequentemente teatros. A industrialização acabou padronizando uma imagem ligeiramente com mais largura do que altura, na ordem de 1,33 a 1,37 vezes. Esta relação entre largura e altura da imagem é chamada “relação de aspecto”.

Quando as salas de cinema começaram a ser construídas para este fim, se inspiraram na geometria e distribuição dos teatros, mas eliminando os camarotes, já que a visão desde estes é muito pobre e obliqua.  A tela geralmente ocupava uma parte da boca do palco, por tanto uma fracção da superfície disponível no muro frontal. Com esta geometria, e com uma tela de proporções modestas, o ângulo da imagem projetada observado pela maioria dos espectadores era pequeno. Por tanto, um espetáculo distante. As pessoas estavam só assistindo, e o conteúdo fazia a magia sozinho.  E assim foi durante meio século.

Cinco anos após o fim da Segunda Guerra mundial, a televisão começava a mudar hábitos do público e afetar a bilheteria dos cinemas. A resposta desta indústria foi radical, e o pivô das inovações foi lograr uma maior imersão e grande parte dela teve a ver com a relação de aspecto e tamanho das telas. Estas ficaram bem mais largas, na ordem de 2,35 a 1, e os filmes coloridos muito mais frequentes. Esta relação de aspecto é mais adequada a nossa visão binocular, mais larga que alta. E o som acompanhou essa imagem grande virando multicanal, mas disto já tratamos anteriormente. E funcionou muito bem, o público encontrava no cinema uma experiencia que a TV em casa não podia oferecer com a tecnologia da época.

 Em pouco tempo foram lançadas diferentes tecnologias de tela larga como o Cinemascope, VistaVision, Technirama etc. A arquitetura dos novos cinemas também mudou, pois se procurava destacar mais a imagem ampliando as dimensões das telas, a superfície ocupada e portanto, o ângulo percebido pela audiência. Além do tradicional filme de 35 mm, entraram na distribuição diferentes formatos com base em filmes de 70 mm, que por utilizar fotogramas muito maiores também aumentavam dramaticamente a qualidade da imagem, com menos percepção do grão da emulsão. Isto abriu o caminho para que as telas cresceram ainda mais. Junto ao aumento da bitola do filme se incorporavam outros recursos ópticos, e assim encontramos o Super Panavision 70, MCS 70, Todd-AO, Super Technirama 70, etc. onde a relação de aspecto podia chegar a 2,5 a 1. Cinemas de 2000 lugares chegaram a ter telas de 30 metros de largura e três andares de altura.  Imagens desse tamanho com qualidade e com o ângulo percebido tão grande pode ser um espetáculo grandioso e envolvente.

O Cinerama utilizava três projetores sincronizados  e uma tela profundamente curvada com três imagens coladas lado a lado e relação de aspecto 2,59 a 1. Seu inventor, Fred Waller tinha experiencia no desenvolvimento de simuladores de voo para a Força Aérea americana durante a Segunda Guerra. A ideia era fornecer visão periférica, um estímulo cuja imersão é tão forte que há sensação de assistir 3D, embora é uma tecnologia 2D. No ápice do seu desenvolvimento alguns cinemas foram construídos especificamente para o Cinerama, com piso e muro da tela em curva, o chamado SuperCinerama.   Mas seja uma sala adaptada ou especialmente construída como foi o Comodoro em São Paulo, precisava de equipamentos muito especiais com operação de alto custo, limitando o número de cinemas equipados, e dessa forma a bilheteria. A empresa fechou em 1965. Mas IMAX pegou a tocha olímpica e lançou algumas tecnologias de telas supergrandes, planas e inclusive esférica, como a Omnimax (posteriormente IMAX Dome). IMAX é um formato atual onde o tamanho da tela ocupa a quase totalidade do muro frontal numa sala quase cúbica, a plateia é em estádio de grande inclinação, dessa maneira os espectadores ficam próximos ao eixo perpendicular e central da tela. Assim a imagem vista se estende de lado a lado e de cima para baixo, e com grandes dimensões. Esta geometria também produz imersão por visão periférica.

O 3D também procura a imersão pela imagem. Durante a década dos ‘50 o 3D começou a ser experimentado, mas a tecnologia era precária e poucos filmes foram distribuídos. Hoje com o padrão DCI é parte do padrão normal de exibição.

Hoje, os cinemas adotaram alguns destes princípios até onde é possível. As telas passaram a ocupar quase toda a largura da sala, e cada vez é mais frequente a projeção em 4 K. E em alguns casos o som é também imersivo.

A relação de aspecto e o ângulo de extensão da imagem percebida são os fatores importantes na imersão. Mas há um outro fator interessante. O ângulo percebido resulta da relação entre largura e distância à tela. Isto quer dizer que esse ângulo não depende do tamanho absoluto da tela. Ou seja, poderíamos lograr um grande ângulo de visão com uma tela de TV doméstica simplesmente ajustando a distância na qual nos sentamos na frente dela. Mas todos sabemos intuitivamente que não é suficiente. Acontece que há um outro fator além do ângulo, que tem a ver sim com o tamanho da tela.  É um fator psicológico. A nossa percepção é muito elaborada, silenciosamente absorve muitos elementos do ambiente por meio dos sentidos sem perguntar e sem anunciar-se.  Serve para melhor desempenharmos nesse ambiente.  Entre eles está a avaliação do tamanho das coisas. E funciona o tempo todo, é parte dos mecanismos de supervivência. Ao entrar na sala, sabemos que a tela é grande e que vem história especial aí. É parte da magia.

E isso, só acontece num cinema.

Carlos Klachquin
Carlos Klachquin | CBK@dolby.com

Carlos Klachquin é gerente da DBM Cinema Ltda, empresa de serviços, projetos e consultoria na área de produção e exibição cinematográfica. Formado como engenheiro eletrônico fornece suporte de engenharia em tecnologias de áudio, entre outras empresas, para Dolby Laboratories Inc, sendo responsável também pela administração de operações vinculadas à produção Dolby de cinema e ao licenciamento das mesmas na América Latina. Desde 2013, trabalha na implementação do programa Dolby Atmos na América Latina, incluindo a supervisão da instalação e a regulagem dos sistemas em cinemas e estúdios e da produção de som Atmos no Brasil.

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