06 Novembro 2020
Som imersivo
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O som em cinema tem uma história de evolução permanente. Nos tempos em que a distribuição era feita em película 35 mm, o som surround foi crescendo em número de canais, resposta em frequência e qualidade. Os canais surround originalmente foram criados para reproduzir ambientes, atmosferas. A palavra “surround” em inglês significa “o que nos rodeia”, complementando a tela para preencher o espaço em volta dos espectadores. Mas como consequência, eles reproduzem tudo que está fora da tela, recriando a percepção da vida real, onde estamos submersos em sons que vem do nosso entorno, além do que enxergamos a nossa frente. Procurando submergir o espectador em forma mais eficaz, os desenvolvimentos das tecnologias lograram aumentar o número de canais, e nos últimos tempos da película, o limite das possibilidades chegou quando praticamente toda a superfície do filme que não era imagem foi ocupada. Nele chegaram a conviver até três sistemas de som multicanal digitais mais a tradicional trilha analógica, por sua vez multicanal também. Até o espaço entre as perfurações foi utilizado. Não havia como colocar nada adicional, e todos os sistemas utilizavam métodos de compressão de dados no limite do que é possível fazer sem comprometer a qualidade do som. O número máximo de canais implementados chegou a oito.
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Mas desde a década dos ‘70 havia um sonho ainda maior, um salto muito grande no conceito do som. Além dos sons dos ambientes que não tem uma direção perceptível, o objetivo era incorporar também o espaço, a direção da qual os sons parecem vir. E não confinar as direções a um plano, ter agora a liberdade de colocar e reproduzir sons em uma esfera, ou semiesfera em volta da plateia. O espaço passa a ser outro elemento dentro do campo sonoro já que o nosso sistema auditivo tem capacidade de determinar a direção desses sons. Esta ideia era muito difícil ou quase impossível de implementar nessa época de tecnologias analógicas. Um empreendimento estatal e privado na Inglaterra criou o formato de áudio “Ambisonics” para experimentar o conceito, mas não foi prático nem possível de introduzir comercialmente e menos ainda colocar em película de 35 mm.
Mas muita água passou por debaixo das pontes em 40 anos. O desenvolvimento das tecnologias digitais trouxe a disponibilidade de processadores poderosos, e com eles o processamento digital de alta velocidade, os tamanhos das memórias e hard drives cresceram de forma espantosa, assim como a capacidade de trafegar enormes quantidades de dados. A partir de um determinado estágio foi possível processar e registrar áudio multicanal em forma digital, e o mesmo aconteceu com a imagem. Com a mudança da indústria cinematográfica para o sistema digital DCI, que possui uma enorme capacidade de estocar, trafegar e processar dados, mas o desenvolvimento de processadores e softwares especializados, agora sim foi possível implementar o som direcional sonhado nos ‘70s.
O cinema busca assim que o espectador experimente estar dentro do filme e não mais diante dele.
O sistema DCI tem ainda certas flexibilidades que habilitam incorporar no DCP novos formatos de áudio. Então a ideia do som direcional conseguiu ser incorporado ao cinema, abrindo caminho para a experiencia imersiva.
Uma das implementações mais difundidas de som imersivo é o sistema Dolby Atmos, que introduze a ideia de objetos sonoros, ou seja, elementos individuais de som que podem ser direcionados em qualquer posição em uma semiesfera virtual. Isto é conhecido como “produção orientada a objetos”. Neste sistema podem ser reproduzidos simultaneamente até 118 destes objetos. As caixas de som formam uma espécie de malha que rodeia a sala em 360 graus incluindo o teto, e embora as suas posições sejam fixas, a distribuição controlada de energia que as caixas recebem e reproduzem cria uma imagem sonora que pode ser movimentada entre elas. Existe uma densidade maior de caixas surround em relação aos sistemas tradicionais, para lograr uma transição mais suave entre uma caixa e outra quando objetos se movem passando por elas. Por tanto, um objeto pode ser posicionado arbitrariamente em qualquer ponto sobre os muros ou o teto da sala, construindo a esfera virtual. No sistema ainda existem os canais surround tradicionais, aos quais se somam mais dois localizados no teto da sala. Em forma adicional existem melhoras na capacidade das caixas surround de reproduzir sons graves, e na tela pode ter até cinco caixas em vez das três tradicionais. A posição e movimento dos objetos é criada na hora da mixagem em um ambiente de monitoração padronizado, para que este reproduza corretamente a direção na qual o criador do conteúdo deseja posicionar o objeto. O conceito clássico de Dolby é reproduzir fielmente na exibição o conteúdo tal como foi concebido. Assim essa direção, instante a instante, objeto por objeto, é codificada em uma informação que viajará junto com o DCP para cada sala, para que os sons durante a exibição sejam reproduzidos nos mesmos lugares que foram decididos pelo criador do conteúdo. Mas há um problema aqui. As salas de cinema têm diferentes dimensões e relações de tamanhos entre elas, algumas mais compridas, ou mais largas, com diferentes pés direito, e por tanto também diferentes do ambiente de monitoração do estúdio onde foram criados. Por tanto as direções pretendidas não seriam corretamente reproduzidas. Para resolver este problema, o processador de som Atmos, coração do sistema de som na sala, é programado durante a instalação com as dimensões particulares da sala e número de caixas, entre outras informações. Assim, o som mantém consistência com a produção original em todas as salas e a ideia do criador do conteúdo é reproduzida fielmente. Esta é uma das caraterísticas mais importantes do sistema. Mas há outras que vale a pena mencionar. Os DCP’s que possuem conteúdo de som Atmos, também incluem o som convencional, seja 7.1 ou 5.1, para que salas não equipadas com este sistema consigam reproduzir o som convencional. Já em salas equipadas com Atmos, se o DCP recebido não tiver conteúdo Atmos, o processador reproduzirá automaticamente os formatos convencionais. Assim a distribuição de DCP’s pode ser feita com inventario simples.
A produção de som orientado a objetos enriquece a exibição de forma significativa pela imersão lograda com um sistema onde o campo do som envolve totalmente ao espectador. Mas há uma outra consequência importante. Ao dispor desta nova ferramenta para os criadores de conteúdo, foi aberto um novo campo no conceito criativo. Esta é uma fase de aprendizado, de descobertas e experimentação que tem consequências na estética.
Esta é uma época de grandes câmbios. Alguns traumáticos, mas muitos outros surpreendentes.
Carlos Klachquin | CBK@dolby.com
Carlos Klachquin é gerente da DBM Cinema Ltda, empresa de serviços, projetos e consultoria na área de produção e exibição cinematográfica. Formado como engenheiro eletrônico fornece suporte de engenharia em tecnologias de áudio, entre outras empresas, para Dolby Laboratories Inc, sendo responsável também pela administração de operações vinculadas à produção Dolby de cinema e ao licenciamento das mesmas na América Latina. Desde 2013, trabalha na implementação do programa Dolby Atmos na América Latina, incluindo a supervisão da instalação e a regulagem dos sistemas em cinemas e estúdios e da produção de som Atmos no Brasil.
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