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Artigo / Audiovisual

19 Novembro 2020

Criação com DNA NACIONAL

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Em criação audiovisual não existe uma fórmula de sucesso. Existem várias.  São as receitas de bolo, nossas fórmulas. É claro que seguir a fórmula não significa que o filme será um sucesso, assim como o fato de seguir uma receita não significa que o bolo não vai desandar. Mesmo com a receita, o sucesso do bolo depende do talento da cozinheira, “da química do momento.”.   No entanto, o fato da receita não garantir o sucesso, não nos impede de conhecer as receitas.

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O que precisamos hoje e de criadores (produtores, roteiristas e diretores) que inovem dentro das fórmulas de sucesso. Percebam bem o paradoxo criativo:  inovar na fórmula. E essa tensão entre a “Exceção e a Regra” (título do livro de Domenico di Mais sobre grupos criativos) que define a criatividade.

Por isso, não basta copiar. É preciso inovar. Os maiores sucesso sempre conciliam uma boa técnica de gênero com vasta pesquisa da realidade. O filme ou a série tem receita apenas na sua estrutura, mas os ingredientes mudam a cada receita.  E os ingredientes vêm da cultura local. Os maiores sucessos atuais do mundo todo são filmes que conseguem conciliar a forma internacional do gênero com o DNA local, do país e/ou região em que foi produzido. Essa mistura e que faz os grandes sucessos.

Há quem tente apenas criar produtos internacionais e se afastar dos “temas brasileiros”. Isso é uma falsa polêmica. Está mais que evidente que os grandes sucessos internacionais têm DNA da nação de origem. O Segredo está no diálogo entre as fórmulas internacionais e o DNA da nação criadora.

 Alguns exemplos rápidos, de exercícios criativos que vale a pena ser realizados:

  • “Casa de Papel” trabalhou muito bem com o gênero de assalto a banco e apimentou isso com o DNA espanhol, dialogando com a tradição anarquista da Revolução espanhola. Como pode ser uma série de assalto a banco com DNA Brasileiro? Com qual tradição podemos trabalhar?

Temos que aprender a trabalhar com arquétipos que já construímos, com personagens que o público já conhece e recriá-los em novas combinações.  Uma série de assalto a banco, por exemplo, pode ter um “Capitão Nascimento” enfrentando uma nova guerrilheira urbana, dois personagens imortalizados no imaginário brasileiro pelo sucesso de vários filmes e séries. O debate entre esses dois lados pode segurar uma série inteira. Se misturar isso com muito suspense e surpresa (o principal da técnica de um thriller de ação) , e um jogo de gato e rato entre dois personagens inteligentíssimos, teremos uma série com grande potencial de sucesso.

  • Como criar uma obra de terror com DNA Brasileiro? No caso do terror uma boa pergunta é: qual o medo tipicamente brasileiro? Qual condição social e típica do Brasil? Quem acertar essa resposta tem chance de fazer um terror de sucesso.

Um exemplo entre outros possíveis.  Um medo tipicamente brasileiro que podemos e devemos explorar é o medo que a elite tem do “escravo”. Como sabemos o Brasil é um país que mais teve escravos e mais tardiamente aboliu a escravidão. E a escravidão ainda persiste, até os dias de hoje, no grande número de empregadas domésticas que ainda residem como os sinhozinhos/patrões (algo tipicamente brasileiro). Essa exploração obviamente gera muita tensão e vários filmes de terror podem ser imaginados a partir desse DNA de horror tipicamente nacional. O terror, nesse caso, vira também uma denúncia da persistência da escravidão até os dias de hoje.  Se for na linha de fantasma, podemos fazer um terror de Casa Grande que, pode e deve ser explorada como o similar brasileira do Castelo Mal Assombrado. Ouro Preto, por exemplo, existem casas consideradas assombradas, muitas com escravos mortos e emparedados (enterrados nas paredes).   Numa linha mais thriller podemos explorar a própria situação dramática entre uma empregada e uma patroa. O fato é que partindo dessa injustiça social podemos criar muitas histórias com DNA nacional, dialogando com o espírito do tempo, denunciando uma opressão que até hoje persiste e preenchendo uma demanda imaginária.

  • Outra pergunta possível: O que seria um Drácula nacional? Criar com DNA nacional é isso:  aprender a dialogar com os arquétipos da cultura mundial e adaptá-los as especificidades brasileiras. 

Nesse sentido o Brasil tem uma vasta tradição de paródia, que dialoga com a chanchada e o próprio carnaval. Isso é ótimo e deve sempre ser usado. Nesse sentido a primeira memória e de Chico Anysio, com o genial Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, uma paródia que mostra um vampiro menos potente.  Claro que a paródia é sempre um bom caminho e temos uma vasta tradição no cinema brasileira, com diretores ótimos, como Carlos Manga e Victor Lima. Mas a paródia não é o único caminho. Podemos e devemos aprender a fazer filmes em outros gêneros e tons. E podemos sim fazer um terror de Vampiros clássicos.

Para isso vale lembrar: o Drácula representa o que? Se analisarmos o enredo clássico o Drácula e uma representação da aristocracia decadente (do regime feudal) que suga o sangue do povo comum. Isso está evidente no castelo e nos luxos decadentes do Conde Drácula. Pensando por aí fica fácil entendermos uma adaptação que coloque DNA nacional nesse enredo. Basta responder: quem entre os personagens do noticiário e da história do Brasil representa essa aristocracia decadente? Se o filme for de época podemos mostrar o Drácula em qualquer coronel do Sertão. Se for atual poderia até acontecer em Brasília. Que tal ser no meio do Ministério da Saúde durante uma pandemia e dialogando com a Máfia do Sangue? E por aí vai.

Esses rápidos exercícios criativos, que fiz improvisando, foram só para exemplificar como se misturarmos arquétipos mundiais com DNA nacional temos infinitas possibilidades de criação. Se entendermos as matrizes da história, o que o personagem simboliza em sua essência, conseguimos buscar a adaptação e construir enredos clássicos de gênero de sucesso com DNA nacional.

Pessoalmente eu acredito que se alguém construir um Drácula que dialoga com o patrimonialismo brasileiro tem chance de construir um grande sucesso, pois irá conquistar a demanda imaginária do público, tão cansado de corrupção e de uma elite que suga seu próprio sangue.

Quem conseguir criar uma série de assalto a banco tão divertida quanto Casa de Papel, mas que também faça uma análise das forças em jogo no debate sobre Segurança Pública brasileira fará um imenso sucesso.

Para isso temos que aprender a ter duas coisas: conhecimento das técnicas de gênero e conhecimento da realidade brasileira. Só um dos elementos não garante sucesso. Temos que ter os dois.

Vamos assim dar ao povo brasileiro o similar nacional e conquistar ainda sucessos internacionais.

Newton Cannito
Newton Cannito

Newton Cannito é autor roteirista de séries como Unidade Básica (Universal TV), 9mm (Fox/Netflix), entre outras. Roteirista de filmes como Reza à Lenda e Broder. Foi também Secretário do Audiovisual do Minc e é coordenador do Concurso Histórias para Unir o Brasil. (www.unirobrasil.com.br)

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