30 Novembro 2020
Valor adicionado pelo setor audiovisual e relatórios da OCDE: convergência como chave para o crescimento
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Não é de hoje que o setor audiovisual representa um dos mais importantes setores econômicos no Brasil, para além de sua contribuição histórica para a formação de nossa cultura e identidade. Trata-se de um setor extremamente relevante, dinâmico, e que tem na inovação (inclusive tecnológica, mas também criativa) o seu principal pilar de desenvolvimento. Como forma de ressaltar a importante contribuição deste setor para o desenvolvimento econômico do Brasil, a ANCINE acaba de publicar o estudo “Valor Adicionado pelo Setor Audiovisual”, a partir de dados gerados pelas pesquisas setoriais desenvolvidas pelo IBGE, com base no ano de 2018.
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O material é rico em informações e aponta de forma clara os desafios e oportunidades que se colocam adiante do setor, de forma isolada e no conjunto de nossa economia. De forma quase concomitante, no início do mês passado a OCDE lançou dois relatórios sobre o Brasil: “Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil” e “A Caminho da Era Digital no Brasil”. A análise conjunta de ambos, de forma geral, aponta para a necessidade de aprofundamento do processo de digitalização da economia e de adoção de um arcabouço regulatório adaptado a um setor de comunicações cada vez mais convergente.
Interessante notar que o material trazido pela ANCINE corrobora de forma bastante evidente muitas das conclusões apresentadas nos relatórios da OCDE. Quase como um quebra-cabeças, o conjunto destas análises forma um retrato fiel do setor audiovisual, das contribuições que tem a dar ao desenvolvimento econômico e dos desafios que enfrenta neste percurso. Para dar maior concretude ao afirmado, vamos aos dados.
Ao tratar do valor adicionado pelo setor audiovisual, o estudo publicado pela ANCINE lida basicamente com a contribuição do setor ao PIB – o setor, de maneira agregada, apresentou crescimento real de 29,1% nos anos compreendidos entre 2007 e 2018, uma taxa de crescimento anual de 2,1% ao ano. Em relação ao conjunto da economia, interessante notar que a contribuição total do setor para a economia tem se mantido relativamente estável no período, tendo iniciado com 0,37% em 2007, chegado a 0,51% em 2014 para então ser reduzida novamente para o patamar verificado em 2018, de 0,44%.
O retrato traçado pelo estudo divulgado pela ANCINE começa a se aproximar daquela apresentado pela OCDE, no entanto, quando se analisa os serviços responsáveis pelo crescimento do setor audiovisual nesta última década. Enquanto o serviço de televisão aberta registrou queda de 40,7% entre 2008 e 2018, o setor de vídeo por demanda (VoD) apresentou crescimento de incríveis 290,7% entre 2015 e 2018 – para tornar-se não apenas o segmento de maior crescimento, mas também um de maiores contribuição ao valor adicionado total do setor.
Em outras palavras, é no ambiente digital que o setor audiovisual apresenta seu maior potencial, e nisso os relatórios da OCDE possuem contribuições importantes. No que se refere ao desafio de digitalização de nossa economia, o relatório “A Caminho da Era Digital no Brasil” aborda uma série de desafios a serem enfrentados – da universalização de serviços de banda larga fixa à velocidade média de conexão oferecida, muito inferior à média dos países da OCDE. Especificamente em relação ao setor de comunicações, recomenda-se melhorar o marco institucional e regulatório, por meio da unificação de competências, separação entre regulação e definição de políticas e, sobretudo, garantia de maior autonomia financeira e administrativa para as agências reguladoras. No que se refere ao conteúdo do marco regulatório, os estudos apontam para a necessidade de um marco regulatório adaptado a um ambiente de convergência tecnológica.
E eis aqui o que talvez seja o aspecto mais importante das reflexões trazidas tanto pelo estudo publicado pela ANCINE como aqueles elaborados pela OCDE: na prática, um marco regulatório setorizado por tipo de serviço não faz mais sentido, sendo importante trabalhar-se por um marco regulatório convergente, reduzindo barreiras regulatórias e promovendo investimentos no setor. Não por acaso, a OCDE recomenda a remoção de barreiras regulatórias como as restrições à propriedade cruzada e à integração vertical entre os serviços de radiodifusão, tv por assinatura e telecomunicações – inclusive a distinção entre atores nacionais e estrangeiros.
Trata-se de medidas fundamentais e que precisam ser endereçadas com velocidade. Por esse motivo, o Ministério das Comunicações criou grupo de trabalho específico para endereçar estas questões. Afinal, o relatório divulgado pela ANCINE é claro ao demonstrar que os serviços de distribuição digital vem crescendo exponencialmente, e prometem aumentar de forma relevante a contribuição do setor audiovisual para o PIB nos próximos anos.
Igualmente relevante, a OCDE recomenda que do ponto de vista concorrencial seja evitado um controle regulatório ex-ante, e que as operações sejam analisadas caso a caso pelas autoridades de defesa da concorrência – no Brasil, o CADE. Embora o relatório aponte a existência de uma concorrência ativa no mercado brasileiro de telecomunicações, o setor de televisão por assinatura aparece mais concentrado do que a média dos países da OCDE e inclusive do que nossos pares na América Latina. Os serviços OTT, por seu turno, se beneficiarão fortemente de liberdade concorrencial e um regime com menos barreiras regulatórias que deveria ser estendido a todos os outros serviços.
Referidas medidas, se adotadas em sua totalidade, darão um grande fôlego ao setor de comunicações, em geral, e ao setor audiovisual, em particular. A verdade é que o Brasil não chegou sequer a arranhar o potencial deste setor para alavancagem de diversos outras áreas de sua economia – por meio da atração de investimentos, e da promoção de sua criatividade e exploração de seu imenso potencial turístico, para ficar em alguns deles. Sendo uma das indústrias de maior crescimento em todo o mundo e um dos grandes motores da economia global neste século, o setor audiovisual deve ser colocado no topo da agenda de países em desenvolvimento, na intersecção entre comunicações e tecnologia – algo que os estudos de ANCINE e OCDE ajudam a fazer muito bem.
José Maurício Fittipaldi | fittipaldi@jmfmedia.com.br
JOSÉ MAURÍCIO FITTIPALDI (fittipaldi@cqs.adv.br / http://linkedin.com/in/jfittipaldi) – Advogado especializado nos mercados de mídia e entretenimento, sócio de CQS|FV Advogados (www.cqs.adv.br). É também sócio-fundador da JMF Media, onde presta consultoria a grandes players dos mercados de mídia e entretenimento, e co-fundador da Animus Consultoria e Gestão, especializada na gestão de investimentos sociais privados para investidores nacionais e internacionais (www.animusconsult.com.br).
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